Toda mulher quer ser amada, disse a Rita Lee.
Todo homem, também.
Ser amado é fácil. Basta encontrar alguém que não nos conheça a fundo.
Quem escreve quer mais que ser amado: quer ser compreendido.
Quer dizer “A” e ter a ilusão não apenas de que o leitor entenda “A”, mas que “A” signifique para quem lê algo parecido com o que significa para ele, que escreve.
Por isso é que, mais que inspiração e domínio do idioma, o escritor precisa de bons leitores.
Pode parecer uma paulocoelhice, mas o bom leitor é aquele que lê.
A maioria das pessoas não lê. Apenas foi alfabetizada – seja pelo método fonético do Ivo viu a uva ou pela pedagogia do oprimido, na qual é o patrão explorador de Ivo quem vê, vende ou devora a uva, e Ivo fica a ver navios.
O verbo “ler” vem de “legere”, que significava, originalmente, “colher, escolher”, selecionar os melhores frutos no pé, na parreira.
Ivo não só viu a uva. Ao ler a palavra “uva”, Ivo a colheu.
Assim como “cultura”, que era apenas o ato de cultivar plantas (cultura de café, cultura de cana de açúcar) e adquiriu depois o sentido de cultivar o intelecto (cultura artística, cultura geral), o verbo “ler” passou a designar o que se colhe com os olhos, o que se percebe através das letras, das palavras.
De uns tempos para cá, “ler” começou a ser uma colheita seletiva às avessas – não dos melhores frutos, mas dos bichados, bicados, imaturos, apodrecidos. Lê-se o que se quer ler, não o que se quis dizer ou o que está dito. Lê-se por meio de falácias, de silogismos. Nas entrelinhas, nas entreletras, pelo avesso.
Ler deveria ser uma forma de aprender (trazer para junto de si, levar para a memória), não de aprisionar.
Ambos – aprender e aprisionar – vêm do verbo “prehendere” (agarrar, prender), que também (como “ler” e “cultura”) tem origem rural: “prae” (à frente) + “hedera” (hera) = a trepadeira que se agarra às paredes para crescer.
Quem escreve quer ser lido (colhido), compreendido (acolhido) e amado (de “amare”, verbo que gerou amor, amigo, mãe). Talvez porque escrever (do latim “scribere”) seja, lá na sua gênese, o mesmo que cortar, fazer uma incisão.
Ao escrever, o escritor se abre. É preciso ter olhos amorosos (de mãe, de amigo, de amante) para ler (colher) os melhores frutos dessa vinha, dessa ferida.
Ler o que está fora de nós, e que o outro nos trouxe, é compreensão, aprendizado.
Ler no que o outro escreveu o que já trazemos dentro é uma forma de prisão.
Fonte:
Blog do Autor
Todo homem, também.
Ser amado é fácil. Basta encontrar alguém que não nos conheça a fundo.
Quem escreve quer mais que ser amado: quer ser compreendido.
Quer dizer “A” e ter a ilusão não apenas de que o leitor entenda “A”, mas que “A” signifique para quem lê algo parecido com o que significa para ele, que escreve.
Por isso é que, mais que inspiração e domínio do idioma, o escritor precisa de bons leitores.
Pode parecer uma paulocoelhice, mas o bom leitor é aquele que lê.
A maioria das pessoas não lê. Apenas foi alfabetizada – seja pelo método fonético do Ivo viu a uva ou pela pedagogia do oprimido, na qual é o patrão explorador de Ivo quem vê, vende ou devora a uva, e Ivo fica a ver navios.
O verbo “ler” vem de “legere”, que significava, originalmente, “colher, escolher”, selecionar os melhores frutos no pé, na parreira.
Ivo não só viu a uva. Ao ler a palavra “uva”, Ivo a colheu.
Assim como “cultura”, que era apenas o ato de cultivar plantas (cultura de café, cultura de cana de açúcar) e adquiriu depois o sentido de cultivar o intelecto (cultura artística, cultura geral), o verbo “ler” passou a designar o que se colhe com os olhos, o que se percebe através das letras, das palavras.
De uns tempos para cá, “ler” começou a ser uma colheita seletiva às avessas – não dos melhores frutos, mas dos bichados, bicados, imaturos, apodrecidos. Lê-se o que se quer ler, não o que se quis dizer ou o que está dito. Lê-se por meio de falácias, de silogismos. Nas entrelinhas, nas entreletras, pelo avesso.
Ler deveria ser uma forma de aprender (trazer para junto de si, levar para a memória), não de aprisionar.
Ambos – aprender e aprisionar – vêm do verbo “prehendere” (agarrar, prender), que também (como “ler” e “cultura”) tem origem rural: “prae” (à frente) + “hedera” (hera) = a trepadeira que se agarra às paredes para crescer.
Quem escreve quer ser lido (colhido), compreendido (acolhido) e amado (de “amare”, verbo que gerou amor, amigo, mãe). Talvez porque escrever (do latim “scribere”) seja, lá na sua gênese, o mesmo que cortar, fazer uma incisão.
Ao escrever, o escritor se abre. É preciso ter olhos amorosos (de mãe, de amigo, de amante) para ler (colher) os melhores frutos dessa vinha, dessa ferida.
Ler o que está fora de nós, e que o outro nos trouxe, é compreensão, aprendizado.
Ler no que o outro escreveu o que já trazemos dentro é uma forma de prisão.
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