sábado, 17 de agosto de 2019

Cecy Barbosa Campos (Quebra de Rotina)


Elegante e simpático, com postura discreta, marcava sua presença onde quer que estivesse.

Brincalhão, sem ser espalhafatoso, tinha sempre uma palavra gentil para todos. Fazia amigos rapidamente e, com a palavra fácil, era um interessante conversador e parecia conhecer qualquer assunto que fosse abordado. Acrescentava pormenores desconhecidos e curiosos sem nunca parecer pretensioso.

As mulheres honestas suspiravam por ele. As não tão honestas chegavam a ter fantasias eróticas a seu respeito, e as mais ousadas investiam claramente, usando todas as armas da sedução, tentando conquistá-lo. Entretanto, era tudo inútil, e ele permanecia inabalável, mostrando-se um exemplo de fidelidade conjugal.

Em relação aos amigos, nada podia ser dito contra ele. Pelo contrário, leal e solidário, era aquele com quem todos podiam contar. O mesmo no trabalho: correto e responsável, era admirado pelos chefes e pelos colegas, parecendo incorruptível.

Casado com a mesma mulher há quatorze anos, Reginaldo e Matilde eram o exemplo do casal perfeito. Levavam uma vida confortável e tranquila num condomínio classe média alta e tinham dois lindos filhos.

Na verdade, Matilde, às vezes, achava que aquela tranquilidade e segurança eram um tanto monótonas, e ansiava por algo diferente que acontecesse no seu dia-a-dia. As vinte e quatro horas do casal eram sempre iguais e aconteciam na mesma sequência. O marido levantava-se bem cedo, para dar uma caminhada, tendo o maior cuidado para não acordar a mulher que gostava de dormir até mais tarde. Na volta, tomava o seu banho - não no banheiro da suíte, para evitar o barulho. Vestia-se no estilo esporte-chique que era o seu preferido e, antes de sair, ainda tomava um breve café matinal com a esposa que acordava a tempo de obedecer a este ritual.

Não se encontravam no intervalo do almoço. O marido preferia comer no restaurante da firma que, com alimentação balanceada, facilitaria o controle do peso ou eventual tentação de ingerir calorias a mais, garantindo sempre a sua perfeita saúde.

Matilde sabia exatamente a que horas o marido chegaria a casa após o trabalho, e a harmoniosa reunião familiar prosseguiria após o jantar com um passeio pelo condomínio, um papo com os vizinhos e as brincadeiras com as crianças.

Um dia, Reginaldo não voltou. Foi numa terça-feira normal, com a caminhada, o café da manhã e o beijo usual. Matilde descera com ele no elevador, conversaram sobre assuntos triviais e, enquanto ela se encaminhava para o salão de ginástica, ainda viu o marido sair com o carro, depois de, gentilmente, abanar a mão para o porteiro.

Tudo isso ela explicou quando as investigações sobre o desaparecimento de Reginaldo começaram.

A principio, quando percebeu o atraso do marido para o jantar, ela nem se incomodou. Achou até interessante acontecer algo fora da rotina. Entretanto, à medida que as horas passavam, começou a se preocupar com a demora do marido. Telefonou para os amigos e para os colegas de trabalho de Reginaldo. Ou não o tinham visto ou haviam se despedido dele ao final do expediente. - Não, não sabiam de nada, Reginaldo não mencionara se iria a algum lugar, nem demonstrara nenhuma preocupação.

Nada diferente, tudo igual, como sempre.

O trabalho da polícia foi inútil. Nenhuma pista do paradeiro de Reginaldo. Nem do carro. Os anos se passaram, as crianças cresceram e, depois da grande trabalheira que dá ter um marido desaparecido, Matilde organizou sua nova vida e, de vez em quando, relembrava com saudade o tédio que sentia durante o seu período de casada, por nunca lhe acontecer nada diferente.

As suspeitas da Polícia foram de que Reginaldo teria sido vítima de bandidos que desapareceram com o corpo e com o carro. Assim, o caso foi arquivado, e como nada foi comprovado, Matilde nem podia se considerar viúva, isto, até o dia em que, folheando um jornal de outra cidade, enquanto aguardava a sua vez de ser atendida pelo dentista, lê, no obituário, a notícia da morte de Reginaldo Lemos, cinquenta anos, de insuficiência respiratória.

Fonte:
Livro enviado pela autora.
Cecy Barbosa Campos. Recortes de Vida. Varginha/MG: Ed. Alba, 2009.

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