sábado, 16 de janeiro de 2021

Estante de Livros (O Calor das Coisas, de Nélida Piñon) – 8. Conto – O Sorvete é um Palácio

O SORVETE É UM PALÁCIO


Ambiente:
Praia de Copacabana e apartamento, no Rio de Janeiro.

Foco narrativo:
Primeira pessoa.

Personagens:
Uma mulher: Solteira, solitária, de certa idade.
Sorveteiro: Dono de pequena fábrica de sorvetes que vende na Praia de Copacabana.

O texto fala de um encontro entre uma mulher de certa idade, solitária, solteira, com um sorveteiro. Ela quer encontrar alguém que a ame; ele quer encontrar um sócio para a sua fábrica de sorvetes. Apesar da idade, ela ainda se sente profundamente ligada ao pai de quem se recorda muitas vezes e de quem busca a aprovação para o que faz. Ela convida o sorveteiro para um lanche. Precisa de alguém para suprir-lhe as carências de companhia e de amor. Ele não se desliga da esposa e dos filhos. Ele vai embora. Ela vai continuar à espera.

O sorvete é um palácio, é escrito sob a forma de depoimento uma mulher, rica, narra as vicissitudes em torno de um caso que mantém com um homem pobre, sorveteiro, casado e pai de três filhos. A mulher narradora também não é nova (“Esquecida do espelho a proclamar que a carne não é mais um sortilégio para as mulheres de minha idade”.), e encontra o amor onde menos esperava, na figura de um homem simples, sem beleza física, casado e, além de tudo, pertencente a outra classe social. Por estranho que pareça, esse homem diferente é que lhe devolve alegria, que contribui para a construção de si mesma, de sua identidade por inteiro.

"Ao seu lado, não sinto medo. A própria vida fortaleceu-me desde que o vi pela primeira vez nesta manhã."

Começaram a conversar e ele lhe pediu para que fossem sócios em seu negócio de vender sorvetes na praia. O estranho do pedido é o que garante a percepção de um poderia completar o outro, de se formar um todo. A narradora revela não ter vida própria, assistia a novelas como meio de projetar na vida alheia aquilo que não era. Assim, ao ver-se diante de uma situação estranha, com um homem com vida alheia a sua, distante física, social e culturalmente, isso poderia completá-la, a despeito de ele ser casado. (“Viver será transferir para o outro o que é nosso por direito.”)

"Deus sabe que não quero falsas aflições, mas um homem capaz de interpretar meus sentimentos, serei acaso a última flor do Lácio?"

A “última flor do Lácio” é uma referência a um poema de Olavo Bilac, intitulado “Língua portuguesa”, em que fala ser o português o último idioma surgido do latim, falado na região do Lácio, que deu origem ao Império Romano. Não parece haver uma relação imediata. A rigor, o que a narradora quis expressar é que ela poderia ser a última mulher a encontrar o homem perfeito e ideal para ela. Poderia ter dito também que era seria “a última dos moicanos”, por alusão ao famoso romance de James Fenimore.

Um momento significativo é que ele vai até a casa dela e se senta na poltrona que pertencera ao pai e ela na poltrona em que ficava a mãe. Por analogia, é como se cada qual estivesse ocupando os papéis, sonhados, de marido e mulher.

A questão a que sempre retorna é o da identidade (“Serei eu mesma o tempo todo?”). Como construir algo para o qual é preciso primeiro destruir? Destruir a antiga identidade dele, seu casamento, abandonar sua vida no outro lado da cidade?

Essa ideia de construção/destruição está metaforizada no fato de o homem ser sorveteiro, de fabricar para vender um produto que se perdia com facilidade, que, diante do calor, desaparecia.

"Eu respeitava aquele arquiteto a erguer um mundo frágil pela força da sua vontade. A lidar com formas que o calor desfazia."

Por este motivo, o sorveteiro tem sempre de retornar à sua casa, à sua fábrica, entre idas e vindas e, com isto, o amor entre ele e a narradora não se totaliza nunca.

Após ouvir a história de Colombo, Rubem volta a narrar sua história com Alice, sua ex-mulher. Aos poucos, percebeu que Alice representava, mais do que amor, relacionamento de um casal, apenas a aventura, os passeios. Não se via completo efetivamente por ela. Foi um amor sem ciúmes, não fazia sofrer. Os outros podiam desejá-la, aplaudi-la ao seu lado.

"Não queria um amor solitário, ou que lhe faltassem amigos com quem dividi-la."

Esse conto lembra As cartas portuguesas, escritas por Sóror Mariana Alcoforado (1640-1723), de um convento localizado Beja, dirigidas a um oficial francês, chamado DeChamilly, que lhe prometera amor eterno e que a iria tirar do convento para se casarem. No entanto, a promessa não se cumpre.

Foram cinco curtas cartas de amor, em que se percebe um amor incondicional e exacerbado. O tom das cartas vai do sentimento de esperança à desilusão, por não receber notícias e correspondência equivalente.

Nélida Piñon é uma autora pós-moderna, no sentido de tematizar questões modernas, como o feminismo, o respeito às diferenças, a construção de nova identidades, a reconstrução de identidades perdidas.

Fontes:
– Celso Leopoldo Pagnan. Resenhas dos livros de leitura obrigatória da UEL 2017/2018. Londrina: Maxi, 2016.
– Profa. Sônia Targa. in OBRAS DA UEM- 2012-2013

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