A CONCHA
Depois de tanto inverno, a que gelado oceano
foste, quem saberá, ó concha nacarada?
Das correntes do mar ao poder soberano,
no abismo verde andaste sempre abandonada?
Um leito agora tens sobre a areia dourada,
sob o infinito céu, longe do horror insano;
mas, esperança vã, geme desesperada
em ti, da voz do mar, o misterioso arcano.
Minha alma se tornou uma prisão sonora:
como no seio teu ainda suspira e chora
ecoando sem cessar todo o antigo clamor,
assim no coração, que por ela palpita,
como a voz que há em ti, surda, lenta, infinita,
ruge em mim tempestuoso o longínquo rumor.
(Tradução de Luís Franco)
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A FEITICEIRA
Em toda parte, até nos altares sagrados,
vejo-a que por mim chama e alvos braços me lança.
Pai venerável! Mãe que me embalou criança!
De uma execrável raça expio hoje os pecados?!
O Eumólpide* não quis na sede de vingança
os mantos sacudir ao solo, ensanguentados.
E eu fujo, sem querer, exausto, os pés cansados;
e dos sagrados cães o rude uivar me alcança.
Aonde vá, sinto, aspiro, a mim mesmo odioso,
o sinistro feitiço, o encanto tenebroso
com que, dos Deuses ainda, a cólera me esmaga,
pois puseram-lhe os céus, como supremo encanto,
esses olhos de sombra e essa boca que embriaga,
armando contra mim seus beijos e seu pranto.
(Tradução de Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça)
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* Eumólpide ou hierofante = é o termo usado para designar os sacerdotes da alta hierarquia dos mistérios da Grécia e do Egito. É o sacerdote supremo, que pode ser chamado também de Sumo Sacerdote.
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A FLAUTA
A tarde já chegou. Revoam pombos no ar.
Não dá nenhum encanto à paixão amorosa,
cabreiro! a gaita com que estás a acompanhar
a água que, entre juncais, desliza sonorosa.
Deste plátano à sombra, onde viemos deitar
a relva é mais macia. Amigo, a cabra ociosa
surda a seu cabritinho a fim de o desmamar,
deixa que aos morros trepe e aos brotos busque, ansiosa.
A minha flauta de sete hastes de cicuta
feita, unidas a cera aguda, ou grave, escuta!
Ou chore, ou gema, ou cante, é sempre ao meu sabor.
Vem conosco aprender a arte do deus Sileno!*
Deste sagrado tubo irão pelo ar sereno
como aladas canções, teus suspiros de amor!
(Tradução de Freitas Guimarães)
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A FLAUTA
A tarde já chegou. Revoam pombos no ar.
Não dá nenhum encanto à paixão amorosa,
cabreiro! a gaita com que estás a acompanhar
a água que, entre juncais, desliza sonorosa.
Deste plátano à sombra, onde viemos deitar
a relva é mais macia. Amigo, a cabra ociosa
surda a seu cabritinho a fim de o desmamar,
deixa que aos morros trepe e aos brotos busque, ansiosa.
A minha flauta de sete hastes de cicuta
feita, unidas a cera aguda, ou grave, escuta!
Ou chore, ou gema, ou cante, é sempre ao meu sabor.
Vem conosco aprender a arte do deus Sileno!*
Deste sagrado tubo irão pelo ar sereno
como aladas canções, teus suspiros de amor!
(Tradução de Freitas Guimarães)
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* Deus frígio, companheiro de Dionísio. Atribuíram-lhe a invenção da flauta.
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O BANHO DAS NINFAS
N'um canto da floresta escura e densa
por sobre a fonte curva-se um loureiro.
Nua, à ramada a Oréade suspensa sobre
a água dependura o corpo inteiro.
Ao banho, as ninfas; rápido e ligeiro!
E ei-las, as manchas de brancura intensa
dos corpos nus, levípedes; e o cheiro
que nuvem de ouro do cabelo incensa! . . .
Lançam-se a nado as deusas em peleja
mas súbito, rompendo os negros flancos
do bosque, o olhar de um Sátiro flameja. . .
E, nuas, elas trepam-se aos barrancos...
Tal à vista de um corvo que fareja
debanda a multidão dos cisnes brancos!
(Tradução de João Ribeiro)
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O ESCRAVO
Escravo sujo e nu, sem teto, esfomeado,
no meu corpo há sinais flagrantes do que digo.
Livre, ao fundo nasci do belo golfo antigo,
onde reflete o Hibla o píncaro azulado.
Deixei meu lar feliz, eu! Se fores amigo,
ao mel de Siracusa e ao ninho embalsamado
pelo bando vernal de cisnes transportado,
procura essa que traz meu coração consigo.
De novo os olhos seus verei, de azul tão puro,
sorrindo ao sol natal que neles se reflete
sob o arco triunfal do supercílio escuro.
Ai, tem piedade, parte; e à meiga Cleariste
que vivo a ver, só para a ver, repete;
hás de saber quem é, porque está sempre triste.
(Tradução de Melo Leitão)
SEGUINDO PETRARCA
Saíeis de uma igreja e, num gesto apiedado
as vossas nobres mãos abriram-se à pobreza;
à sombra do portal vossa clara beleza
mostrava o ouro dos céus ao mendigo extasiado!
E quando, humilde como um cortesão curvado,
eu vos saudei com toda a graça e gentileza,
puxastes a mantilha aos olhos, com presteza,
desviando-vos de mim, com ar de desagrado.
Mas, Amor, que domina o peito mais altivo,
- menos terna que linda - ah! não quis que uma graça
me não desse a piedade, um doce lenitivo! -
porque fostes tão lenta o véu baixando, oh bela!
Que entre os cílios passou um clarão como passa
dentre a folhagem negra o raio de uma estrela!
(Tradução de Álvaro Reis)
****************************************
O grande sonetista de “Les Trophées” livro que lhe abriu as portas da Academia Francesa, nasceu em Cuba, descendendo de sangue francês, em 22 de novembro de 1842, e morreu em 2 de outubro de 1905 na França, no castelo de Bourdonné. Viveu desde os 8 anos na França. Fez parte do grupo dos “parnasianos” sob a chefia de Leconte de Lisle. Seus sonetos, obra de puro artesanato, verdadeiros medalhões, mereceram de François Coppée, a designação de “a legenda dos séculos em sonetos”, parafraseando Victor Hugo.
É talvez dos poetas franceses, ao lado de Hugo e Baudelaire, um dos mais traduzidos.
Fonte:
J. G. de Araujo Jorge. Os Mais Belos Sonetos Que O Amor Inspirou. Poesia Universal. Européia e Americana. Vol. III. Ed. Theor, 1970.
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O BANHO DAS NINFAS
N'um canto da floresta escura e densa
por sobre a fonte curva-se um loureiro.
Nua, à ramada a Oréade suspensa sobre
a água dependura o corpo inteiro.
Ao banho, as ninfas; rápido e ligeiro!
E ei-las, as manchas de brancura intensa
dos corpos nus, levípedes; e o cheiro
que nuvem de ouro do cabelo incensa! . . .
Lançam-se a nado as deusas em peleja
mas súbito, rompendo os negros flancos
do bosque, o olhar de um Sátiro flameja. . .
E, nuas, elas trepam-se aos barrancos...
Tal à vista de um corvo que fareja
debanda a multidão dos cisnes brancos!
(Tradução de João Ribeiro)
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O ESCRAVO
Escravo sujo e nu, sem teto, esfomeado,
no meu corpo há sinais flagrantes do que digo.
Livre, ao fundo nasci do belo golfo antigo,
onde reflete o Hibla o píncaro azulado.
Deixei meu lar feliz, eu! Se fores amigo,
ao mel de Siracusa e ao ninho embalsamado
pelo bando vernal de cisnes transportado,
procura essa que traz meu coração consigo.
De novo os olhos seus verei, de azul tão puro,
sorrindo ao sol natal que neles se reflete
sob o arco triunfal do supercílio escuro.
Ai, tem piedade, parte; e à meiga Cleariste
que vivo a ver, só para a ver, repete;
hás de saber quem é, porque está sempre triste.
(Tradução de Melo Leitão)
SEGUINDO PETRARCA
Saíeis de uma igreja e, num gesto apiedado
as vossas nobres mãos abriram-se à pobreza;
à sombra do portal vossa clara beleza
mostrava o ouro dos céus ao mendigo extasiado!
E quando, humilde como um cortesão curvado,
eu vos saudei com toda a graça e gentileza,
puxastes a mantilha aos olhos, com presteza,
desviando-vos de mim, com ar de desagrado.
Mas, Amor, que domina o peito mais altivo,
- menos terna que linda - ah! não quis que uma graça
me não desse a piedade, um doce lenitivo! -
porque fostes tão lenta o véu baixando, oh bela!
Que entre os cílios passou um clarão como passa
dentre a folhagem negra o raio de uma estrela!
(Tradução de Álvaro Reis)
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O grande sonetista de “Les Trophées” livro que lhe abriu as portas da Academia Francesa, nasceu em Cuba, descendendo de sangue francês, em 22 de novembro de 1842, e morreu em 2 de outubro de 1905 na França, no castelo de Bourdonné. Viveu desde os 8 anos na França. Fez parte do grupo dos “parnasianos” sob a chefia de Leconte de Lisle. Seus sonetos, obra de puro artesanato, verdadeiros medalhões, mereceram de François Coppée, a designação de “a legenda dos séculos em sonetos”, parafraseando Victor Hugo.
É talvez dos poetas franceses, ao lado de Hugo e Baudelaire, um dos mais traduzidos.
Fonte:
J. G. de Araujo Jorge. Os Mais Belos Sonetos Que O Amor Inspirou. Poesia Universal. Européia e Americana. Vol. III. Ed. Theor, 1970.
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