terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Luiz Poeta (O Menino que Lia Olhos)



- Você pode parar de piscar, por favor ?

- Como ?

- Estou lendo seus olhos.

- Lendo meus olhos ? – Espantou-se.

- Só um instantinho... há uma frase que diz que você está triste.

- Triste ? Eu ? ...como sabe ?

- Pelo brilho.

- Brilho ?

- Sim, um brilho úmido.

- Úmido ?

- É. Você estava querendo chorar.

- Ora, seu...como é seu nome ?

- Não importa. Sou apenas um menino.

- Quantos anos você tem, menino ?

- Dez. Vou fazer onze amanhã.

- Você é muito novo.

- E o seu nome ? Como é ?

- Ué... você não sabe ler olhos ? ...deveria saber o meu nome.

- ...não cheguei a esse estágio ainda. É todo um processo visual, mas eu sou meio míope.

- Ora, mas você vê os olhos de perto. O míope não enxerga é de longe.

- É verdade, mas mesmo assim, não enxergo muito bem também de perto.

- Pois devia enxergar. Como descobriu que estou triste ?

- É uma história muito longa. Mas... como é o seu nome ?

- Marta.

- Puxa, quase que eu acerto.

- Como ?

- Até que eu tinha visto o M, mas acho que você foi esperta e não quis pensar com os olhos. Ficou meio embaçado. Eu ia até arriscar Maria. Acho que você piscou quando eu ia ler o resto.

- Você é muito espertinho. Como soube que eu ia chorar ?

- Tá vendo ? Você ia chorar. Eu acertei.

- Você é muito esperto mesmo. Mas não me respondeu. Como soube que eu ia chorar ?

- É fácil. Na verdade o livro engloba também os lábios.

- Que livro ?

- O livro da vida reflete-se nos olhos.

- Então...

- Então ele estava aberto no capítulo da página do choro.

- Está ficando interessante a nossa conversa. E o que os lábios têm a ver com isso ?

- É que quando você vai chorar, os lábios fazem a diferença porque você aprisiona o sorriso e a lágrima é comprimida. É como se você espremesse uma toalha molhada e as gotas caíssem.

- Interessante...mas porque você resolveu ler logo os meus olhos, com tanta gente nesta lanchonete ?

- Ué, porque você olhou para mim.

- E... quem ensinou isto para você?  Foi sua mãe, seu pai...ou alguma cigana dessas que andam por aí ?

- Ninguém me ensinou. Eu sou autodidata.

- Além do mais, você tem um bom vocabulário.

- É... eu leio muito.

- Eu sabia.

- Mas, voltando ao assunto: Vai me dizer que você não ia chorar ?

- Claro, isto é... bem...

- Tá vendo ?Você ia chorar.

- Está bem, ia. E daí ?

- Nada. Acho bom eu parar a leitura. Viu ? Agora você vai sorrir.

- Você está me sugestionando.

- Não disse ? Você sorriu !

Já sei – pensou – ele deve querer algum dinheiro. Afinal, chegou aqui do nada e puxou assunto.

- Espere aí um pouquinho.

Marta virou-se para a bolsa, revirou-a, pegou a carteira, examinou as cédulas, retirou dela dois reais e...

- Ué ? Cadê o garoto ?

Olhou cuidadosamente em volta e não viu mais o menino.

- Que coisa...

Dentro dos seus olhos, a toalha secava ao sol de um novo dia e não havia lágrimas para serem espremidas.

Ela agora sorria inefável e nebulosamente para o espelho dos olhos especialíssimos de um menino sem nome...sem casta... e sem endereço.
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(Primeiro Lugar no concurso de contos da União Brasileira de Escritores – Rio de Janeiro - Concurso interno)

Fonte:
Recanto das Letras do escritor

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