ALPHONSUS DE GUIMARAENS
(1870-1921)
CAVALEIRO FERIDO
O pesar de não tê-la encontrado mais cedo,
De não ter visto o sol quando havia esperança!
Som flébil, ástreo som da alma de um citaredo,
Porque vos não ouvi quando ainda era criança?
Quantas vezes o luar me sorria em segredo,
Quantas vezes a tarde era serena e mansa!
E o horizonte ante mim ressurgia tão ledo,
Que eu dizia: "Mas que anjo entre as nuvens avança?"
Hoje, depois de velho, e tão velho, mais velho
Que uma figura antiga e doce do Evangelho,
É que entre astros, trilhando o azul claro, a encontrei...
E pude, contemplando o sol da sua face,
Atirar a seus pés, para que ela os pisasse,
Meus andrajos de pobre e meu manto de rei...
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ANÍBAL TEÓFILO
(1873-1915)
A CEGONHA
Em solitária, plácida cegonha,
Imersa num cismar ignoto e vago,
Num fim de ocaso, à beira azul de um lago,
Sem tristeza, quem há que os olhos ponha?
Vendo-a, Senhora, vossa mente sonha
Talvez, que o conde de um palácio mago
Loura fada perversa, em tredo afago,
Mudou nessa pernalta erma e tristonha.
Mas eu, que em prol da luz, do pétreo, denso
Véu do Ser ou Não-Ser tento a escalada,
Qual morosa, tenaz, paciente lesma,
Ao vê-la assim mirar-se n'água, penso
Ver a Dúvida Humana debruçada
Sobre a angústia infinita de si mesma.
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ANTÔNIO SALES
(1868-1940)
A GARÇA
Vede-a tão alva, tão esbelta e pura!
Há qualquer coisa de melancolia
Na grave e abandonada compostura
Com que do lago a linfa clara espia.
Um peixinho, decerto, não procura
Para matar a fome, pois dir-se-ia
Que intenta apenas refletir a alvura
Da formosa plumagem na água fria.
Mas talvez que não seja por vaidade
Que contempla o seu vulto, atentamente,
Com esse olhar de infinda suavidade...
Quem sabe se, ao mirar-se, a garça albente
Não pensa, num transporte de saudade,
Em outra garça desejada e ausente?
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EMÍLIO DE MENESES
(1867-1918)
O VIOLINO
São, às vezes, as surdinas
Dos peitos apaixonados
Aquelas notas divinas
Que ele desprende aos bocados...
Tem, ora os prantos magoados
Dessas crianças franzinas,
Ora os risos debochados
Das mulheres libertinas...
Quando o ouço vem-me à mente
Um prazer intermitente...
A harmonia, que desata,
Geme, chora... e de repente
Dá uma risada estridente
Nos "allegros" da Traviata.
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FRANÇA PEREIRA
(1870-1925)
NO HARÉM
Como um broche de púrpura e de opala,
O sol fuzila na Sublime Porta,
E, à luz do dia, murmura, trescala,
No alto, o perfume da Bizâncio morta.
Cem odaliscas, que o sultão transporta
Da Circássia, do Egito e de Bengala,
Entram nuas no banho, à vista absorta
De cem núbios que, em armas, fazem ala.
Pompeia o harém na lúbrica loucura
Dos torsos nus, dos colos e das ancas
Hirtas, na febre das lascivas mágoas.
Somente Djáli, a indiana altiva e pura,
Salta, velando as rijas pomas brancas,
No âmbar gelado das cheirosas águas.
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JÚLIA CORTINES
(1868-1948)
O LAGO
Um pouco d'água só e, ao fundo, areia ou lama,
Um pouco d'água em que, no entanto, se retrata
O pássaro que o voo aos ares arrebata
E o rubro e infindo céu do crepúsculo em chama.
Água que se transmuta em reluzente prata,
Quando, no bosque em flor, que as brisas embalsama,
A lua, como uma áurea e finíssima trama,
Pelos ombros da noite a sua luz desata.
Poeta, como esse lago adormecido e mudo,
Onde não há, sequer, um frêmito de vida,
Onde tudo é ilusório, e passageiro é tudo,
Existem, sobre um fundo, ou de lama ou de areia,
Almas em que tu vês, apenas, refletida
A tua alma, onde o sonho astros de ouro semeia!
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JÚLIO SALUSSE
(1872-1948)
CISNES
A vida, manso lago azul, algumas
Vezes, algumas vezes mar fremente,
Tem sido para nós, constantemente,
Um lago azul sem ondas, sem espumas.
Sobre ele, quando, desfazendo as brumas
Matinais, rompe um sol vermelho e quente,
Nós dois vagamos indolentemente,
Como dois cisnes de alvacentas plumas.
Um dia, um cisne morrerá, por certo.
Quando chegar esse momento incerto,
No lago, onde talvez a água se tisne,
Que o cisne vivo, cheio de saudade,
Nunca mais cante nem sozinho nade,
Nem nade nunca ao lado de outro cisne!
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PADRE ANTÔNIO TOMÁS
(1868-1941)
EVA
Cantam-lhe n'alma ainda as sedutoras
Finais palavras do inimigo astuto:
- "Se o houveras provado um só minuto,
Deusa, decerto, e não mulher tu foras",
E desprezando as iras vingadoras
Do céu, estende o braço resoluto
E colhe o belo, rubicundo fruto
De estranho cheiro e formas tentadoras.
Nas mãos o preme e, quando o vai partindo,
Se lhe esguicha da polpa sumarenta
O róseo mosto sobre o seio lindo.
E em cada poma fica-lhe estampado
Um vivo timbre dessa cor sangrenta,
Como as insígnias rubras do pecado.
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