I LOVE MY HUSBAND
Ambiente:
Interior do coração de uma mulher submissa e solitária.
Foco narrativo:
Primeira pessoa.
Personagens:
Marido e mulher.
RESUMO:
“Eu amo meu marido, De manhã à noite. Mal acordo, ofereço-lhe café. Ele suspira exausto da noite sempre mal dormida e começa a barbear-se. Bato-lhe à porta três vezes, antes que o café esfrie. Ele grunhe com raiva e eu vocifero com aflição."
O marido é frio como o café que ele deixa esfriar. Ela lhe arruma o nó da gravata. Ele diz que esse é seu menor problema. Ela ri. Quer que ele saia tranquilo, “capaz de enfrentar a vida lá fora e trazer de volta para a sala de visita um pão sempre quentinho e farto.”
Ela é aclamada por cuidar do marido. Sabe que é a sombra dele. Os objetos “da casa são adquiridos pelo esforço comum”. Ele diz que ela gasta o dinheiro que ele ganha. Ela quer trabalhar, ser produtiva. Ela sente saudade do passado, do tempo em que sua vida não era ditada pelo marido, do tempo em que o marido não era seu dono. Ela sente que não é dona de si mesma. O marido lhe atara as mãos.
Revolta-se. Acaso é mulher apenas pelas unhas longas e coloridas? Já que ele não quer falar de amor, ela diz que talvez possam falar do futuro. Ele põe o jornal de lado. Ela torna a falar no futuro. Anseia por liberdade.
"O marido, com a palavra futuro a boiar- lhe nos olhos e o jornal caldo no chão, pedia-me, o que significa este repúdio a um ninho de amor, segurança, tranquilidade, enfim a nossa maravilhosa paz conjugal?"
"Se contasse com a minha colaboração, dispensaria o sócio em menos de um ano. Senti-me feliz em participar de um ato que nos faria progredirem doze meses. Encarregava-me, eu à distância da sua capacidade de sonhar. Cada sonhado meu marido era mantido por mim: E, por tal direito, eu pagava a vida com cheque que não se poderia contabilizar."
"Ser mulher é perder-se no tempo, foi a regra de minha mãe. Queria dizer, quem mais vence o tempo que a condição feminina? O pai a aplaudia completando, o tempo não é o envelhecimento da mulher, mas sim o seu mistério Jamais revelado ao mundo."
"Já viu, filha, que coisa mais bonita, uma vida nunca revelada, que ninguém colheu senão o marido, o pai dos seus filhos? Os ensinamentos paternos sempre foram graves, ele dava brilho de prata à palavra envelhecimento. Vinha-me a certeza de que ao não se cumprira história da mulher, não lhe sendo permitida a sua própria biografia, era-lhe assegurada em troca a juventude.”
O pai lhe garantira que não envelheceria se vivesse só para o marido. E ela agora se vê numa vida que não quis. Ela se casara na expectativa da novidade do casamento. Na “esperança de que o marido modelaria suas feições até o último dia de vida juntos.”
"Ele é único a trazer-me a vida, ainda que às vezes eu a viva com uma semana de atraso. O que não faz diferença. Levo até vantagens, porque ele sempre a trouxe traduzida. Não preciso Interpretar os fatos, Incorrer em erros, apelar para as palavras inquietantes que terminam por amordaçar a liberdade. As palavras do homem são aquelas de que deverei precisar ao longo da vida. Não tenho que assimilar um vocabulário incompatível com o meu destino, capaz de arruinar meu casamento."
COMENTÁRIO:
O conto quer mostrar o interior de uma mulher com um casamento só de aparências. Ela sofre, culpa-se pelos próprios sentimentos. E se vê incapaz de modificar a situação em que se encontra e com a qual é obrigada a conformar-se.
Narrado em primeira pessoa, trata dos enredos da vida de uma esposa conformada, educada sob o signo de uma cultura moralizadora e patriarcal. Ao longo da narrativa, mesmo depois de pensar em uma ou outra situação que não a agradou, ela afirma, tanto para si mesma, quanto para o leitor “Eu amo meu marido”, e ocupa-se imediatamente da descrição de atividades que possam favorecer sua felicidade ao lado de seu companheiro.
Embora não haja abordagem explicita, através de seus relatos, podemos notar seu posicionamento diante da sociedade e perante seu marido, a personagem é consciente de sua (in)existência. Sua vida se restringiu a ser, tão somente, a sombra do companheiro, em suas palavras “sou a sombra do homem que todos dizem eu amar”.
Logo no início da narrativa, já verificamos os indícios de sua aceitação diante da opressão, bem como de sua conformidade. A narradora, de certo modo, mostra-se satisfeita com fato de permanecer em uma zona de conforto. Como assinala Simone de Beauvoir (1986) ela, como tantas outras mulheres, é uma cúmplice de sua escravização, é apenas um objeto no relacionamento:
“Não posso reclamar. Sou grata pelo esforço que faz em amar-me. Empenho-me em agradá-lo, ainda que sem vontade às vezes. Sinto então a boca seca, seca por um cotidiano que confirma o gosto do pão comido às vésperas, e que me alimentará amanhã também. Um pão que ele e eu comemos há tantos anos sem reclamar, ungidos pelo amor, atados pela cerimônia de um casamento que nos declarou marido e mulher. Ah, sim, eu amo meu marido.”
O excerto acima destaca o processo cíclico do enredo que começa e termina da mesma maneira. A afirmação da dominação masculina, representada pela figura do marido, nasce a partir da negação de sua condição humana, seus desejos e vontades são anulados pela falsa certeza de que as coisas precisam ser assim. Segundo Maria Consuelo Cunha Campos (1992) esta aceitação está relacionada à aceitação da naturalização de papéis, o homem, enquanto provedor, cumpre seu papel de chefe de família, cabendo a mulher, em contrapartida, assumir sua função submissa.
Outra marca que perpassa toda a narrativa é a ironia do discurso da narradora que demonstra estar consciente de opressão à qual é submetida. A certeza de estar no mundo, proporciona um momento de epifania, no qual sua identidade leva-a a enxergar o quanto tem sido subjugada pelo marido.
Ao dar conta da de perda sua identidade, a narradora põe-se a buscá-la. Imersa em seus pensamentos, a memória insiste em visitar os conselhos da mãe, a satisfação do pai ao vê-la recebendo uma educação para o casamento e, como reflexo deste processo, encontrara-se agora diante do comportamento machista do marido. Em “I love my husband” a família é apresentada como a principal incentivadora da dominação masculina.
Dividida entre a dominação e a submissão, podermos afirmar que a personagem de Nélida Piñon é mais um exemplo de mulher em busca de sua identidade: mulher/esposa/mãe. Não obstante, é importante destacar ainda que, ao longo da narrativa ao considerar a função de dominador assumida pelo marido, a narradora passa por três momentos: submissão, epifania e resignação. O conflito entre as duas mulheres, sujeito e objeto, fica evidente nas sobreposições de pensamento, sendo a vitória da mulher-objeto afirmada tanto pela sociedade patriarcal, quanto pelo modelo familiar tradicional.
Fontes:
– As relações de gênero em I love my husband, de Nélida Piñon. Jornal Vetor. 4 nov 2015.
– Profa. Sônia Targa. in OBRAS DA UEM- 2012-2013
Ambiente:
Interior do coração de uma mulher submissa e solitária.
Foco narrativo:
Primeira pessoa.
Personagens:
Marido e mulher.
RESUMO:
“Eu amo meu marido, De manhã à noite. Mal acordo, ofereço-lhe café. Ele suspira exausto da noite sempre mal dormida e começa a barbear-se. Bato-lhe à porta três vezes, antes que o café esfrie. Ele grunhe com raiva e eu vocifero com aflição."
O marido é frio como o café que ele deixa esfriar. Ela lhe arruma o nó da gravata. Ele diz que esse é seu menor problema. Ela ri. Quer que ele saia tranquilo, “capaz de enfrentar a vida lá fora e trazer de volta para a sala de visita um pão sempre quentinho e farto.”
Ela é aclamada por cuidar do marido. Sabe que é a sombra dele. Os objetos “da casa são adquiridos pelo esforço comum”. Ele diz que ela gasta o dinheiro que ele ganha. Ela quer trabalhar, ser produtiva. Ela sente saudade do passado, do tempo em que sua vida não era ditada pelo marido, do tempo em que o marido não era seu dono. Ela sente que não é dona de si mesma. O marido lhe atara as mãos.
Revolta-se. Acaso é mulher apenas pelas unhas longas e coloridas? Já que ele não quer falar de amor, ela diz que talvez possam falar do futuro. Ele põe o jornal de lado. Ela torna a falar no futuro. Anseia por liberdade.
"O marido, com a palavra futuro a boiar- lhe nos olhos e o jornal caldo no chão, pedia-me, o que significa este repúdio a um ninho de amor, segurança, tranquilidade, enfim a nossa maravilhosa paz conjugal?"
"Se contasse com a minha colaboração, dispensaria o sócio em menos de um ano. Senti-me feliz em participar de um ato que nos faria progredirem doze meses. Encarregava-me, eu à distância da sua capacidade de sonhar. Cada sonhado meu marido era mantido por mim: E, por tal direito, eu pagava a vida com cheque que não se poderia contabilizar."
"Ser mulher é perder-se no tempo, foi a regra de minha mãe. Queria dizer, quem mais vence o tempo que a condição feminina? O pai a aplaudia completando, o tempo não é o envelhecimento da mulher, mas sim o seu mistério Jamais revelado ao mundo."
"Já viu, filha, que coisa mais bonita, uma vida nunca revelada, que ninguém colheu senão o marido, o pai dos seus filhos? Os ensinamentos paternos sempre foram graves, ele dava brilho de prata à palavra envelhecimento. Vinha-me a certeza de que ao não se cumprira história da mulher, não lhe sendo permitida a sua própria biografia, era-lhe assegurada em troca a juventude.”
O pai lhe garantira que não envelheceria se vivesse só para o marido. E ela agora se vê numa vida que não quis. Ela se casara na expectativa da novidade do casamento. Na “esperança de que o marido modelaria suas feições até o último dia de vida juntos.”
"Ele é único a trazer-me a vida, ainda que às vezes eu a viva com uma semana de atraso. O que não faz diferença. Levo até vantagens, porque ele sempre a trouxe traduzida. Não preciso Interpretar os fatos, Incorrer em erros, apelar para as palavras inquietantes que terminam por amordaçar a liberdade. As palavras do homem são aquelas de que deverei precisar ao longo da vida. Não tenho que assimilar um vocabulário incompatível com o meu destino, capaz de arruinar meu casamento."
COMENTÁRIO:
O conto quer mostrar o interior de uma mulher com um casamento só de aparências. Ela sofre, culpa-se pelos próprios sentimentos. E se vê incapaz de modificar a situação em que se encontra e com a qual é obrigada a conformar-se.
Narrado em primeira pessoa, trata dos enredos da vida de uma esposa conformada, educada sob o signo de uma cultura moralizadora e patriarcal. Ao longo da narrativa, mesmo depois de pensar em uma ou outra situação que não a agradou, ela afirma, tanto para si mesma, quanto para o leitor “Eu amo meu marido”, e ocupa-se imediatamente da descrição de atividades que possam favorecer sua felicidade ao lado de seu companheiro.
Embora não haja abordagem explicita, através de seus relatos, podemos notar seu posicionamento diante da sociedade e perante seu marido, a personagem é consciente de sua (in)existência. Sua vida se restringiu a ser, tão somente, a sombra do companheiro, em suas palavras “sou a sombra do homem que todos dizem eu amar”.
Logo no início da narrativa, já verificamos os indícios de sua aceitação diante da opressão, bem como de sua conformidade. A narradora, de certo modo, mostra-se satisfeita com fato de permanecer em uma zona de conforto. Como assinala Simone de Beauvoir (1986) ela, como tantas outras mulheres, é uma cúmplice de sua escravização, é apenas um objeto no relacionamento:
“Não posso reclamar. Sou grata pelo esforço que faz em amar-me. Empenho-me em agradá-lo, ainda que sem vontade às vezes. Sinto então a boca seca, seca por um cotidiano que confirma o gosto do pão comido às vésperas, e que me alimentará amanhã também. Um pão que ele e eu comemos há tantos anos sem reclamar, ungidos pelo amor, atados pela cerimônia de um casamento que nos declarou marido e mulher. Ah, sim, eu amo meu marido.”
O excerto acima destaca o processo cíclico do enredo que começa e termina da mesma maneira. A afirmação da dominação masculina, representada pela figura do marido, nasce a partir da negação de sua condição humana, seus desejos e vontades são anulados pela falsa certeza de que as coisas precisam ser assim. Segundo Maria Consuelo Cunha Campos (1992) esta aceitação está relacionada à aceitação da naturalização de papéis, o homem, enquanto provedor, cumpre seu papel de chefe de família, cabendo a mulher, em contrapartida, assumir sua função submissa.
Outra marca que perpassa toda a narrativa é a ironia do discurso da narradora que demonstra estar consciente de opressão à qual é submetida. A certeza de estar no mundo, proporciona um momento de epifania, no qual sua identidade leva-a a enxergar o quanto tem sido subjugada pelo marido.
Ao dar conta da de perda sua identidade, a narradora põe-se a buscá-la. Imersa em seus pensamentos, a memória insiste em visitar os conselhos da mãe, a satisfação do pai ao vê-la recebendo uma educação para o casamento e, como reflexo deste processo, encontrara-se agora diante do comportamento machista do marido. Em “I love my husband” a família é apresentada como a principal incentivadora da dominação masculina.
Dividida entre a dominação e a submissão, podermos afirmar que a personagem de Nélida Piñon é mais um exemplo de mulher em busca de sua identidade: mulher/esposa/mãe. Não obstante, é importante destacar ainda que, ao longo da narrativa ao considerar a função de dominador assumida pelo marido, a narradora passa por três momentos: submissão, epifania e resignação. O conflito entre as duas mulheres, sujeito e objeto, fica evidente nas sobreposições de pensamento, sendo a vitória da mulher-objeto afirmada tanto pela sociedade patriarcal, quanto pelo modelo familiar tradicional.
Fontes:
– As relações de gênero em I love my husband, de Nélida Piñon. Jornal Vetor. 4 nov 2015.
– Profa. Sônia Targa. in OBRAS DA UEM- 2012-2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário