quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Marcelo Spalding (Dicas de Escrita) A ambientação em textos históricos


Textos históricos, ficcionais ou não, são dos mais procurados pelos leitores, afinal a História com “H” maiúsculo nos oferece algumas das mais interessantes histórias de amor, poder, traição, ódio. Julio Cesar, Cleópatra, Arthur, Napoleão, Joana D’Arc, reis, papas e lendas são personagens extremamente ricos e conhecidos do público leitor, convertendo-se em personagens muito produtivos para a literatura contemporânea.

Entretanto, quem se aventura a escrever um texto histórico deve ter alguns cuidados com o enredo e a ambientação, pelo bem da verossimilhança. O curioso é que em relação ao enredo alguns artistas fazem o que se chama metaficção historiográfica, combinando de modo irreal os fatos da história e por vezes inclusive modificando-os (Jô Soares, Tarantino). Se isso no começo espantou os leitores e espectadores, hoje é considerado característica da cultura pós-moderna.

Mesmo nesses casos, porém, é fundamental que a ambientação seja verossímil. Por mais que o artista esteja recriando os fatos da segunda guerra, por exemplo (como Tarantino em Bastardos Inglórios), não pode de uma hora para outra aparecer alguém com um telefone celular, ou alguém ouvindo Lady Gaga, ou alguém comentando sobre Barack Obama, ou alguém de minissaia.

Nesse sentido, para escrever um texto histórico procure se informar sobre a cultura da época que seu texto quer retratar: os costumes, a moda, o turismo, a gastronomia. Mas procure se informar com textos e documentos da época, não a partir de textos de outros escritores sobre a época, pois sempre que um autor contemporâneo resgata o passado, ele o faz com o olhar contemporâneo.

Claro que alguns se esforçam para tornar a ambientação mais realistas, outros não se preocupam nada com isso (como os blockbusters históricos de Hollywood, em que as mulheres têm cabelos bem cortados, sobrancelhas aparadas e axilas depiladas), mas a verdade é que é impossível dissociarmos totalmente o tempo que vivemos, seus valores, seu passado, seus aprendizados, do tempo representado.

Lembre-se, por fim, de que a língua também é parte da cultura e também se modifica com o tempo. O próprio vocabulário das personagens precisa ser adequado à época: tenha cuidado com gírias, regionalismos ou construções comuns hoje, mas não utilizadas na época de ambientação do texto.

Textos históricos contemporâneos e textos históricos clássicos A literatura tem uma tradição milenar, então podemos ler textos escritos em épocas históricas, como as revoluções francesas, a formação das nações, das repúblicas, etc. Esses textos são clássicos de Balzac, Stendhal, Walter Scott, Goethe, Machado, e são excelentes fontes de aprendizado para quem deseja reconstruir determinada cultura de época.

Mais comuns, porém, são textos escritos em uma época e que retomam épocas anteriores. Eça de Queirós, por exemplo, escreveu o ótimo Ilustre Casa de Ramires, sobre a formação de Portugal, voltando aos anos 1100. Embora seja um texto antigo (escrito nos anos 1800), ele não é autêntico na representação do passado.
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Fonte:
Texto enviado por Marcelo Spalding.

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