A encantadora Palmirinha Camargo havia concluído o seu curso de datilografia na Escola Remington, quando, uma tarde, participou, contente, a Dona Brasília:
- Sabe, mamãe, arranjei um emprego excelente. O ordenado é de trezentos mil réis!
A bondosa senhora deixou a costura, endireitou os óculos, e, chamando a filha para perto de si, ordenou:
- Senta aí. E onde é esse emprego?
A moça, risonha e inocente, explicou:
- É no escritório do Dr. Alexandre.
- E quem é esse Dr. Alexandre? É aquele que esteve, outro dia, no baile da Violeta?
Palmirinha confirmou, ingênua, e Dona Brasília, tomando-lhe as, mãos, retorquiu, sensata:
- Queres que te fale com franqueza, minha filha? Esse emprego não te convém.
A menina fixou com os seus grandes olhos claros e puros a doçura do rosto materno, e a boa senhora continuou:
- Tu és uma jovem inexperiente, um anjo que não conhece os espinhos do mundo. O Dr. Alexandre é um moço esperto, um homem habituado a lidar com as fraquezas alheias. Se se tratasse de um escritório grande, de uma casa em que trabalhassem outras moças ou outros advogados, eu não teria receio; mas, assim, com ele e tu, sozinhos, no escritório, o meu coração não poderia ficar descansado.
- Oh, mamãe! - estranhou a moça, corando. - A senhora não tem confiança em mim?
Dona Brasília compreendeu a ofensa que fizera àquele pedaço do seu coração, e, para não insistir, atalhou:
- Tenho, minha filha, tenho toda a confiança em ti.
E concordou, beijando-a nos olhos:
- Está bem, vai. Amanhã, podes ir para o teu novo emprego.
A moça pulou, contente, beijando sofregamente a testa, a cabeça, a face, a boca e os olhos maternos, e, à noite, ia recolher-se, quando D. Brasília chamou:
- Palmira?
- Senhora! - acudiu a, mocinha.
Bondosa e grave, a digna senhora pediu:
- Traze daí a gaiola do teu canário.
A moça foi à copa, e voltou com a gaiola, onde um canarinho dormia, sossegado, muito encolhido, muito amarelo.
D. Brasília abriu a portinhola daquele carcerezinho de ouro, e, indo à cozinha, voltou com o gato na mão.
- Para que é isso, mamãe? - indagou a moça, espantada.
Para meter na gaiola, com o canário.
- Oh, mamãe! - gemeu a mocinha, horrorizada.
- Que mal faz? - indagou D. Brasília, sorrindo significativamente para a filha. Tu não tens confiança no teu canário?
Palmirinha compreendeu o alcance da lição, e atirou-se nos braços maternos, prometendo, entre soluços:
- Eu não irei, minha mãezinha; deixe estar, eu não irei!
E não foi. No dia seguinte, contrariando as esperanças do gato, o canário amanheceu feliz e simples, cantando na sua gaiola…
Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. 1925.
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