quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Manuel Bandeira (Antologia Poética) 7


MINHA GRANDE TERNURA


Minha grande ternura
Pelos passarinhos mortos;
Pelas pequeninas aranhas.

Minha grande ternura
Pelas mulheres que foram meninas bonitas
E ficaram mulheres feias;
Pelas mulheres que foram desejáveis
E deixaram de o ser.
Pelas mulheres que me amaram
E que eu não pude amar.

Minha grande ternura
Pelos poemas que
Não consegui realizar.

Minha grande ternura
Pelas amadas que
Envelheceram sem maldade.

Minha grande ternura
Pelas gotas de orvalho que
São o único enfeite de um túmulo.
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NATAL SEM SINOS

No pátio a noite é sem silêncio.
E que é a noite sem o silêncio?
A noite é sem silêncio e no entanto onde os sinos
Do meu Natal sem sinos?

Ali meninos sinos
De quando eu menino!

Sinos da Boa Vista e de Santo Antônio.
Sinos do Poço, do Monteiro e da igrejinha de Boa Viagem.

Outros sinos
Sinos
Quantos sinos!

No noturno pátio
Sem silêncio, o sinos
De quando eu menino.
Bimbalhai meninos,
Pelos sinos (sinos
Que não ouço), os sinos de
Santa Luzia.
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NATAL

Penso em Natal. No teu Natal. Para a bondade
A minh’alma se volta. Uma grande saudade
Cresce em todo o meu ser magoado pela ausência.
Tudo é saudade... A voz dos sinos... A cadência
Do rio... E esta saudade é boa como um sonho!
E esta saudade é um sonho... Evoco-te... Componho
O ambiente cuja luz os teus cabelos douram.
Figuro os olhos teus, tristes como eles foram
No momento final de nossa despedida...
O teu busto pendeu como um lírio sem vida,
E tu sonhas, na paz divina do Natal...
Ó minha amiga, aceita a carícia filial
De minh’alma a teus pés humilhada de rastos.
Seca o pranto feliz sobre os meus olhos castos...
Ampara a minha fronte, e que a minha ternura
Se torne insexual, mais do que humana - pura
Como aquela fervente e benfazeja luz
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NEOLOGISMO

Beijo pouco, falo menos ainda.
Mas invento palavras
que traduzem a ternura mais funda
E mais quotidiana.
inventei, por exemplo, o verbo teadorar.
Intransitivo
Teadoro, Teodora.
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NOITE MORTA

Noite morta.
Junto ao poste de iluminação
Os sapos engolem mosquitos.
Ninguém passa na estrada.
Nem um bêbado.
No entanto há seguramente por ela uma procissão de sombras
Sobras de todos os que passaram.
Os que ainda vivem e os que já morreram.
O córrego chora.
A voz da noite...
(Não desta noite, mas de outra maior.)
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NOVA POÉTICA

Vou lançar a teoria do poeta sórdido
Poeta sórdido:
Vai um sujeito,
Sai um sujeito de casa com a roupa de brim
muito bem engomada,
e na primeira esquina passa um caminhão,
salpica-lhe o paletó de uma nódoa de lama:
É a vida.
O poeta deve ser como a nódoa no brim:
Fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero.
Sei que a poesia é também orvalho.
Mas este fica para as menininhas,
as estrelas alfas,
as virgens cem por cento
e as amadas que envelheceram sem maldade.
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O ANEL DE VIDRO

Aquele pequenino anel que tu me deste,
- Ai de mim - era vidro e logo se quebrou
Assim também o eterno amor que prometeste,
- Eterno! era bem pouco e cedo se acabou.

Frágil penhor que foi do amor que me tiveste,
Símbolo da afeição que o tempo aniquilou, -
Aquele pequenino anel que tu me deste,
- Ai de mim - era vidro e logo se quebrou

Não me turbou, porém, o despeito que investe
Gritando maldições contra aquilo que amou.
De ti conservo no peito a saudade celeste
Como também guardei o pó que me ficou
Daquele pequenino anel que tu me deste.

Fonte:
Manuel Bandeira. Poesia Completa e Prosa. 1967.

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