- Você pode parar de piscar, por favor ?
- Como ?
- Estou lendo seus olhos.
- Lendo meus olhos ? – Espantou-se.
- Só um instantinho... há uma frase que diz que você está triste.
- Triste ? Eu ? ...como sabe ?
- Pelo brilho.
- Brilho ?
- Sim, um brilho úmido.
- Úmido ?
- É. Você estava querendo chorar.
- Ora, seu...como é seu nome ?
- Não importa. Sou apenas um menino.
- Quantos anos você tem, menino ?
- Dez. Vou fazer onze amanhã.
- Você é muito novo.
- E o seu nome ? Como é ?
- Ué... você não sabe ler olhos ? ...deveria saber o meu nome.
- ...não cheguei a esse estágio ainda. É todo um processo visual, mas eu sou meio míope.
- Ora, mas você vê os olhos de perto. O míope não enxerga é de longe.
- É verdade, mas mesmo assim, não enxergo muito bem também de perto.
- Pois devia enxergar. Como descobriu que estou triste ?
- É uma história muito longa. Mas... como é o seu nome ?
- Marta.
- Puxa, quase que eu acerto.
- Como ?
- Até que eu tinha visto o M, mas acho que você foi esperta e não quis pensar com os olhos. Ficou meio embaçado. Eu ia até arriscar Maria. Acho que você piscou quando eu ia ler o resto.
- Você é muito espertinho. Como soube que eu ia chorar ?
- Tá vendo ? Você ia chorar. Eu acertei.
- Você é muito esperto mesmo. Mas não me respondeu. Como soube que eu ia chorar ?
- É fácil. Na verdade o livro engloba também os lábios.
- Que livro ?
- O livro da vida reflete-se nos olhos.
- Então...
- Então ele estava aberto no capítulo da página do choro.
- Está ficando interessante a nossa conversa. E o que os lábios têm a ver com isso ?
- É que quando você vai chorar, os lábios fazem a diferença porque você aprisiona o sorriso e a lágrima é comprimida. É como se você espremesse uma toalha molhada e as gotas caíssem.
- Interessante...mas porque você resolveu ler logo os meus olhos, com tanta gente nesta lanchonete ?
- Ué, porque você olhou para mim.
- E... quem ensinou isto para você? Foi sua mãe, seu pai...ou alguma cigana dessas que andam por aí ?
- Ninguém me ensinou. Eu sou autodidata.
- Além do mais, você tem um bom vocabulário.
- É... eu leio muito.
- Eu sabia.
- Mas, voltando ao assunto: Vai me dizer que você não ia chorar ?
- Claro, isto é... bem...
- Tá vendo ?Você ia chorar.
- Está bem, ia. E daí ?
- Nada. Acho bom eu parar a leitura. Viu ? Agora você vai sorrir.
- Você está me sugestionando.
- Não disse ? Você sorriu !
Já sei – pensou – ele deve querer algum dinheiro. Afinal, chegou aqui do nada e puxou assunto.
- Espere aí um pouquinho.
Marta virou-se para a bolsa, revirou-a, pegou a carteira, examinou as cédulas, retirou dela dois reais e...
- Ué ? Cadê o garoto ?
Olhou cuidadosamente em volta e não viu mais o menino.
- Que coisa...
Dentro dos seus olhos, a toalha secava ao sol de um novo dia e não havia lágrimas para serem espremidas.
Ela agora sorria inefável e nebulosamente para o espelho dos olhos especialíssimos de um menino sem nome...sem casta... e sem endereço.
___________________
(Primeiro Lugar no concurso de contos da União Brasileira de Escritores – Rio de Janeiro - Concurso interno)
Fonte:
Recanto das Letras do escritor
Nenhum comentário:
Postar um comentário