– Vem sempre aqui?
– Não. É a primeira vez. E você?
– Segunda. Não gosto. Muito apertado.
– Achei legal. Muita gente bonita.
– E mal educada. Ninguém respeita fila. Olha aí, ó, o cara entra pega a cerveja e sai na boa.
– Não adianta esquentar. É coisa de Brasil.
– Mas é um saco você ser obrigado a entrar numa fila para comprar ficha e em outra para a cerveja. Quebra o embalo, entende?
– Não.
– Você tá com o seu pessoal bebendo. Aí seca o copo e você tem que buscar.
– Sabe que eu não tô ligando muito hoje. Vim com uma turma que é um pé no saco.
– Vim com duas irmãs e um amigo. Você não quer ir à nossa mesa?
– Não, acho chato deixar o pessoal.
– Chato é ficar num lugar que a gente não tá a fim e fica só pra não ser indelicado.
– Mais tarde dou uma passada na sua mesa.
– Passa sim. Como é o seu nome?
– Nalva.
– Sabe que eu não tô ligando muito hoje. Vim com uma turma que é um pé no saco.
– Vim com duas irmãs e um amigo. Você não quer ir à nossa mesa?
– Não, acho chato deixar o pessoal.
– Chato é ficar num lugar que a gente não tá a fim e fica só pra não ser indelicado.
– Mais tarde dou uma passada na sua mesa.
– Passa sim. Como é o seu nome?
– Nalva.
– Nalva?
– O certo é Edinalva, mas gosto que me chamem de Nalva. E o seu?
– Manoel Augusto, mas a turma me conhece por Nezão. Apelido de criança.
– Tua cara não é estranha.
– A tua também não é. Faz tempo que você mora aqui?
– Nasci aqui.
– Uns 18 anos atrás?
– Assim você me deixa vermelha. Quem me dera ter 18 anos...
– Mas não tem muito mais do que isto.
– Pode crer que tenho.
– Se você tiver uns 23 é muito,
– Acho que você tá querendo me gozar.
– Palavra que não. Quantos anos você tem?
– Faço 28 em setembro.
– Não acredito. Não parece.
– Tenho três mais que você. Mas não adianta querer ser boazinha comigo. Tenho certeza que você imaginou que eu tinha muito mais.
– Que é isso, Neisão?
– Neisão, não. É Nezão.
– Desculpe, Nezão. Você tem o jeito de um cara de 30. Nem mais nem menos.
– Mas de onde a gente se conhece?
– Onde você trabalha?
– Sou autônomo!
– Vende o que?
– Manoel Augusto, mas a turma me conhece por Nezão. Apelido de criança.
– Tua cara não é estranha.
– A tua também não é. Faz tempo que você mora aqui?
– Nasci aqui.
– Uns 18 anos atrás?
– Assim você me deixa vermelha. Quem me dera ter 18 anos...
– Mas não tem muito mais do que isto.
– Pode crer que tenho.
– Se você tiver uns 23 é muito,
– Acho que você tá querendo me gozar.
– Palavra que não. Quantos anos você tem?
– Faço 28 em setembro.
– Não acredito. Não parece.
– Tenho três mais que você. Mas não adianta querer ser boazinha comigo. Tenho certeza que você imaginou que eu tinha muito mais.
– Que é isso, Neisão?
– Neisão, não. É Nezão.
– Desculpe, Nezão. Você tem o jeito de um cara de 30. Nem mais nem menos.
– Mas de onde a gente se conhece?
– Onde você trabalha?
– Sou autônomo!
– Vende o que?
– Produtos de limpeza. Nossa firma representa uma multinacional.
– Você deve ser bom de conversa!
– Sou tímido pra caramba. Acho que só estou conversando com você porque já tomei umas três. E porque hoje é sábado. Reparou que no sábado a gente se solta mais?
– É verdade. Parece que todo mundo deixa os problemas de lado no sábado. Tira a preocupação da cara e fica mais sociável. É o dia da liberdade e a felicidade é saber que o dia seguinte é domingo.
– Me deixa pegar as cervejas. Dá tuas fichas, eu pego pra você.
– Pega dois guaranás.
– Ufa, que sufoco. E você faz o que?
– Cabeleireira.
– Onde fica o salão?
– Faço o trabalho em casa.
– Salão unissex?
– Não, só atendo mulheres.
– Não dá pra abrir uma exceção?
– Engraçadinho. Vou ter que ir pra mesa.
– A gente vai se ver de novo?
– Claro. Quer meu telefone? Tá aqui no cartão o meu nome, endereço e telefone. Mandei fazer para as clientes.
– Posso te ligar amanhã?
– Vou ficar esperando.
– Quer o meu telefone?
– Não, prefiro que você me ligue.
– Gostei de você.
– Eu também. E eu que achava que a noite ia ser um tédio.
– Quer que eu te leve'?
– Não, vou voltar com o pessoal. Me liga?
– Pode esperar por isso, Nalva,
– Foi um prazer, Nezão.
– Prazer foi meu. Escuta, você é casada?
– Já fui. E você?
– Mais livre impossível. Posso te dar um beijo no rosto de boa noite?
– Deve. Conhece esta música que está tocando?
– Qual?
– Presta atenção.
– Hum, tema do Ghost, Bonita.
– Adoro ela. É a minha música.
– Agora é minha também.
– Coincidência, não?
– O quê?
– Tocar esta música justamente no momento em que estou me despedindo de você, uma pessoa que acabei de conhecer.
– Espero que não seja coincidência. O cara morre logo no começo do filme e depois fica pentelhando aquela gostosa da Demi More até o final.
– Insensível...
– Tô brincando. Realmente a música é muito bonita. Toda vez que ouvir vou lembrar de você.
– Sério?
– Pode botar fé.
– Legal te conhecer. Tchau.
– Isto é que eu chamo de "valeu o sábado". Tchau.
Com um guaraná em cada mão, Nalva vai saindo da visão de Nezão. No rosto, instalou um sorriso entre feliz e vitorioso. Ela também considera ganho o sábado. Nezão dá a última golada e encara a fila novamente. Gravou Nalva na mente e já começou a contagem regressiva para telefonar. "É o dia da liberdade e a felicidade é saber que o dia seguinte é domingo". Nezão lembra das palavras de Nalva, ditas tão docemente. Com ela todos os dias devem ser sábado, sonha, enquanto espera mais uma cerveja.
Fonte:
Antonio Roberto de Paula. Da minha janela. Maringá/PR: Gráfica Sthampa, 2003.
– Você deve ser bom de conversa!
– Sou tímido pra caramba. Acho que só estou conversando com você porque já tomei umas três. E porque hoje é sábado. Reparou que no sábado a gente se solta mais?
– É verdade. Parece que todo mundo deixa os problemas de lado no sábado. Tira a preocupação da cara e fica mais sociável. É o dia da liberdade e a felicidade é saber que o dia seguinte é domingo.
– Me deixa pegar as cervejas. Dá tuas fichas, eu pego pra você.
– Pega dois guaranás.
– Ufa, que sufoco. E você faz o que?
– Cabeleireira.
– Onde fica o salão?
– Faço o trabalho em casa.
– Salão unissex?
– Não, só atendo mulheres.
– Não dá pra abrir uma exceção?
– Engraçadinho. Vou ter que ir pra mesa.
– A gente vai se ver de novo?
– Claro. Quer meu telefone? Tá aqui no cartão o meu nome, endereço e telefone. Mandei fazer para as clientes.
– Posso te ligar amanhã?
– Vou ficar esperando.
– Quer o meu telefone?
– Não, prefiro que você me ligue.
– Gostei de você.
– Eu também. E eu que achava que a noite ia ser um tédio.
– Quer que eu te leve'?
– Não, vou voltar com o pessoal. Me liga?
– Pode esperar por isso, Nalva,
– Foi um prazer, Nezão.
– Prazer foi meu. Escuta, você é casada?
– Já fui. E você?
– Mais livre impossível. Posso te dar um beijo no rosto de boa noite?
– Deve. Conhece esta música que está tocando?
– Qual?
– Presta atenção.
– Hum, tema do Ghost, Bonita.
– Adoro ela. É a minha música.
– Agora é minha também.
– Coincidência, não?
– O quê?
– Tocar esta música justamente no momento em que estou me despedindo de você, uma pessoa que acabei de conhecer.
– Espero que não seja coincidência. O cara morre logo no começo do filme e depois fica pentelhando aquela gostosa da Demi More até o final.
– Insensível...
– Tô brincando. Realmente a música é muito bonita. Toda vez que ouvir vou lembrar de você.
– Sério?
– Pode botar fé.
– Legal te conhecer. Tchau.
– Isto é que eu chamo de "valeu o sábado". Tchau.
Com um guaraná em cada mão, Nalva vai saindo da visão de Nezão. No rosto, instalou um sorriso entre feliz e vitorioso. Ela também considera ganho o sábado. Nezão dá a última golada e encara a fila novamente. Gravou Nalva na mente e já começou a contagem regressiva para telefonar. "É o dia da liberdade e a felicidade é saber que o dia seguinte é domingo". Nezão lembra das palavras de Nalva, ditas tão docemente. Com ela todos os dias devem ser sábado, sonha, enquanto espera mais uma cerveja.
Fonte:
Antonio Roberto de Paula. Da minha janela. Maringá/PR: Gráfica Sthampa, 2003.
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