A RUA DOS CATAVENTOS
VII
Avozinha Garoa vai contando
Suas lindas histórias, à lareira.
"Era uma vez... Um dia... Eis senão quando..."
Até parece que a cidade inteira
Sob a garoa adormeceu sonhando...
Nisto, um rumor de rodas em carreira...
Clarins, ao longe... (É o Rei que anda buscando
O pezinho da Gata Borralheira!)
Cerro os olhos, a tarde cai, macia...
Aberto em meio, o livro inda não lido
Inutilmente sobre os joelhos pousa...
E a chuva um'outra história principia,
Para embalar meu coração dorido
Que está pensando, sempre, em outra cousa...
* * * * * * * * * * * * * * * *
VIII
Para Dyonélio Machado
Recordo ainda... E nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...
Mas veio um vento de desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...
Estrada fora após segui... Mas, ai,
Embora idade e senso eu aparente,
Não vos iluda o velho que aqui vai:
Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino.., acreditai...
Que envelheceu, um dia, de repente!...
* * * * * * * * * * * * * * * *
IX
Para Emilio Kemp
A mesma ruazinha sossegada,
Com as velhas rondas e as canções de outrora...
E os meus lindos pregões da madrugada
Passam cantando ruazinha em fora!
Mas parece que a luz está cansada...
E, não sei como, tudo tem, agora,
Essa tonalidade amarelada
Dos cartazes que o tempo descora...
Sim, desses cartazes ante os quais
Nós às vezes paramos, indecisos...
Mas para quê?... Se não adiantam mais!...
Pobres cartazes por aí afora
Que inda anunciam: - ALEGRIA - RISOS
Depois do circo já ter ido embora!...
* * * * * * * * * * * * * * * *
X
Eu faço versos como os saltimbancos
Desconjuntam os ossos doloridos.
A entrada é livre para os conhecidos...
Sentai, amadas, nos primeiros bancos!
Vão começar as convulsões e arrancos
Sobre os velhos tapetes estendidos...
Olhai o coração que entre gemidos
Giro na ponta dos meus dedos brancos!
"Meu Deus! Mas tu não mudas o programa!"
Protesta a clara voz das Bem-Amadas.
"Que tédio!" o coro dos Amigos clama.
"Mas que vos dar de novo e de imprevisto?"
Digo... e retorço as pobres mãos cansadas:
"Eu sei chorar... Eu sei sofrer... Só isto!"
* * * * * * * * * * * * * * * *
XI
Contigo fiz, ainda em menininho,
Todo o meu curso d'alma... E desde cedo
Aprendi a sofrer devagarinho,
A guardar meu amor como um segredo...
Nas minhas chagas vinhas por o dedo
E eu era o Triste, o Doído, o Pobrezinho!
Amava, à noite, as luas de bruxedo,
Chamava o por-do-sol de meu padrinho...
Anto querido, esse teu livro "Só"
Encheu de luar a minha infância triste.
E ninguém mais há de ficar tão só:
Sofreste a nossa dor, como Jesus...
E nesta Costa d'África surgiste
Para ajudar-nos a levar a Cruz!...
* * * * * * * * * * * * * * * *
XII
Tudo tão vago... Sei que havia um rio...
Um choro aflito... Alguém cantou, no entanto...
E ao monótono embalo do acalanto
O choro pouco a pouco se extinguiu...
O menino dormira... Mas o canto
Natural como as águas prosseguiu...
E ia purificando como um rio
Meu coração que enegrecera tanto...
E era a voz que eu ouvi em pequenino...
E era Maria, junto à correnteza,
Lavando as roupas de Jesus Menino...
Eras tu... que, ao me ver neste abandono,
Daí do Céu cantavas com certeza
Para embalar inda uma vez meu sono!…
Fonte:
Mário Quintana. A Rua dos Cataventos. Publicado em 1940.
VII
Avozinha Garoa vai contando
Suas lindas histórias, à lareira.
"Era uma vez... Um dia... Eis senão quando..."
Até parece que a cidade inteira
Sob a garoa adormeceu sonhando...
Nisto, um rumor de rodas em carreira...
Clarins, ao longe... (É o Rei que anda buscando
O pezinho da Gata Borralheira!)
Cerro os olhos, a tarde cai, macia...
Aberto em meio, o livro inda não lido
Inutilmente sobre os joelhos pousa...
E a chuva um'outra história principia,
Para embalar meu coração dorido
Que está pensando, sempre, em outra cousa...
* * * * * * * * * * * * * * * *
VIII
Para Dyonélio Machado
Recordo ainda... E nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...
Mas veio um vento de desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...
Estrada fora após segui... Mas, ai,
Embora idade e senso eu aparente,
Não vos iluda o velho que aqui vai:
Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino.., acreditai...
Que envelheceu, um dia, de repente!...
* * * * * * * * * * * * * * * *
IX
Para Emilio Kemp
A mesma ruazinha sossegada,
Com as velhas rondas e as canções de outrora...
E os meus lindos pregões da madrugada
Passam cantando ruazinha em fora!
Mas parece que a luz está cansada...
E, não sei como, tudo tem, agora,
Essa tonalidade amarelada
Dos cartazes que o tempo descora...
Sim, desses cartazes ante os quais
Nós às vezes paramos, indecisos...
Mas para quê?... Se não adiantam mais!...
Pobres cartazes por aí afora
Que inda anunciam: - ALEGRIA - RISOS
Depois do circo já ter ido embora!...
* * * * * * * * * * * * * * * *
X
Eu faço versos como os saltimbancos
Desconjuntam os ossos doloridos.
A entrada é livre para os conhecidos...
Sentai, amadas, nos primeiros bancos!
Vão começar as convulsões e arrancos
Sobre os velhos tapetes estendidos...
Olhai o coração que entre gemidos
Giro na ponta dos meus dedos brancos!
"Meu Deus! Mas tu não mudas o programa!"
Protesta a clara voz das Bem-Amadas.
"Que tédio!" o coro dos Amigos clama.
"Mas que vos dar de novo e de imprevisto?"
Digo... e retorço as pobres mãos cansadas:
"Eu sei chorar... Eu sei sofrer... Só isto!"
* * * * * * * * * * * * * * * *
XI
Contigo fiz, ainda em menininho,
Todo o meu curso d'alma... E desde cedo
Aprendi a sofrer devagarinho,
A guardar meu amor como um segredo...
Nas minhas chagas vinhas por o dedo
E eu era o Triste, o Doído, o Pobrezinho!
Amava, à noite, as luas de bruxedo,
Chamava o por-do-sol de meu padrinho...
Anto querido, esse teu livro "Só"
Encheu de luar a minha infância triste.
E ninguém mais há de ficar tão só:
Sofreste a nossa dor, como Jesus...
E nesta Costa d'África surgiste
Para ajudar-nos a levar a Cruz!...
* * * * * * * * * * * * * * * *
XII
Tudo tão vago... Sei que havia um rio...
Um choro aflito... Alguém cantou, no entanto...
E ao monótono embalo do acalanto
O choro pouco a pouco se extinguiu...
O menino dormira... Mas o canto
Natural como as águas prosseguiu...
E ia purificando como um rio
Meu coração que enegrecera tanto...
E era a voz que eu ouvi em pequenino...
E era Maria, junto à correnteza,
Lavando as roupas de Jesus Menino...
Eras tu... que, ao me ver neste abandono,
Daí do Céu cantavas com certeza
Para embalar inda uma vez meu sono!…
Fonte:
Mário Quintana. A Rua dos Cataventos. Publicado em 1940.
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