O cinema foi a grande diversão do meu tempo de jovem. Embora a geração atual critique os filmes daquela época, classificando-os de caretas, e dizendo que eles pretendiam mascarar uma realidade totalmente diferente da que mostravam as telas, o cinema distraiu e encantou o pessoal da minha geração com seus musicais atraentes, com seus astros e estrelas famosos e com suas histórias bonitas que não precisavam apelar para a vulgaridade e a pornografia para atrair o público e garantir a frequência.
E já que estamos no terreno das memórias, também tenho as minhas sobre os cinemas de nossa cidade.
Começo pelo Cine Itararé, o mais novo e que resistiu por maior tempo à avalanche que desabou sobre esse tipo de diversão. Lembro-me bem do dia em que dei meu voto para o nome do novo cinema: Cine Caiçara. A sugestão foi de minha amiga Lourdes Mello e eu aderi imediatamente, sempre adorei o Caiçara. Aguardei com vivo interesse o resultado. Venceu a votação o nome "Itararé", não menos querido e que por isso acolhi também com carinho.
Quando ainda em construção, visitei o prédio em companhia de minha amiga Zilá. O Antoninho Colturato, um dos donos, gentilmente mostrou-nos as excelentes instalações quase prontas, e a enorme e bela cortina que ainda não havia sido colocada.
Estive presente à inauguração, com a Zilá. Estávamos ambas encantadas com as músicas que tocavam antes de começar o filme, selecionadas com extremo bom gosto. Encantava-nos também a beleza do ambiente e sentíamos orgulho por contarmos com um cinema tão requintado em nossa cidade. Fui frequentadora assídua dele, tanto quanto do velho e querido São José.
Do Cine São Pedro quase não me lembro. Povoam-me vagamente a lembrança algumas imagens de um filme de Mojica, "O Capitão de Cossacos"; da música desse filme, entretanto, jamais me esqueci: "O amor... o amor é um mistério que não posso compreender..."
Meio nebulosa também é a lembrança de uma tarde de domingo, muito quente e de muita chuva, em que assisti a uma competição de patins no salão desse cinema. Mais uma ou outra matinê, e está completo o fiozinho de minhas recordações do velho São Pedro. Nesse tempo ele pertencia à família Totti.
Foi, porém, o Cine-Teatro São José, do nosso querido amigo Seu Geninho, o que mais marcou minha infância, adolescência e idade adulta. Fora construído entre os anos 15 e 20, imitando o Teatro Scala, de Milão. Com o advento da tela panorâmica e do cinemascope, ele sofreu as alterações necessárias e perdeu muito de suas características anteriores.
Ali participei de peças e atos variados infantis, ensaiados pela professora Dona Aracy de Mello, no meu tempo de grupo escolar. Ali, mais tarde, aos dezesseis anos, cantei uma seleção de valsas de Strauss, acompanhada ao piano por minha amiga Consuelo Ferreira, num festival dirigido por Dona Maria Alencastro Guimarães Corrêa.
Ali assisti a muitas apresentações do grêmio "Os Repentinos", criado pelo velho Seu Peppo, com um elenco de artistas que não pareciam amadores, mas sim autênticos profissionais, tal a naturalidade com que pisavam naquele palco e viviam os seus papéis.
Ali vi inúmeras companhias ambulantes de teatro e vi muitos dos artistas que se destacavam na época.
Houve um espetáculo que sempre vou lembrar com muita emoção. Foi com o casal Maestro Gaya (para nós, itarareenses, o Dudu Gaya; ele era de Itararé) e sua esposa Estelinha Egg. Ambos tinham feito uma turnê pelo país e — folcloristas como eram - haviam produzido uma infinidade de músicas regionais de muita graça e beleza. À certa altura do espetáculo, a luz faltou (isso ocorria com frequência, para transtorno do pessoal envolvido), e como não voltava a acender-se, foram providenciadas velas em profusão para que o show pudesse continuar. E continuou. E Dudu tocava. A Estelinha cantava. Foi lindo demais! Uma das músicas, de caráter místico, ficou ainda mais impressionante à luz
fantasmagórica das velas.
Ao terminar o espetáculo, fui ao palco, cumprimentar o casal, e falei à Estelinha:
"Garanto que se as luzes estivessem acesas, o efeito não teria sido tão arrebatador!" Ela e Dudu concordaram.
Nas tardes de domingo havia matinê dançante no São José. Amontoavam-se algumas fileiras de assentos, fazendo-se espaço para o pessoal rodopiar as valsinhas, os sambas, os foxes e os boleros da época. A música era ao vivo. O próprio Barbozinha abrilhantou muitas dessas domingueiras, com o seu famoso acordeon.
Terminada a dança, antes de se apagarem as luzes, e começar o filme, era divertido ver o pessoal chegando. Um ou outro rapaz que no momento era objeto de nosso interesse aparecia na entrada. Estava completa a festa.
Um domingo, minha irmã Linéa e eu entramos quando a sala já estava escura. Vindo lá de fora, onde um sol radioso deslumbrava, estávamos ambas às cegas, sem poder divisar nem mesmo vagamente as silhuetas das pessoas sentadas. Sem um “lanterninha" para orientar-nos, entramos de cara na primeira fila onde, palpando uma poltrona vaga, eu me sentei. Linéa não teve a mesma sorte. Tropeçou no pé de alguém e também sentou, mas... quase no colo de um espectador.
"Ai, por favor, me desculpe!"
E o rapaz, que era nosso conhecido, mas que no escuro não podíamos identificar:
"Ora, senhorita! Não precisa se desculpar! Foi até um prazer…"
Fonte:
Livro enviado pela autora.
Dorothy Jansson Moretti. Instantâneos. São Paulo: Dialeto, 2012.
Dorothy Jansson Moretti. Instantâneos. São Paulo: Dialeto, 2012.
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