Há duas situações sociais capazes de inspirar terror: a situação do noivo e a de representante da família de um defunto, logo depois da missa de sétimo dia. Um noivo, só por si, já é uma figura vagamente ridícula, pela maneira por que é pretendente: solicitando “a mão da noiva” por intermédio de terceiros; fazendo-lhe uma primeira visita, toda cheia de timidez e comoção, fiscalizado pelos pais ou pelos irmãos pequenos durante o tempo em que ele está na sala, no jardim, ou no alpendre com a prometida. Junte-se a esta carga de ridículo íntimo a sobrecarga das pompas mundanas de um casamento entre nós, e teremos a medida mais ou menos exata do constrangimento moral de um noivo, se ele é homem de sensibilidade. Eu não sei realmente como um homem não estoura de vexame, quando se mete com a noiva num landau enfeitado de flores de laranjeira e puxado por parelhas de cavalões brutais, de patas pintadas de branco e cheios de guizos e chocalhos e xiquexiques que fazem barulho de feira e recordam os palhaços que, no interior, saem à rua anunciando espetáculo no circo equestre. Casos desses justificam o suicídio...
Outra situação desesperadora é a de pessoas que convidam os amigos para ouvirem missa de sétimo dia por alma dos mortos queridos. Quer aqui no Rio, quer no interior, manda a etiqueta que, depois da missa, todos os convidados se aproximem das “pessoas da família” e as abracem. Começa, então, para cavalheiros e senhoras da família do defunto, um suplício de que não cogitou a Inquisição; abrir mecanicamente os braços, receber entre eles quem quer que se aproxime, apertar um pouco essa pessoa e dar-lhe nas costas as três palmadinhas do estilo, murmurando: “Muito obrigado”! Está bem visto que esses abraços nada significam de parte a parte, quanto à sinceridade; porque, em consciência, é impossível que quinhentas pessoas, sete dias depois da morte de um cidadão, de quem não são parentes, ainda estejam comovidas...
De maneira que essa etiqueta inquisitorial e ridícula só produz um efeito: ajuntar um tormento físico ao suplício moral da família. Eis por que compreendi perfeitamente a atitude de certa família de boa sociedade, que, convidando, há tempos, as suas relações para uma missa de sétimo dia, declarou nos convites que dispensava o abraço do costume; bastando que cada um dos assistentes deixasse o seu nome num livro adrede colocado à porta da igreja. Eis o que devia ser geralmente adotado; uma vez que o abraço é apenas a prova de que F. fez ato de presença, substitua-se o abraço pela assinatura num livro. Lucra a família, que se livra de uma tortura, e lucram os assistentes, que, depois de assinarem o nome no tal Registro de Pêsames, podem fugir tranquilamente à maçada de uma missa fúnebre.... Podemos ficar certos de uma coisa: é que, se se invertessem os papéis, quero dizer, se fôssemos nós que estivéssemos na cova, e se o defunto, que aliás não seria defunto, fosse à nossa missa de sétimo dia, faria o mesmo, isto é, assinava o nome na lista e fugia pela porta da sacristia...
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Antônio dos Santos Torres cursou Seminário, ordenando-se padre em 1908. Em 1911, depois de atritos provocados por artigos que escreveu, colocando-se contra a catequese de índios por sacerdotes estrangeiros, abandona a batina. Passa, então, a colaborar ativamente na imprensa carioca (O País, Correio da Manhã, Gazeta de Notícias, Revista ABC e A Notícia) e paulista (A Gazeta), tornando-se um dos mais veementes polemistas da imprensa brasileira. Também atuou na carreira diplomática, servindo como cônsul em Londres, Berlim e Hamburgo.
Como polemista, seus alvos principais eram a colônia portuguesa, o jornalista Paulo Barreto, o poeta Hermes Fontes, entre outros. Em As razões da Inconfidência (1925), descreveu o quadro da exploração a que os portugueses submeteram o Brasil. Apesar de não ter participado do Modernismo, contribuiu para desmoralizar os parnasianos e passadistas. Segundo Alfredo Bosi, "foi temperamento virulento e polêmico, de fundo moralista, no mais amplo sentido da palavra: daí sua prosa de historiador e de cronista, que persegue, no fato diário, as contradições e fragilidades da sociedade carioca da época". Seus livros de maior sucesso foram: Verdades indiscretas (1920), Pasquinadas cariocas (1921), Prós e contras (1922), As razões da Inconfidência (1925), etc.
Fontes:
Antônio Torres. Uma antologia. RJ: Topbooks, 2002.
Uol Educação (biografia)
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