sábado, 22 de outubro de 2011

W. J. Solha (Arkáditch)


Recebi ontem o livro “Arkáditch” de W. J. Solha, da Paraíba. Não conhecia seus escritos, mas na página 11, no último parágrafo num diálogo, a frase que transcrevo a seguir já vale a pena a leitura.

“Sabe o que eu acho? A vida já é um filme de arte – complicado, comprido e chato pra burro – com a desvantagem de que a gente nunca recebe a iluminação adequada, o som geralmente é muito ruim, a trilha sonora é uma colcha de retalhos, a história não existe… e vocês ainda ficam … mastigando essa coisa toda e pensando que são melhores do que todo mundo.”

Para não passar em branco aos leitores do blog, coloco uma soma dos textos que obtive no blog do Nilto Maciel e do Correio da Paraíba, para que conheçam Solha e seu trabalho.
José Feldman
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A cellista Drica vem da Espanha desiludida com a música e disposta a abandonar sua arte. Seu pai, Zé Medeiros, um industrial, que também é professor de filosofia, está às vésperas de se aposentar e se vê diante do dilema de não saber o que fazer após o fim das aulas. O emblema desta família de perdidos é Seu Né, pai de Zé Medeiros. Abandonado pela segunda família, sem memória, é acolhido pelos que abandonou. Para complicar este cenário todo, aparece a bela e misteriosa Marion, que vai desestruturar os alicerces da família Medeiros. Assim é Arkáditch (Ideia, 221 páginas), o mais novo romance do escritor e multi-artista W. J. Solha.

Aos 70 anos, completos em maio passado, Solha já colhe boas recepções críticas de seu mais recente trabalho. O curioso é que o autor decidiu não lançar o seu livro. “Sempre me dei mal nos lançamentos, pois não sei ligar para um amigo que mora lá na caixa-prego, ‘convidando-o’ para aguentar alguns discursos e comprar minha ‘obra’”, diz. Como ganhou a bolsa Funarte de Criação Literária, no valor de R$ 30 mil, Solha resolveu não vender esta nova obra. Quem se interessar, pode pedir por e-mail (wjsolha@superig.com.br) e o autor o envia pelos Correios.

O QUE É ARKÁDITCH?

Trata-se de romance de 220 páginas, editado – por encomenda minha – pela Ideia, daqui de João Pessoa, sem prefácio ou coisa parecida, pois – do mesmo modo que me encabula cobrar pela posse de um exemplar dele – chateia-me a simples possibilidade de incomodar algum amigo intelectual para elogiar um trabalho que, talvez, nem lhe entre no goto, comprometendo sua reputação de expert, etc. e tal. Afinal, nenhuma das grandes editoras do país se interessou pela publicação. E talvez tivessem razão, pois confiei seus originais, algum tempo atrás, a dois escritores: Hugo Almeida e Esdras do Nascimento – o primeiro de São Paulo, o outro, do Rio – e, se Hugo o aprovou in totum, do Esdras recebi esta mensagem:

– Não vou permitir que perca um livro importante desse com sua mania de referências e citações!

Quando entreguei os mesmos originais ao Magno Nicolau, da Ideia, sem qualquer releitura, surpreendi-me quando ele me ligou dizendo-me que consertara um bom número de erros de digitação e de outros tipos, mas acabara desistindo da revisão, pois eram muitos.

– É possível?

Só então me dei conta de que escrevera Arkáditch antes da última reforma ortográfica. Mas isso foi o de menos. Botei o computador para substituir todos os “vêem” por “veem”, “pára” por “para”, “ü” por “u”, “éia” por “eia”, etc. E aí me toquei nos “eruditismos” que tanto haviam incomodado o Esdras e saí fazendo um rapa, deles, deixando o Arkáditch com seis páginas a menos. De quebra, de tanto reler o livro, acabei alterando muitos de seus detalhes, amarrando-lhe pontas soltas. Isso é exasperante, porque nos amplia a certeza de que a perfeição, realmente, não existe. Ou, pelo menos, está fora de meu alcance.

MAS DE QUE TRATA O ROMANCE?

Em alguns livros meus, tratei da vida contemporânea aqui no Nordeste. Israel Rêmora, meu primeiro editado, lançado pela Record em 75, registra muito do que vivi em Pombal, no alto sertão paraibano, entre 63 e 70. A Cidade e as Serras, do Eça de Queirós, me motivou a escrever Relato de Prócula (A Girafa, 2009) juntando Pombal e João Pessoa, também nos dias atuais. A Batalha de Oliveiros (Itatiaia, 1989) veio ao mundo para que eu trabalhasse minha angústia de não participar da luta armada, no tempo da ditadura. Passa-se no interior do Pernambuco. E Arkáditch se concentra na capital paraibana. Curioso pensar que, no final do ano passado, trabalhei como ator em dois longas do Recife, com estreias marcadas para o começo de 2012: O Som ao Redor, de Kléber Mendonça Filho, e Era uma vez Verônica, de Marcelo Gomes, ambos também abordando (e pela primeira vez, no cinema) a classe média urbana nordestina contemporânea.

A ação de Arkáditch se passa nos anos 1990, mais precisamente, no período em que o presidente Collor é destituído do cargo por meio de um impeachment. O romance também foi escrito naquele período. Falando sobre o processo Solha diz: “Quando ainda datilografava meus livros, era fácil dizer quantas versões tinham sido necessárias para chegar à versão final”. Ratificando a importância dos detalhes, revela: “Costumo dar meus originais - quando sinto que ainda não estão bons - a pessoas que respeito no ramo e que me sejam, evidentemente, acessíveis”. Todavia, Solha reconhece: “Depois disso tudo, você entrega os originais para a editora, mas não se sente feliz”.

E O ENREDO?

Certa vez, nos anos de chumbo, conheci um casal de jovens brasileiros formados pela Universidade dos Povos, de Moscou, por isso sem direito a exercer suas profissões no Brasil, e vivendo em certa clandestinidade. Por coincidência, eu lera, em Pombal, um calhamaço de cartas amareladas de um tal de Manoelzinho à minha amiga Nena Queiroga, parente de minha mulher e dona do primeiro cartório de lá, em que se via toda uma vida – a do cara que, na ficção, dei o nome de Stiepán Arkáditch (coisa de pai esquerdista, como o de Vladimir Carvalho) – nascido nas brenhas de uma aba de serra dali por perto, de repente com uma guinada surpreendente, pois – analfabeto até os quinze anos – apareceu lendo tudo, pelo que foi encaminhado ao seminário de Cajazeiras, com batinas, livros e tudo mais patrocinado pela “madrinha” Nena, que – refinada e culta – gozava, ainda, do conceito de “muito católica”. Aí Manoelzinho se manda pro Recife, de lá para o Rio, passa nos concursos da Petrobrás, Banco do Brasil e Banespa, escolhe a primeira empresa, é demitido por envolvimentos com comunistas, no tempo de Goulart, ganha bolsas de estudos pra Sorbonne e pra Patrice Lumumba (Universidade dos Povos), sai do país pra Paris e, de lá, se manda pra Rússia, onde se torna seu melhor aluno... até que um tumor cerebral – razão de sua genialidade – o mata.

A partir desse alicerce – o passado – construí o presente de meu romance. “Presente” em termos: comecei a criar o livro depois de participar de uma passeata pelo impeachment do Collor, em 92, evento que me empolgou tanto, que em 94 fiz uma mostra, Caras Pintadas –pra campanha contra a fome, do Betinho – exposição cujo carro-chefe era um quadro, que em seguida reproduzo alguns de seus detalhes.

Bem, os personagens de meu romance são como essas pessoas, cujas fotos reproduzi em tinta acrílica sobre tela. Tudo gira em torno da figura principal – Zé Medeiros – professor da UFPB em seu último dia de aula, quando vem à tona seu passado, que inclui diplomas na Sorbonne, acusação de um assassinato na Patrice Lumumba, etc, etc.

Em texto sem assinatura, nas orelhas do livro, há uma série de aproximações entre os personagens e a vida real de Solha. Ao ser perguntado sobre as relações entre ficção e biografia, Solha recorre a uma característica bem sua: a citação. “Não à toa Flaubert disse que Madame Bovary era ele: ‘Madame Bovary c´est moi’. Como faço meu personagem Zé Medeiros dizer, logo no começo de meu romance, ao dizer que está fazendo um romance, há uma grande verdade na frase do Templo de Delfos: ‘Conhece-te a ti mesmo e conhecereis os deuses e o universo’. O que não significa que faço livros autobiográficos”, informa. Falando sobre as diferenças, o escritor atesta: “Não conheço a Rússia, e graças ao fato de ter estudado lá, Zé Medeiros tem todo seu drama, décadas depois. Nem sou, como ele, professor de filosofia da UFPB, muito menos – também – usineiro”.

Ator, pintor, dramaturgo, escritor. A qual destas áreas Solha mais tem se dedicado? “Não se é possível fazer tudo isso bem. Esse é o problema. Tanto, que deixei o teatro em 1990, a pintura em 2004. Resolvera, também, não mais participar de filmes, quando recebi convites irrecusáveis para testes em filmes de Kléber Mendonça Filho - em que contracenei com Irandhir Santos – e de Marcelo Gomes, no qual sou pai de Hermila Guedes”, explica.

O resultado da overdose é que senti, pela primeira vez na vida, o que é a exaustão total. Somente fui me livrar quase um ano depois. E tive de interromper, quando estive no Recife, envolvido nesses filmes, o poema longo a que me dedico há já três anos”, relata. “Mas a verdade é que tenho feito todas as outras atividades para ter como escrever meus livros com conhecimento de causa. A literatura - há trinta e tantos anos - tem sido minha atividade principal”.

Fontes:
Nilto Maciel. Literatura sem Fronteiras
Correio da Paraíba.

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