sábado, 10 de agosto de 2019

Francisca Júlia (A Inveja)


Havia um homem, extremamente invejoso, que não tinha conseguido ainda arranjar fortuna, apesar dos esforços que fazia, do trabalho diário e das economias.

Este homem, desde que ficou só no mundo, sem o amparo de seus pais, que tinham morrido, entregou-se ao trabalho; mas como nunca foi honesto e empreendia tudo com má fé e malícia, não pode prosperar, de modo que todos, que deviam auxiliá-lo, evitavam-no e negavam-lhe apoio.

Seu principal defeito era a inveja.

Invejava a felicidade de todos, e a todos desejava mal. Se o seu amigo prosperava, cercava-o de pequenas intrigas, maculava-lhe a reputação até vê-lo empobrecer.

Um dia, cansado dos sofrimentos e humilhações por que tinha passado até então, revoltado contra a sorte que lhe era tão adversa, mudou de terra para recomeçar a vida. Empregou-se na casa de um rico moleiro.

Sua ocupação era pastorear as ovelhas, tomar conta do celeiro à noite, evitando a voracidade dos ratos que tudo destruíam. Trabalho suave esse, que lhe rendia algum dinheiro e um tratamento relativamente bom, porque o seu patrão era generoso. Assim viveu ele por muitos dias, feliz, alimentando-se bem e fazendo as economias a que estava habituado.

A inveja, porém, começou a dominai-o de novo, a envenenar-lhe a alma, obrigando-o a revoltar-se contra a crescente prosperidade do seu amo. À noite, fechado em seu quarto, retorcia-se no leito, espumava de raiva, fantasiava altercações com o moleiro, dirigia-lhe impropérios e a inveja ia-o tornando mau cada vez mais.

Daí em diante, já se não importava com o trato das ovelhas, deixando que se desgarrassem do rebanho ou que morressem de peste por falta de cuidados. Agitava a água da azenha, tornando-a suja. Abria a porta do celeiro para dar estrada aos ratos.

Tudo isso ele fazia no intuito de empobrecer o moleiro, fazendo-lhe esses males, causando-lhe prejuízos diários. Mas o proprietário, que já tinha percebido os maus sentimentos do seu empregado, e observado a sua inveja, chamou-o à sua presença e falou-lhe duramente:

— Tu és um mau homem; a princípio conseguiste iludir-me com tua falsa solicitude, com teu fingido amor ao trabalho; agora te conheço melhor, porque de uns tempos a esta parte tenho observado a baixeza de tua alma e a inveja de que está penetrada. De hoje em diante ficas dispensado do serviço da minha casa. Vai com Deus.

E despediu-o, depois de lhe haver pago o que lhe devia, dado alguma roupa e conselhos úteis de moral.

O nosso homem saiu, de cabeça baixa, coberto de vergonha e humilhação.

E jurou vingar-se.

A noite tinha caído de todo. Não havia uma estrela no céu. Tudo era propicio para a realização dos seus desígnios criminosos.

Armou-se de um punhal e encaminhou-se para a casa do moleiro.

Tudo, porém, estava fechado, e ele receava acordar os cães, que eram bravos.

Então, mudando de estratégia, resolveu vingar-se de outro modo: quebrar a roda do moinho.

E partiu, pé ante pé, de cócoras, para confundir-se com o mato e aproximou-se do moinho para quebrar-lhe a roda. Como era dotado de muita força, agarrou num dos raios, suspendeu-se, e, com o auxilio dos pés, pensou quebrar um por um todos os raios; estava nesta posição quando um grosso jato d'água se desprende de cima, apanha a roda, fá-la virar impetuosamente, e mata o desgraçado sem lhe dar tempo de gritar por socorro.

No outro dia, quando o moleiro soube do ocorrido, ergueu as mãos ao céu e rogou a Deus repouso para a alma daquele infeliz.

Fonte:
Francisca Júlia. Livro da Infância. Revisão ortográfica: Iba Mendes.

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