sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Antonio Carlos de Barros (O Dia a Dia do Tropeiro)


A vida diária na época das Tropeadas não era nada fácil. Esses caminhos que ligavam o Rio Grande do Sul até Sorocaba eram por demais precários, os obstáculos encontrados durante as viagens, terríveis, as armadilhas diárias, os animais ferozes, as tocaias* armadas por foragidos da justiça, muitas vezes violentas, pois esses se escondiam nas matas à espera dos Tropeiros, e às vezes também com os índios. 

Pelos caminhos naturais
Espaços abertos pelas patas da gadaria,
Varando sertões, atravessando ravinas*.
Trilhas estreitas e perigosas
Vadeando* rios, com água na cola*. 
A tropa segue lenta e silenciosa.
(Antonio Carlos de Barros)

Todos esses elementos se constituíam em grandes ameaças aos Tropeiros. Pois era de conhecimento geral, que os Tropeiros carregavam consigo quantias consideráveis de dinheiro para custearem as viagens. Por isso e por garantia da própria vida e pelo bem da tropa, os Tropeiros andavam sempre muito bem armados e nos pousos organizavam um sistema de rondas principalmente as noturnas, para garantia e segurança da tropa e dos Tropeiros.

E quantos não ficaram
Pelos caminhos atirados
Esquecidos entre as flechilhas*
Talvez seus corpos descansem
Nas infinitas campanhas*
Pastoreando na eternidade das coxilhas*.
(Antonio Carlos de Barros)

Apesar das imensas dificuldades encontradas pelos tangedores de tropas e de todo cuidado tomado para que essa tropeada fosse concretizada com o mínimo de perdas, havia uma organização básica para a realização e condução da tropa. Assim se constituíam algumas funções básicas, até rotineiras, para botar uma tropa na estrada:

1 – O Capataz 
Era o indivíduo que tomava as decisões mais importantes. É o primeiro que se levanta para dar as ordens e o último que se deita, para ver se foram cumpridas.  Acima dele só o Patrão mesmo. Era uma pessoa que, nas lides pastoris, é incumbida de chefiar e de contratar os peões para cuidar a tropa, administrar os gastos durante o percurso da viagem, entregar os muares ao proprietário quando já vendidos ou negociar a tropa com compradores quando esta não havia sido ainda negociada.

2 – O Batedor 
Tinha como função de verificar as condições dos caminhos, o estado dos passos, onde o rio dava vau, manter os primeiros contatos com os habitantes dos vilarejos para tratar da forma como passaria a tropa. Era o Batedor também que mantinha contato com autoridades fiscais, apresentando as guias para recolhimento dos impostos devidos. 

3 – O Madrinheiro 
Era a pessoa que cavalgava a égua madrinha, seguindo na frente da tropa, para regular a marcha da mesma. Detalhe era que o Tropeiro de muares não utilizava berrante, era utilizado do cincerro* que ia pendurado por uma tira de couro preso ao pescoço da égua madrinha. 

Bate o cincerro da égua madrinha, vai madrinheiro
Trezentas mulas, léguas e léguas pra percorrer
Mais meio dia tamo no passo do sem entreveiro*
Que o vento é norte e este não nega que vai chover.
(Elson Lemos / Paullo Costa)

4 – O Cozinheiro ou Arranchador 
Era a pessoa responsável pela preparação das refeições. Viajava sempre a frente das tropas, com as mulas domesticadas, encilhadas e preparadas para carregarem as bruacas. Dentro das bruacas eram acondicionados os mantimentos, como: charque, arroz, feijão, banha, sal, açúcar, erva mate, farinha de mandioca, rapadura e às vezes biscoitos caseiros. Esporadicamente alguma caça, ou um gado chimarrão que abatido, dava um grande e saboroso churrasco para a peonada. 

Farinha e charque vão na canoa pra que não molhe
Mulada na água, uma arco de orelhas cruza o (rio) Uruguai
Vamos domando pelo caminho algum que se escolhe
Pois mula mansa vendo picado*, vale bem mais.
(Elson Lemos / Paullo Costa)

5 – O Contador 
Era a pessoa responsável pela contagem da tropa. Essa pessoa era contratada quando se tratava de grandes quantidades de animais. Uma tropa grande necessitava e muito do Contador, pois a contagem muitas vezes era realizada até três vezes ao dia, logo de manhã, antes da saída da tropa, ao meio dia e a tarde antes do pouso. O seu instrumento de trabalho era a Talha* ou também conhecido por Tarca* aqui na fronteira, e dependendo do número de animais, se dava o valor para cada tento. O comum aqui pela Fronteira é que cada tento se equivale a 50 animais. Então cada 50 animais que passavam a sua frente O Contador gritava: TALHA ou TARCA. Se existir sobra, diz-se sobretalha. Exemplificando: 10 Talhas e 8 sobretalhas é equivalente a 508 animais. E quando constatada a falta de animais, aí a tarefa era passada para o Arribador.

6 – Arribador 
Era uma das funções mais respeitadas entre os Tropeiros. A função consistia em procurar e resgatar animais extraviados e devolvendo-os à tropa. Ele se posicionava sempre na culatra da tropa, para se fosse o caso, sair no encalço ou em perseguição do animal. Muitas vezes demorava até uma semana para esse resgate, então era comum o Arribador levar em sua mala de garupa*, um naco de charque, farinha de mandioca para se alimentar. 

Foi certa feita numa arribada fiquei três dias
Atrás de uma mula, flor de matreira que foi-se a grota
Dos campos novos agarrou o rumo direito a casa
Achei pastando pelas barrancas do Rio Pelotas

Pelos caminhos muitas cidades marcam passagem
Das grandes tropas que plantaram lumes nas serranias
Esses Birivas deixam um legado: Raça e coragem
Tropeando sonhos, rumos pra aurora dos nossos dias.
(Elson Lemos / Paullo Costa) 

veja vídeo em: https://www.youtube.com/watch?v=Rd1VECS-8Vs
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GLOSSÁRIO:
- Campanha – Zona de campo, interior do Município, apropriado para criação do gado.
- Cincerro – é uma campainha grande que se pendura ao pescoço da égua madrinha, e cujo som os outros animais se habituam, mantendo-se sempre reunidos. (igual ao sino com badalo).
- Cola – rabo do animal.
- Coxilhas – grandes extensões onduladas de campinas cobertas de pastagem.
- Entreveiro ou Entrevero – mistura, confusão de pessoas ou animais.
- Flechilhas – grama ou capim muito comum, e de superior qualidade para criação de gado. Existentes em várias zonas do Rio Grande do Sul.
- Grota – gruta, vale profundo.
- Lumes – luz, fogo, fogueira.
- Mala de Garupa – também conhecido como alforje, pequeno saco feito de couro ou tecido, com uma abertura longitudinal no centro.
- Matreira – animal arisco, difícil de lidar.
- Picado – vender picado era quando o Tropeiro não conseguia vender a tropa na Feira de Sorocaba, daí para não ter um grande prejuízo, ele vendia por unidades ou em pequenos lotes. Daí surge o ditado: Picando a mula. Quer dizer, ir vendendo em unidades ou pequenos lotes e voltando para a casa.
- Ravinas – sulco formado pelo trabalho erosivo do curso da água.
- Talha ou Tarca – era o instrumento do Contador, feito de couro ou de madeira, utilizado na contagem de animais.
- Tocaia – espera, emboscada.
- Vadeando – atravessar o rio pelas partes mais rasas.
- Vau – lugar raso do rio onde se pode transitar a pé ou a cavalo.

Fonte:
Texto enviado pelo autor 

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