Eram os anos 1950, Maringá uma cidade nascendo. Mário, solteiro, português recém-chegado da pátria, morava em hotel, comia em restaurantes, nenhum parente no Brasil.
Naquela véspera de Natal, saiu às ruas pensando em como passar o tempo. A missa do galo seria às 20h. Mário acompanhou os passantes, foi rezar também. Terminada a celebração, a cidade esvaziou-se, as famílias recolhidas para o aconchego em torno da ceia.
Rodou à procura de um lugar onde pudesse afogar a tristeza numa taça de vinho, num jarro de chope. Nenhum restaurante aberto, sequer um botequim. Em ocasiões assim a dor do imigrante solitário é terrível. Mário recordava as festas de Natal em sua aldeia. A árvore enfeitada. A troca de presentes. O presépio. A grande mesa reunindo pais, avós, irmãos, vizinhos. Menestréis gorjeando nas esquinas. Sinos alegres saudando a vinda de Jesus.
Caminhando pelas ruas poeirentas, ele ouvia a felicidade que brotava de dentro das casas. O hotel só dava dormida, não servia refeições, e estava sem hóspedes naquele Natal. Mário não tinha nem mesmo uma namorada aqui, só pensava na noivinha que deixara à sua espera na Europa. Tinha alguns conhecidos na cidade, porém não queria incomodá-los: estariam reunidos em família, alguns teriam viajado. Retornando ao hotel, trancou-se no quarto, chorou. Tão fortes os soluços, que a proprietária ouviu, bateu à porta: “O que houve, meu jovem? Está sentindo alguma coisa? Quer que lhe chame um médico?”
Ora, médico! Não existe injeção para saudade. A dona do hotel logo compreendeu, trouxe um copo d’água, emprestou o ouvido ao moço para que ele desabafasse. Ao percebê-lo mais calmo, convidou: “Você vai cear conosco. Estamos em casa somente eu, meu marido e um filho; gostaríamos muito de ter a sua companhia”.
Vieram-lhe à lembrança histórias que seus pais contavam. A angústia de Maria e José hospedados numa estrebaria para o Menino nascer. Aquelas palavras do Mestre: “Fui estrangeiro e você me acolheu”. Ele ali sentindo fundo o drama do imigrante solitário, e ao mesmo tempo conhecendo a graça de encontrar amigos numa terra tão distante da sua. A mesa farta, a família feliz, as orações. Ele jamais agradecera a Deus com tamanha emoção.
Tudo isso borbulhava forte no coração de Mário. Trabalhou muito, fez seu pé-de-meia, mandou vir da pátria os irmãos, foi lá, voltou casado, nunca mais passou um Natal sozinho. Ficou, porém, a marca. Pensou nas crianças abandonadas. Como seria o Natal dos órfãos? Como se sentiriam os meninos sem lar?
Aquela simpática dona de hotel talvez jamais viesse a saber que Mário, ao longo da vida, retribuiria a generosidade dela diminuindo as aflições de centenas de crianças pobres. Fez do amparo a elas uma razão de existir. Tanto quanto estivesse a seu alcance, não deixaria ninguém chorar de solidão como chorou ele naquele sofrido Natal em Maringá.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 17-12-2020)
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