quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Lino Vitti (Livro de Sonetos)


FLORINDO CORAÇÕES

Veja o belo jardim como anda florescido
tanta roseira em flor sonhando com perfumes!
Um verdadeiro céu de estelíferos lumes
estilhaçado em chão de vidro derretido.

Em flores transformou-se a montanha de estrumes
dado vida ao odor tristonho e ressequido.
Convidados da noite a um banquete subido
são insetos que vêm e luzem vagalumes.

Veja as rosas que estão clamando por olhares,
por sorrisos de quem bem perto delas passa,
por beijos de manhãs e céus crepusculares.

Deixemos repousar a vista generosa
nesse encanto floral da roseira que é graça
fundindo em coração cada botão de rosa.

A MEU PAI

Lado a lado, meu pai, nas andanças da vida,
mãos dadas com carinho e com grandioso amor,
umas vezes a estrada é uma senda florida,
muitas outras, porém tem espinhos e dor.

Em você, caro pai, encontrei nesta lida
mil sonhos a cumprir, de luz um resplendor,
A todos conduziu, com nossa mãe querida,
a um porto bem seguro, a um porto salvador.

Que a idade não lhe seja um peso doloroso,
antes uma alegria, anseio realizado,
uma vitória em meio a este mar proceloso.

Eu lhe desejo, pai, tão extremoso e amado
que o proteja o bom Deus que é grande e poderoso,
que o conserve, feliz, por muito ao nosso lado.

SER MONTANHA

Anseio do infinito, oh! cósmica montanha,
que buscas nesse afã silente, e pétreo, e vão?
Queres talves deter, numa invasão estranha,
esse pálio estelar luzindo em profusão?

Vais abraçar o sol? Impossível façanha!
Beijar, quem sabe,a lua em toques de emoção?
E quando o temporal em chuva e vento banha
o mundo, não te faz bater o coração?

Quando vejo surgir, no horizonte , o teu porte
qual vontade do pó de se elevar à altura
fugindo desta terra onde comanda a morte,

um profundo desejo a erguer-se me acompanha:
quero ser como tu, fugir desta clausura
e não ser nada mais que uma simples montanha.

MINHA ESCOLA

Eu não sou o poeta dos salões
de ondeante, basta e negra cabeleira.
Não me hás de ver, nos olhos, alusões
de vigílias, de dor e de canseiras.

Não trago o pensamento em convulsões,
de candentes imagens, a fogueira.
Não sou o gênio que talvez supões
e nem levo acadêmica bandeira.

Distribuo os meus versos quais moedas
que pouco a pouco na tua alma hospedas,
raras, como as esmolas de quem passa.

Vou porém me sentir feliz um dia
se acaso alguém vier render-me a graça
de o ter feito ricaço de poesia.

TAPERA

Torce o caminho manso e entre pedras percorre
agarrando-se, ansioso, à encosta da colina.
sobe-se um pouco e olhar curioso descortina
a paisagem feral da tapera que morre.

Reina a desolação e a tristeza domina
tudo, restos mortais. A luz do sol socorre
piedosmente, a flux,como um bálsamo, e escorre
sobre a ferida em flor dessa bela ruína.

Tetos a desabar, muros em derrocada,
ascercas pelo chão, porteiras vacilantes,
pompeando os ervaçais na casa abandonada.

Cadáveres, e só, da rica habitação
onde floriu, feliz, o grande senhor d´antes,
dos tempos memoriais da negra escravidão.

AO PASSAR DO VENTO

Quando tremula a fronde ao passar de uma brisa
é um sorriso floral dos galhos verdejantes;
quando às águas do lago um leve sopro alisa,
como a sorrir também, felizes e arquejantes;

quando às flores, sem nome, uma aura que desliza
beija e afaga a sonhar doces sonhos distantes;
quando às nuves no céu azul canta e suaviza
numa glória de sol e brilhos coruscantes;

eu cismo e vejo bem que os harpejos que passam
unidos pelo amor, pelo amor se entrelaçam,
e, alegres, todos vão com modos galhofeiros,

mostrando a nosso olhar, talvez muito cansado,
toda a beleza que há no vento tresloucado,
no sublime correr dos ventos passageiros.

FLOR SEM NOME

É uma flor, nada mais que uma flor que se abre
da carícia solar à glória luminosa.
Rubra, sangrando em luz, balouçando radiosa
- coraçãozinho triste espetado num sabre .

À noite, na penumbra, em suste se entreabre
para do orvalho ter lágrima silenciosa.
E quando o dia vem, vestido de cinabre,
entrega-lhe, a sorrir, a essência vaporosa.

Flor humilde do campo, orfãozinha ajoelhada,
de mãos postas em prece , à beira dos caminhos,
vestidinho vermelho a esmolar, a esmolar...

Ela pede somente, escondida e enjeitada,
o afago de quem passa, um pouco de carinho,
o beijo imaculado e longo do luar.

DERRUBADA ONOMATOPAICA

Atroa o bate-bate retumbante
dos mordentes machados na madeira.
E nessa luta trágica e gigante
rolam troncos em longa choradeira.

Aqui um jequibá soberbo!Adiante
uma velha e frondosa caneleira,
um cedro, uma peroba farfalhante,
toda a legião da flora brasileira.

O machado decepa inexorável,
nada lhe escapa à cólera maldita,
nada o detém na sanha abominável.

E há em cada tombo lástimas soturnas,
e a cada golpe toda a selva grita
pelo eco das quebradas e das furnas.

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