domingo, 23 de fevereiro de 2020

Elisa Alderani (O Seminarista)


Hoje também levantei cedo... Mas um pouquinho mais tarde do que o de costume. Hoje não vou à Igreja. Hoje é sábado. Outra rotina me espera. Os mesmos rituais, café, orações, arrumação da casa com um olho no relógio. As horas do sábado voam mais depressa, não descobri ainda o porquê.

Arrumo-me e, rua. Vou à feira... Como de costume. Porque é sábado.

Nem vejo a rua, até chegar lá. Estaciono, sempre acho um lugarzinho ajeitado para não deixar o carro muito longe, Quando comento com as amigas que sempre acho uma vaga, elas morrem de inveja. Mas o que posso fazer, eu assumo, tenho sorte mesmo.

Ando entre as bancas rapidamente. Já sei o que devo comprar para mim e para minha vizinha idosa. Dirijo-me diretamente à banca da Japonesinha, nunca perguntei o nome dela, eu sempre gosto de enlaçar novas amizades e procuro sempre saber o nome das pessoas com as quais me relaciono.

Meu olhar corre rapidamente pelas verduras, pelas bandejinhas já prontas de legumes. Já todos picadinhos, que beleza de cores; pepinos, berinjelas, cenouras,tudo colocado com harmonia, bem chamativo para um preparo rápido, um convite para uma alimentação bem saudável.

Escolho rapidamente. Sou rápida nas decisões, não me atrapalho com devaneios Inúteis. A Japonesinha me entrega as sacolas que ponho no braço esquerdo; agora com um peso a mais caminho lentamente, observando as bancas, a pessoa que quase sempre são as mesmas que encontro nos sábados anteriores, de modo especial se for à mesma hora. Todas com a mesma rotina dos sábados...

Daí começam os papos, mais ou menos compridos, isso depende da minha pressa.

Hoje o olhar cai na banca do pastel, digamos pastelão. Frito na hora e a fumaça do óleo se espalha junto com os cheiros convidando para degustar a especialidade numero um da feira. Quem gosta de fritura não sai da feira sem comer um ou dois, é sagrado.

Mas.,. É ele, sim, é o seminarista... Sentado atrás da banca. Olho de novo, custa-me para reconhecê-lo. Bem diferente de quando está lá no altar, de batina, fazendo as leituras e as orações dos fiéis. Com olhar sério e comportado. Tenho certeza, é ele.

Falo comigo mesma: "O seminarista comendo pastel de feira? E, por quê não, ele também come..." Naquele instante os olhos dele se encontram com os meus... Um olhar estranho, curioso, igual ao meu.

Tenho quase certeza que naquele momento ele também pensou: "Olha, é ela, é aquela mulher que vejo quase todos os dias cedo, no terceiro banco na Igreja".

Considerando estes acontecimentos a vida vai caminhando e a gente nem percebe as formas repetitivas com que construímos nossa pequena existência.

Fonte:
Elisa Alderani. Flores do meu jardim – Fiori del mio giardino. Edição bilingue. Ribeirão Preto/SP: Legis Summa, 2008.

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