quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Estante de Livros (O Calor das Coisas, de Nélida Piñon) – 13. Conto – O Revólver da Paixão

Foco Narrativo

Narrado em 1ª pessoa.
Uso constante do modo imperativo.
 
Espaço
A alma de uma mulher, com sentimentos apaixonados e contraditórios.

Personagens
Narradora – mulher apaixonada e o homem que a deixou. Personagem relata em uma carta seu amor doentio – dominadora. Ela lhe pede que volte e reconhece que não é capaz de controlar seu ciúme.

O conto trata de uma carta em que uma mulher comunica seus sentimentos, ora ameaçadores, ora ternos, contraditórios sempre. Desculpa-se, faz exigências para de novo desculpar-se, de novo exigir. Ela se comunica através da dor que sente de ter sido preterida, de ter perdido aquele a quem ainda ama e sem o qual julga não poder viver.

Conforme o sociólogo italiano Francesco Alberoni (1986), “o enamoramento é um processo no qual a outra pessoa, aquela que encontramos e que nos correspondeu, se nos impõe como o objeto pleno do desejo”, e é esse processo que ocorre com a protagonista do conto “O revólver da paixão”, que é obcecada pelo homem que a abandona. Ainda conforme Alberoni, “a relação de enamoramento é um processo, um achar e perder. A pessoa amada é, ao mesmo tempo, constante e precária, única e diversa, ser empírico e ser ideal”.

De acordo com Roland Barthes (2003), a carta de amor é ao mesmo tempo vazia (codificada) e expressiva (carregada da vontade de significar o desejo). Esse “conto-carta”, que se encaixa nessa descrição de Barthes, começa da seguinte forma: “Eu sei que errei, mas não me deixe agora. Eu protestei contra o que me parecia sua culpa”.

Percebe-se, que ela está ressentida e não aceita o término do relacionamento, não aceita que o homem viva longe de sua presença, de seu amor. Para pedir perdão e se queixar, ela se reporta diretamente ao sujeito amado – talvez por isso a escolha, por parte de Nélida, do gênero carta, que permite a genuína expressão em primeira pessoa, a expressão da voz do sujeito enamorado, que nesse caso é a mulher.

Ao afirmar que se perdeu nas palavras que o homem lhe disse, a narradora também atribui a ele a responsabilidade por seu estado: ela não apenas se enamorou, sozinha, mas foi conquistada; e por isso o amado é, para a mulher, covarde e culpável, por despertar seu amor e abandoná-la. Nesse conto, no qual o amor cortês também se deixa entrever, é a mulher quem assume o papel de vassalo no relacionamento: é quem se submete ao objeto amado, quem está sedenta de (mais) dependência . Assim, a narradora-personagem de “O revólver da paixão” sente medo de perder o homem a quem ama. Isso seria, para ela, a morte:

“A verdade é que a tua perda me ameaça. A tua perda é uma sentença de morte. Morte que não suporto, não permito. Teu dever é amar-me, é continuar na minha cama, na minha vida, na minha memória. Na memória que projeta teus mil retratos tirados ao longo da vida que nos atou com cordas e arame”.

Os sentimentos da protagonista em relação ao amado são, como podemos perceber, paradoxais, tendo em vista que ela o ama ao mesmo tempo em que o odeia e sente raiva dele, deseja sua morte ao mesmo tempo em que tem medo de perder seu amor, além de afirmar que não quer vê-lo, enquanto anseia por sua presença. Esses sentimentos paradoxais são próprios do desejo e do sentimento amorosos, que nos impelem a idealizar o outro e a querê-lo mais que tudo, mesmo sabendo que ele é humano e falho, como nós. Por mais que nos decepcionemos com o ser amado, o amor e o prazer de amar nos levam a ansiar por ele, a perdoar e esquecer os erros e ofensas cometidas contra nós, contanto que essa pessoa esteja disposta a continuar conosco e retribuir o que sentimos por ela. Por isso a narradora pede que o homem volte:

Ah, amado, volte depressa, antes que outras cartas te persigam, e fique a vida difícil para nós

Logo, perto ou longe do ser amado, o sujeito amoroso nunca está completamente satisfeito ou pleno. Ainda assim, a narradora-personagem continua a pedir o retorno do homem:

Volte, porque te espero. E se voltares, que fiques sempre comigo. Não prometo comportar-me a ponto de que vivas o amor com suavidade. [...] Amanhã te escreverei, de novo capitulo ante o meu amor.

Ela admite, então, que cede, transige ante seu amor, pois não tem forças para lutar contra esse sentimento. Como esse amor é mais forte do que ela, não há nada que possa fazer para apagá-lo ou mitigá-lo, por isso a narradora-personagem para de escrever, para que possa apenas sentir o amor, em toda a sua intensidade. Talvez o que ela ame, de fato, não seja o homem, mas o sentimento que ele causa nela, que faz com que se sinta viva, uma vez que o amor pode ser também uma expressão da vida, um modo de sentir e estar no mundo.

Fontes:
– Profa. Sônia Targa. in OBRAS DA UEM- 2012-2013
– Joyce Glenda Barros Amorim. Amor, Poder e Violência em Contos de Nélida Piñon. Dissertação de Mestrado. 88 p. Belo Horizonte:UFMG, 2015. (excertos)

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