terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Antonio Roberto de Paula (O Sábado e suas Casualidades)


Vem sempre aqui?
Não. É a primeira vez. E você?
Segunda. Não gosto. Muito apertado.

– Achei legal. Muita gente bonita.

– E mal educada. Ninguém respeita fila. Olha aí, ó, o cara entra pega a cerveja e sai na boa.
Não adianta esquentar. É coisa de Brasil.
Mas é um saco você ser obrigado a entrar numa fila para comprar ficha e em outra para a cerveja. Quebra o embalo, entende?
Não. 
Você tá com o seu pessoal bebendo. Aí seca o copo e você tem que buscar.
Sabe que eu não tô ligando muito hoje. Vim com uma turma que é um pé no saco.
Vim com duas irmãs e um amigo. Você não quer ir à nossa mesa?

– Não, acho chato deixar o pessoal.
Chato é ficar num lugar que a gente não tá a fim e fica só pra não ser indelicado.
Mais tarde dou uma passada na sua mesa.
Passa sim. Como é o seu nome?

– Nalva.

– Nalva?
 
– O certo é Edinalva, mas gosto que me chamem de Nalva. E o seu?
Manoel Augusto, mas a turma me conhece por Nezão. Apelido de criança.

– Tua cara não é estranha.

– A tua também não é. Faz tempo que você mora aqui?

– Nasci aqui.

– Uns 18 anos atrás?

– Assim você me deixa vermelha. Quem me dera ter 18 anos...

– Mas não tem muito mais do que isto.
Pode crer que tenho.
Se você tiver uns 23 é muito,
Acho que você tá querendo me gozar.

– Palavra que não. Quantos anos você tem?
Faço 28 em setembro.
Não acredito. Não parece.
Tenho três mais que você. Mas não adianta querer ser boazinha comigo. Tenho certeza que você imaginou que eu tinha muito mais.

– Que é isso, Neisão?
Neisão, não. É Nezão.
Desculpe, Nezão. Você tem o jeito de um cara de 30. Nem mais nem menos.
Mas de onde a gente se conhece?
Onde você trabalha?
Sou autônomo!

– Vende o que?
 
– Produtos de limpeza. Nossa firma representa uma multinacional.
Você deve ser bom de conversa!
Sou tímido pra caramba. Acho que só estou conversando com você porque já tomei umas três. E porque hoje é sábado. Reparou que no sábado a gente se solta mais?
É verdade. Parece que todo mundo deixa os problemas de lado no sábado. Tira a preocupação da cara e fica mais sociável. É o dia da liberdade e a felicidade é saber que o dia seguinte é domingo.
Me deixa pegar as cervejas. Dá tuas fichas, eu pego pra você.
Pega dois guaranás.
Ufa, que sufoco. E você faz o que?

– Cabeleireira.

– Onde fica o salão?

– Faço o trabalho em casa.

– Salão unissex?

– Não, só atendo mulheres.
Não dá pra abrir uma exceção?
Engraçadinho. Vou ter que ir pra mesa.
A gente vai se ver de novo?
Claro. Quer meu telefone? Tá aqui no cartão o meu nome, endereço e telefone. Mandei fazer para as clientes.
Posso te ligar amanhã?

– Vou ficar esperando.

– Quer o meu telefone?

– Não, prefiro que você me ligue.

– Gostei de você.

– Eu também. E eu que achava que a noite ia ser um tédio.

– Quer que eu te leve'?

– Não, vou voltar com o pessoal. Me liga?

– Pode esperar por isso, Nalva,

– Foi um prazer, Nezão.
Prazer foi meu. Escuta, você é casada?

– Já fui. E você?

– Mais livre impossível. Posso te dar um beijo no rosto de boa noite?

– Deve. Conhece esta música que está tocando?

– Qual?

– Presta atenção.

– Hum, tema do Ghost, Bonita.

– Adoro ela. É a minha música.

– Agora é minha também.

– Coincidência, não?

– O quê?
Tocar esta música justamente no momento em que estou me despedindo de você, uma pessoa que acabei de conhecer.
Espero que não seja coincidência. O cara morre logo no começo do filme e depois fica pentelhando aquela gostosa da Demi More até o final.

– Insensível...

– Tô brincando. Realmente a música é muito bonita. Toda vez que ouvir vou lembrar de você.

– Sério?

– Pode botar fé.

– Legal te conhecer. Tchau.

– Isto é que eu chamo de "valeu o sábado". Tchau.

Com um guaraná em cada mão, Nalva vai saindo da visão de Nezão. No rosto, instalou um sorriso entre feliz e vitorioso. Ela também considera ganho o sábado. Nezão dá a última golada e encara a fila novamente. Gravou Nalva na mente e já começou a contagem regressiva para telefonar. "É o dia da liberdade e a felicidade é saber que o dia seguinte é domingo". Nezão lembra das palavras de Nalva, ditas tão docemente. Com ela todos os dias devem ser sábado, sonha, enquanto espera mais uma cerveja.

Fonte:
Antonio Roberto de Paula. Da minha janela. Maringá/PR: Gráfica Sthampa, 2003.

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