1- Não vamos fazer discriminações, mas reconheçamos que há no amor da mãe portuguesa certas características especiais, a força de um sentimento curtido em infinitas saudades. Povo de navegadores, de emigrantes, de pescadores, de gente que se atira para o mar, em diálogo com os horizontes, sempre longe de casa, como conseqüência de sua própria vocação para a aventura e o exílio, os portugueses, e suas mulheres, em particular, conhecem melhor o drama dos que ficam sós, dos que se alimentam de esperas infindáveis e angustiantes.
Daí o significado deste tema na poesia portuguesa, e na nossa, herdeiros que somos de sua saudade, abrasileirada e mais sofrida, com o componente negro de nossa etnia.
Aqui mesmo, noutra crônica, já transcrevemos alguns dos mais inspirados versos de Belmiro Braga, Constâncio Alves, Hermes Fontes, Mauro Mota e Mário de Andrade, cujo poema “Mãe” é uma das mais belas exaltações do amor materno que conheço. Mas infelizmente, não dispúnhamos, na oportunidade, de um soneto de Martins Fontes, o ensolarado poeta santista, de “Verão”, para que pudéssemos alinha-lo ao lado do poema de Mário de Andrade.
Aproveitamo-nos agora da publicação da excelente antologia “232 Poetas Paulistas”, de Pedro Worms, para que os leitores possam retê-lo conosco:
“Mãe”
Beijo-te a mão que sobre mim se espalma
para me abençoar e proteger,
teu puro amor o coração acalma,
provo a doçura do teu bem querer.
Porque a mão te beijei, a minha palma
olho, analiso, linha alinha, a ver
se em mim descubro um traço da tua alma,
se existe em mim a graça do teu ser.
E o M gravado sobre a mão aberta,
pela tua clareza, me desperta,
um grato enlevo que jamais senti:
quer dizer Mãe, este M tão perfeito,
e com certeza em minha mão foi feito
para, quando eu for bom, pensar em ti.
.
Como vêem, uma beleza. Tenho a impressão de que uma linda canção brasileira, de Ari Barroso, com letra de Luís Peixoto, foi inspirada neste soneto. Lembram-se de: “Maria/ o teu nome principia/ na palma da minha mão”?
2- Há um imperdoável esquecimento nos festejos do Dia das mães. Gostaria que nos lembrássemos, em nossas homenagens, de uma figura quase lendária, já integrada ao nosso folclore: a “mãe preta”. Ficou como um símbolo de abnegação, de carinho, de sacrifícios, de nossa antiga sociedade colonial. Foi a mãe da própria civilização brasileira, que embalou, amamentou e ajudou a criar. Um dos contos que mais se fixaram em meu espírito é aquele de Osvaldo Orico, “O Roubo”, em que relata a história de uma escrava negra, obrigada a amamentar o filho do senhor branco, enquanto o seu ficava a chorar, com fome, na senzala.
Nunca tive “mãe preta”. Mas poderia dizer que conheci uma espécie de “madrinha preta”. No meu tempo de menino, no casarão de meu avô Tinoco, em Botafogo, a mais importante personagem de minha infância foi a Maria cozinheira. Ainda vive, e hoje sua carapinha está algodoada pelo tempo. Na ampla cozinha, era ela que fazia as guloseimas que nos deliciavam; que preparava os siris que eu pescava nas pedras do morro da Viúva, mesmo resmungando pelo trabalho que dava.
Era ela que me escondia atrás da porta, quando corria de minha mãe, para escapar à surra que ameaçava. E foi pensando nela, ou pelo menos, dedicadas a ela, que escrevi estas quadrinhas no meu “Cantiga do Só”:
Mãe Preta... Em versos, cantando,
fiz teu perfil em dois traços:
- és a ternura embalando
o amor, criança, em seus braços.
Partilhando sem protesto
teu leito e teu coração,
unias num mesmo gesto:
o amor... e a abnegação.
Mãe Preta... Que bem nos faz
lembrar teu vulto ainda agora,
Mãe Preta dos nossos pais
mãe das mães brancas de outrora.
Simbolizas a beleza
do mais branco e puro amor...
- Ó Mãe Preta, és, com certeza,
Nossa Senhora de Côr!
Mãe Preta... Um anjo bendito,
velho anjo protetor...
-Irmã de São Benedito,
- Babá de Nosso Senhor.
3- Uma das mais lindas trovas da língua portuguesa, era tida como anônima. Atribuíam-na a autores brasileiros e portugueses, a Catulo da Paixão ou a Antônio Correia de Oliveira. Quem não a sabe de cor?
Eu vi minha mãe rezando
aos pés da Virgem Maria,
era uma Santa escutando
o que outra Santa dizia.
Quando a citei como tal, recebi de Curitiba uma carta de Barreto Coutinho, poeta pernambucano.
Confesso, entretanto, que a dúvida me corroia ainda, até que li o boletim da U.B.T. de fevereiro de 1968 (União Brasileira dos Trovadores). Lá está o clichê da primeira página do jornal ? “A Província” de Recife, de 28 de janeiro de 1912, exemplar pertencente à Biblioteca Nacional, e nele se encontra o poema em 8 quadras, “Mãe”, de Barreto Coutinho. A quinta quadrinha é a trova que se desgarrou, ganhando a popularidade e a glória. Com uma diferença: seu primeiro verso é “Uma vez vi-a rezando”, e não “Eu vi minha mãe rezando”, tal como o conhecemos. Mas compreende-se a pequena modificação feita pelo povo, pois isolando-se a quadrinha, houve a necessidade de que num verso figurasse a palavra “mãe”, para dar-lhe sentido, o que não se torna preciso quando integrada ao poema.
Esclarecido o mistério, pela paciente pesquisa de outro poeta de Pernambuco, Nelson Vaz, ganhou o trovismo brasileiro uma de suas mais preciosas jóias líricas.
4- E peço licença para encerrar esta página de simples notações poéticas sobre o tema do mês, com um soneto em que homenageio aquela que, entre tantas que por acaso passem por nossos caminhos, será sempre: “A Primeira”
Foste o nosso primeiro balbucio
a primeira palavra pronunciada;
o primeiro aconchego, se fez frio,
nosso primeiro passo, pela estrada.
O primeiro conselho ante o desvio
que pudesse levar a uma emboscada
a presença, mais que outras, desejada
nos momentos de dor, ou desvario.
Foste tudo de bom que aconteceu:
- o beijo puro, o gesto carinhoso,
a mão primeira que nos protegeu.
Tudo nos deste: o próprio ser e o nome,
e foi teu seio farto e generoso
que silenciou nossa primeira fome!
Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969
Como vêem, uma beleza. Tenho a impressão de que uma linda canção brasileira, de Ari Barroso, com letra de Luís Peixoto, foi inspirada neste soneto. Lembram-se de: “Maria/ o teu nome principia/ na palma da minha mão”?
2- Há um imperdoável esquecimento nos festejos do Dia das mães. Gostaria que nos lembrássemos, em nossas homenagens, de uma figura quase lendária, já integrada ao nosso folclore: a “mãe preta”. Ficou como um símbolo de abnegação, de carinho, de sacrifícios, de nossa antiga sociedade colonial. Foi a mãe da própria civilização brasileira, que embalou, amamentou e ajudou a criar. Um dos contos que mais se fixaram em meu espírito é aquele de Osvaldo Orico, “O Roubo”, em que relata a história de uma escrava negra, obrigada a amamentar o filho do senhor branco, enquanto o seu ficava a chorar, com fome, na senzala.
Nunca tive “mãe preta”. Mas poderia dizer que conheci uma espécie de “madrinha preta”. No meu tempo de menino, no casarão de meu avô Tinoco, em Botafogo, a mais importante personagem de minha infância foi a Maria cozinheira. Ainda vive, e hoje sua carapinha está algodoada pelo tempo. Na ampla cozinha, era ela que fazia as guloseimas que nos deliciavam; que preparava os siris que eu pescava nas pedras do morro da Viúva, mesmo resmungando pelo trabalho que dava.
Era ela que me escondia atrás da porta, quando corria de minha mãe, para escapar à surra que ameaçava. E foi pensando nela, ou pelo menos, dedicadas a ela, que escrevi estas quadrinhas no meu “Cantiga do Só”:
Mãe Preta... Em versos, cantando,
fiz teu perfil em dois traços:
- és a ternura embalando
o amor, criança, em seus braços.
Partilhando sem protesto
teu leito e teu coração,
unias num mesmo gesto:
o amor... e a abnegação.
Mãe Preta... Que bem nos faz
lembrar teu vulto ainda agora,
Mãe Preta dos nossos pais
mãe das mães brancas de outrora.
Simbolizas a beleza
do mais branco e puro amor...
- Ó Mãe Preta, és, com certeza,
Nossa Senhora de Côr!
Mãe Preta... Um anjo bendito,
velho anjo protetor...
-Irmã de São Benedito,
- Babá de Nosso Senhor.
3- Uma das mais lindas trovas da língua portuguesa, era tida como anônima. Atribuíam-na a autores brasileiros e portugueses, a Catulo da Paixão ou a Antônio Correia de Oliveira. Quem não a sabe de cor?
Eu vi minha mãe rezando
aos pés da Virgem Maria,
era uma Santa escutando
o que outra Santa dizia.
Quando a citei como tal, recebi de Curitiba uma carta de Barreto Coutinho, poeta pernambucano.
Confesso, entretanto, que a dúvida me corroia ainda, até que li o boletim da U.B.T. de fevereiro de 1968 (União Brasileira dos Trovadores). Lá está o clichê da primeira página do jornal ? “A Província” de Recife, de 28 de janeiro de 1912, exemplar pertencente à Biblioteca Nacional, e nele se encontra o poema em 8 quadras, “Mãe”, de Barreto Coutinho. A quinta quadrinha é a trova que se desgarrou, ganhando a popularidade e a glória. Com uma diferença: seu primeiro verso é “Uma vez vi-a rezando”, e não “Eu vi minha mãe rezando”, tal como o conhecemos. Mas compreende-se a pequena modificação feita pelo povo, pois isolando-se a quadrinha, houve a necessidade de que num verso figurasse a palavra “mãe”, para dar-lhe sentido, o que não se torna preciso quando integrada ao poema.
Esclarecido o mistério, pela paciente pesquisa de outro poeta de Pernambuco, Nelson Vaz, ganhou o trovismo brasileiro uma de suas mais preciosas jóias líricas.
4- E peço licença para encerrar esta página de simples notações poéticas sobre o tema do mês, com um soneto em que homenageio aquela que, entre tantas que por acaso passem por nossos caminhos, será sempre: “A Primeira”
Foste o nosso primeiro balbucio
a primeira palavra pronunciada;
o primeiro aconchego, se fez frio,
nosso primeiro passo, pela estrada.
O primeiro conselho ante o desvio
que pudesse levar a uma emboscada
a presença, mais que outras, desejada
nos momentos de dor, ou desvario.
Foste tudo de bom que aconteceu:
- o beijo puro, o gesto carinhoso,
a mão primeira que nos protegeu.
Tudo nos deste: o próprio ser e o nome,
e foi teu seio farto e generoso
que silenciou nossa primeira fome!
Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969
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