sábado, 15 de fevereiro de 2020

Monteiro Lobato (A Menina do Leite)


Laurinha, no seu vestido novo de pintas vermelhas, chinelos de bezerro, treque, treque, treque, lá ia para o mercado com uma lata de leite à cabeça – o primeiro leite da sua vaquinha mocha. Ia contente da vida, rindo-se e falando sozinha.

– Vendo o leite – dizia – e compro uma dúzia de ovos. Choco os ovos e antes de um mês já tenho uma dúzia de pintos. Morrem... dois, que seja, e crescem dez – cinco frangas e cinco frangos. Vendo os frangos e crio as frangas, que crescem, viram ótimas chocadeiras de duzentos ovos por ano cada uma. Cinco mil ovos! Choco tudo e lá me vêm quinhentos galos e mais outro tanto de galinhas. Vendo os galos. A 2 cruzeiros cada um – 2 vezes 5, 10... 1.000 cruzeiros!... Posso então comprar doze porcas de cria e mais uma cabrita. As porcas dão-me, cada uma, seis leitões. Seis vezes 12...

Estava a menina neste ponto quando tropeçou, perdeu o equilíbrio e, com lata e tudo, caiu um grande tombo no chão.

Pobre Laurinha!

Ergueu-se chorosa, com um ardor do joelho esfolado; e enquanto sacudia as roupas sujas de pó viu sumir-se, embebido pela terra seca, o primeiro leite da sua vaquinha mocha e com ele os doze ovos, as cinco chocadeiras, os quinhentos galos, as doze porcas de cria, a cabritinha – todos os belos sonhos da sua ardente imaginação...
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Emília bateu palmas.

– Viva! Viva a Laurinha!... No nosso passeio ao País das Fábulas tivemos ocasião de ver essa história formar-se – mas o fim foi diferente. Laurinha estava esperta e não derrubou o pote de leite, porque não carregava o leite em pote nenhum, e sim numa lata de metal bem fechada. Lembra-se, Narizinho?

A menina lembrava-se.

– Sim – disse ela. – Lembro-me muito bem. A Laurinha não derramou o leite e deixou a fábula errada. O certo é como vovó acaba de contar.

– Está claro, minha filha – concordou Dona Benta. – É preciso que Laurinha derrame o leite para que possamos extrair uma moralidade da história.

– Que é moralidade, vovó?

– É a lição moral da história. Nesta fábula da menina do leite a moralidade é que não devemos contar com uma coisa antes de a termos conseguido.

Fonte:
Monteiro Lobato. Fábulas.

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