NOITE FRIA EM ALTO MAR
Que vento tão forte!
Que vento tão frio!
Vem das geleiras
Esse sopro do Norte,
Esse vento gelado
Esse vento bravio.
Soturnos, plangentes
Os mastros rouquejam...
Parece um queixume
Esse rangido assim.
E queixa-se em vão
A madeira cativa
Ao ar impassível
Ao ar fugidio.
As velas flambelam
Ansiadas crepitam
Com a força incessante
De um tatalar a fio...
E lá bem em cima,
Que é que se passa?
O vento que se escoa
No cesto da gávea
Inventa e emite
Vozes de assobio.
Estalam as velas...
E marouços tontos
Vêm e se despedaçam
De encontro ao navio.
Vem das geleiras.
Vem de muito longe
Esse vento teimoso,
Esse vento bravio.
Que voz é essa agora,
Que anda chorando?
Que vai e que vem
Com o vento erradio?
Náufragos?... E os mortos?
São eles que choram:
São eles que gemem:
_ Que frio!...ai que frio...
================
OS POENTES DA MINHA TERRA
A Stefan Kujavski
( Stefan, não sei onde te achas atualmente. Mas tenho a esperança de que possas ler estes versos que fiz pensando no teu fino espírito, que tanto aprecia tudo o que de belo nos oferece a Natureza! )
Os poentes da minha terra
São belos,
Tão belos,
Mas tão belos
Como ninguém viu fora daqui.
Uns são roxos . . . outros amarelos . . .
Outros de bronze com pedrinhas de rubi . . .
E os cor de opala, então ?
Lembram a palheta de algum pintor flamengo
As nuanças leves de um pôr-de-sol assim.
E os de seda cor-de-rosa ?
E os poentes de verão ?
Às vezes o poente de verão
É todinho borrado de carmim.
Há os de nuvens frágeis, esgarçadas.
Tocadas de luz desfalecente.
E a essas nuvens leves,
E luz desfalecente,
A gente olha e pensa . . .
Fica pensando que o ocidente sonha
Sonhos de renda, de gaze e nostalgia,
Sonha saudades para magoar a gente.
Patéticos . . . Uma rima de saudade,
Um verso do poema – nostalgia . . .
Tonalidades de exótica poesia,
De poesia apenas pressentida
Através do tempo e através do espaço. . .
Patéticos. Legendários. Quase irreais . . .
Estes poentes às vezes são assim.
Neles canta, e numa voz que ninguém ouve,
Um noturno . . .
Canta inaudível a alma de Chopin.
Sentimentais . . . muito sentimentais,
Estes poentes às vezes são assim.
E às vezes . . ah! são exaltados !
De cariz violento. Rubros ! De tragédia !
Esbraseados . . .
São chamas ! . . .
Vede então – o ocaso pegou fogo !
Há um grande incêndio onde termina o céu.
E logo mais:
Feitos de chumbo, azinhavre e de zarcão,
Com faíscas medrosas de safira.
E nesses dias,
Que colorido onde entra o Sol!
Que cores fortes !
E do contraste agressivo dessas tintas,
Furiosas e terríveis,
O Sol se esquiva: o Sol vai fugindo,
O Sol se escapa como quem delira.
Poentes extravagantes !
Poentes indescritíveis !
Até parece que o céu enloqueceu.
Agora vede:
Negro e de sangue . . . de tragédia, um dia,
E outro dia,
Um pôr-de-sol suave e dolente,
Que a alma da gente veste de cisma,
E que veste de cisma a alma da gente.
Poentes extravagantes !
Poentes indescritíveis !
Sobre a magia desses coloridos
Expressou-se arrebatado certa vez
Um espírito vibrante de estesia.
Era sem saber que o era – um poeta.
Mas falou:
“Nesta terra é assim:
Quando termina o dia,
U’a mão invisível, misteriosa,
Pinta onde acaba o céu,
E com as tintas que quer,
Pinta tudo o que há de emocionante,
Na essência emocionante da poesia.”
Assim expressou-se embevecida, um dia,
Uma alma vibrante de estesia.
E o poente de hoje, não vistes ?
Foi imponente. Foi egrégio.
O rei dos astros quando foi-se embora.
Deixou no céu o lindo manto seu .
Era de púrpura, que eu sei,
Com franjas de ouro, e bordados de ouro,
Mesmo um manto de rei.
Portanto esse presente foi um presente régio.
Afinal Ponta Grossa pode usar,
Como usa, e muitas vezes usa,
Na hora crepuscular,
O ouro e as púrpuras das galas reais.
Porque – quem não sabe da sua nobreza ? –
Ela é princesa.
É soberana.
E os seus domínios ?
É toda a terra dos Campos Gerais.
E por isso ela tem a regalia
De usar a púrpura das galas reais.
Estes ocasos . . .
Cada um tem sua beleza peculiar, eu acho.
Os outros . . . não sei que pensam, nem o que dirão.
Mas para mim o pôr-do-sol mais sugestivo
E emotivo,
É o pôr-do-sol lilás.
Quando faz fundo para uma paisagem campesina,
É de tão grande beleza,
E de tristeza tal,
Que a impressão que causa, não há quem a defina,
Na lomba da coxilha há um pinheiro isolado,
Forte e dorido na sua solidão.
Altivo. Sobranceiro. Algo de audaz . . .
Esse pinheiro sobranceiro,
O vento embate-o. Ele resiste.
Luta com o elemento hostil, ele sozinho,
Deslembrado na verde imensidão
Do campo sem fim.
Na lomba da coxilha há um pinheiro isolado . . .
E por detrás,
Muito atrás
Da curva da coxilha,
O céu a agonizar em cor lilás.
Só lilás ?
Não. Bem pertinho do horizonte,
Há uns fiapinhos de nuvens enxofradas,
Cloróticas. Agoniadas.
Parecem doentes essas nuvens fininhas.
Isto bem pertinho do horizonte.
O mais é só amaranto. É só lilás.
É tarde. É o fim de um dia que não teve sol.
A gente olha isso tudo, e fica olhando.
Fica cismando em tanta coisa . . .
A dor da ausência fica doendo mais.
Um fim de tarde assim,
Como faz sentir !
Como faz pensar !
Faz pensar nas almas incompreendidas,
Esmagadas de incerteza e de pesar,
Essa árvore sozinha, tão sozinha !
E o céu a agonizar clorótico e lilás.
Mais uma nota triste, nesse quadro:
Lá longe há um aterro.
E nesse aterro,
Um cavalo sacoleja um cincerro.
A gente olha ainda:
O dia se desfaz
Doente e lilás
O campo é triste !
O pinheiro é triste !
[ O cincerro é triste ! ]
Meu Deus onde vai parar essa tristeza ?
E essa beleza ?
Ouvi ! Andam soluços soluçando no ar . . .
A gente olha, e tem vontade de chorar.
Minha terra tem cada poente !
É um dom que igual, nenhuma terra tem.
Muitas vezes ao findar do dia,
Na horinha em que vai baixando o Sol
Entre nuvens leves como véu,
É só ver:
Aperta o coração da gente, uma saudade !
Uma saudade diferente . . . não sei como,
Não é saudade de nada desta vida.
É coisa incompreendida
Talvez seja a nostalgia indefinida
Que a gente tem do céu.
Poentes da minha terra !
Quando longe de vós, para vós é a minha saudade. . .
Poentes da minha terra, que fazeis pensar !
Poentes da minha terra, que fazeis sonhar !
Poentes da minha terra, que fazeis chorar !
(Ponta Grossa – Janeiro de 1936.)
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Que vento tão forte!
Que vento tão frio!
Vem das geleiras
Esse sopro do Norte,
Esse vento gelado
Esse vento bravio.
Soturnos, plangentes
Os mastros rouquejam...
Parece um queixume
Esse rangido assim.
E queixa-se em vão
A madeira cativa
Ao ar impassível
Ao ar fugidio.
As velas flambelam
Ansiadas crepitam
Com a força incessante
De um tatalar a fio...
E lá bem em cima,
Que é que se passa?
O vento que se escoa
No cesto da gávea
Inventa e emite
Vozes de assobio.
Estalam as velas...
E marouços tontos
Vêm e se despedaçam
De encontro ao navio.
Vem das geleiras.
Vem de muito longe
Esse vento teimoso,
Esse vento bravio.
Que voz é essa agora,
Que anda chorando?
Que vai e que vem
Com o vento erradio?
Náufragos?... E os mortos?
São eles que choram:
São eles que gemem:
_ Que frio!...ai que frio...
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OS POENTES DA MINHA TERRA
A Stefan Kujavski
( Stefan, não sei onde te achas atualmente. Mas tenho a esperança de que possas ler estes versos que fiz pensando no teu fino espírito, que tanto aprecia tudo o que de belo nos oferece a Natureza! )
Os poentes da minha terra
São belos,
Tão belos,
Mas tão belos
Como ninguém viu fora daqui.
Uns são roxos . . . outros amarelos . . .
Outros de bronze com pedrinhas de rubi . . .
E os cor de opala, então ?
Lembram a palheta de algum pintor flamengo
As nuanças leves de um pôr-de-sol assim.
E os de seda cor-de-rosa ?
E os poentes de verão ?
Às vezes o poente de verão
É todinho borrado de carmim.
Há os de nuvens frágeis, esgarçadas.
Tocadas de luz desfalecente.
E a essas nuvens leves,
E luz desfalecente,
A gente olha e pensa . . .
Fica pensando que o ocidente sonha
Sonhos de renda, de gaze e nostalgia,
Sonha saudades para magoar a gente.
Patéticos . . . Uma rima de saudade,
Um verso do poema – nostalgia . . .
Tonalidades de exótica poesia,
De poesia apenas pressentida
Através do tempo e através do espaço. . .
Patéticos. Legendários. Quase irreais . . .
Estes poentes às vezes são assim.
Neles canta, e numa voz que ninguém ouve,
Um noturno . . .
Canta inaudível a alma de Chopin.
Sentimentais . . . muito sentimentais,
Estes poentes às vezes são assim.
E às vezes . . ah! são exaltados !
De cariz violento. Rubros ! De tragédia !
Esbraseados . . .
São chamas ! . . .
Vede então – o ocaso pegou fogo !
Há um grande incêndio onde termina o céu.
E logo mais:
Feitos de chumbo, azinhavre e de zarcão,
Com faíscas medrosas de safira.
E nesses dias,
Que colorido onde entra o Sol!
Que cores fortes !
E do contraste agressivo dessas tintas,
Furiosas e terríveis,
O Sol se esquiva: o Sol vai fugindo,
O Sol se escapa como quem delira.
Poentes extravagantes !
Poentes indescritíveis !
Até parece que o céu enloqueceu.
Agora vede:
Negro e de sangue . . . de tragédia, um dia,
E outro dia,
Um pôr-de-sol suave e dolente,
Que a alma da gente veste de cisma,
E que veste de cisma a alma da gente.
Poentes extravagantes !
Poentes indescritíveis !
Sobre a magia desses coloridos
Expressou-se arrebatado certa vez
Um espírito vibrante de estesia.
Era sem saber que o era – um poeta.
Mas falou:
“Nesta terra é assim:
Quando termina o dia,
U’a mão invisível, misteriosa,
Pinta onde acaba o céu,
E com as tintas que quer,
Pinta tudo o que há de emocionante,
Na essência emocionante da poesia.”
Assim expressou-se embevecida, um dia,
Uma alma vibrante de estesia.
E o poente de hoje, não vistes ?
Foi imponente. Foi egrégio.
O rei dos astros quando foi-se embora.
Deixou no céu o lindo manto seu .
Era de púrpura, que eu sei,
Com franjas de ouro, e bordados de ouro,
Mesmo um manto de rei.
Portanto esse presente foi um presente régio.
Afinal Ponta Grossa pode usar,
Como usa, e muitas vezes usa,
Na hora crepuscular,
O ouro e as púrpuras das galas reais.
Porque – quem não sabe da sua nobreza ? –
Ela é princesa.
É soberana.
E os seus domínios ?
É toda a terra dos Campos Gerais.
E por isso ela tem a regalia
De usar a púrpura das galas reais.
Estes ocasos . . .
Cada um tem sua beleza peculiar, eu acho.
Os outros . . . não sei que pensam, nem o que dirão.
Mas para mim o pôr-do-sol mais sugestivo
E emotivo,
É o pôr-do-sol lilás.
Quando faz fundo para uma paisagem campesina,
É de tão grande beleza,
E de tristeza tal,
Que a impressão que causa, não há quem a defina,
Na lomba da coxilha há um pinheiro isolado,
Forte e dorido na sua solidão.
Altivo. Sobranceiro. Algo de audaz . . .
Esse pinheiro sobranceiro,
O vento embate-o. Ele resiste.
Luta com o elemento hostil, ele sozinho,
Deslembrado na verde imensidão
Do campo sem fim.
Na lomba da coxilha há um pinheiro isolado . . .
E por detrás,
Muito atrás
Da curva da coxilha,
O céu a agonizar em cor lilás.
Só lilás ?
Não. Bem pertinho do horizonte,
Há uns fiapinhos de nuvens enxofradas,
Cloróticas. Agoniadas.
Parecem doentes essas nuvens fininhas.
Isto bem pertinho do horizonte.
O mais é só amaranto. É só lilás.
É tarde. É o fim de um dia que não teve sol.
A gente olha isso tudo, e fica olhando.
Fica cismando em tanta coisa . . .
A dor da ausência fica doendo mais.
Um fim de tarde assim,
Como faz sentir !
Como faz pensar !
Faz pensar nas almas incompreendidas,
Esmagadas de incerteza e de pesar,
Essa árvore sozinha, tão sozinha !
E o céu a agonizar clorótico e lilás.
Mais uma nota triste, nesse quadro:
Lá longe há um aterro.
E nesse aterro,
Um cavalo sacoleja um cincerro.
A gente olha ainda:
O dia se desfaz
Doente e lilás
O campo é triste !
O pinheiro é triste !
[ O cincerro é triste ! ]
Meu Deus onde vai parar essa tristeza ?
E essa beleza ?
Ouvi ! Andam soluços soluçando no ar . . .
A gente olha, e tem vontade de chorar.
Minha terra tem cada poente !
É um dom que igual, nenhuma terra tem.
Muitas vezes ao findar do dia,
Na horinha em que vai baixando o Sol
Entre nuvens leves como véu,
É só ver:
Aperta o coração da gente, uma saudade !
Uma saudade diferente . . . não sei como,
Não é saudade de nada desta vida.
É coisa incompreendida
Talvez seja a nostalgia indefinida
Que a gente tem do céu.
Poentes da minha terra !
Quando longe de vós, para vós é a minha saudade. . .
Poentes da minha terra, que fazeis pensar !
Poentes da minha terra, que fazeis sonhar !
Poentes da minha terra, que fazeis chorar !
(Ponta Grossa – Janeiro de 1936.)
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Fontes:
– SANTOS, Luisa Cristina dos. SANTOS, Nelson Rodrigues dos. Escritoras Brasileiras do Século XIX (Antologia de Textos Representativos). In BONNICI, Thomas (org.). Anais do XIII Seminário do CELLIP (Centro de Estudos Linguísticos e Literários dos Paraná). Campo Mourão: 21 a 23 outubro de 1999. Maringá: Universidade Estadual de Maringá, 2000. CD-Rom.
– A Mulher na literatura.
– SANTOS, Luisa Cristina dos. SANTOS, Nelson Rodrigues dos. Escritoras Brasileiras do Século XIX (Antologia de Textos Representativos). In BONNICI, Thomas (org.). Anais do XIII Seminário do CELLIP (Centro de Estudos Linguísticos e Literários dos Paraná). Campo Mourão: 21 a 23 outubro de 1999. Maringá: Universidade Estadual de Maringá, 2000. CD-Rom.
– A Mulher na literatura.
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