domingo, 23 de outubro de 2011

Henriques do Cerro Azul (Livro de Sonetos)


ÉDEN

Hoje enfim novamente (há quantos dias
Que eu ansiava por esta ocasião!),
Hoje enfim, entre estranhas alegrias,
De novo aperto essa pequena mão

De novo, entre divinas harmonias,
Ouço-te a voz - pulsa-me o coração:
Tuas tranças revoltas e sombrias
São sacudidas pela viração...

Hoje enfim novamente me enterneço,
Pois novamente o teu amor mereço,
Éden que loucamente abandonei...

Atrás de ti eu loucamente andava,
Paraíso perdido que eu buscava ...
Paraíso perdido que eu achei !

CONTRASTE

Longe de ti, eu te imagino perto:
Vejo esse teu sorriso a todo instante;
Qual se te visse, o coração amante
É um doce ninho ao teu amor aberto.

Perto de ti, te julgo tão distante...
Nem mesmo vejo o teu sorriso incerto;
Com saudade de ti o peito aperto
Relembrando o fulgor do teu semblante.

Também tu és como eu:- os teus sentidos
Se enganam, como os meus, pelos caminhos...
E assim passamos desapercebidos

Do erro de nossos múltiplos carinhos:
- Quanto mais longe tanto mais unidos,
- Quanto mais juntos tanto mais sozinhos !

SONHO SEM VIDA

O doce afeto que meu ser sonhara
Cheio de enlevos, terno, comovido,
Nascia cheio de uma ardência clara...
Mas antes de nascer, tinha morrido!

Ele foi um capítulo perdido
De uma comédia deslumbrante e rara;
Foi ele um livro inédito, esquecido,
Que u’a mão escrevera e abandonara...

Morreu à mingua de um sorriso terno,
De um olhar, de uma frase comovida,
De um gesto meigo, de um carinho enfim...

E assim o idílio que seria eterno,
O doce sonho que não teve vida
Sem nunca ter começo teve fim.

O QUE NÃO DISSE

- "Olha, eu sei que pequei (eu te dizia,
Quando deste este amor por terminado),
Mas perdoa, querida, este pecado...”
Porém me fulminaste de ironia.

- "Eu te amo, repliquei com voz sombria,
Não me abandones, quero-te ao meu lado!''
Mas rasgando-me o peito lacerado,
A tua boca virginal sorria...

Quis dizer, com a verdade por escudo,
Antes que a minha força me fugisse,
Que eras meu sonho, meu amor, meu tudo

Mas não achei as frases!... Com meiguice,
Olhei-te então enternecido e mudo:
Mas nem sequer ouviste o que eu não disse !

FECUNDOS ARREPENDIMENTOS

Nos meus fecundos arrependimentos,
Por não te haver amado, de covarde,
Estes versos te escrevo, embora tarde,
Revelando-te assim os meus tormentos...

Amo-te assim: sem arrebatamentos,
Sem gritos, sem excessos, sem alarde,
Enquanto a chama dos meus sonhos arde,
Votiva chama dos meus sentimentos.

Hoje, por minha culpa anda sozinha
Minha alma, a procurar-te pelo espaço
E a culpa é minha de não seres minha!

Mas extravaso em versos os tormentos...
Vem, e aceito estes versos que te faço
Nos meus fecundos arrependimentos !

PERTO DE TI

Em ti a luz das lâmpadas nas naves
Cintila; em ti a luz dos astros sentes:
Que brilho há nos teus olhos inocentes!
Que formosura há nos teus gestos graves!

Perto de ti, escuto as mais ardentes
Canções, as mais românticas e suaves;
Sinto clarões de estrelas, cantos de aves,
E perfumes de flores redolentes...

Mas minhas mãos, das tuas sempre ao lado,
Na triste solidão que perpetuas,
Permanecem nostálgicas sozinhas...

Quem comete mais áspero pecado:
As minhas mãos em procurar as tuas,
Ou tuas mãos em recusar as minhas?

É ASSIM QUE EU AMO...

Se amar e ter o pensamento e a vida
Voltados para um ser unicamente;
Se é ter em convulsões a alma acendida
Num doce anseio e num desejo ardente;

Se é dar sem receber; se é ter em mente
Por toda a longa estrada percorrida,
Alguém, talvez, que nem sequer pressente
Nossa amarga afeição desconhecida...

Se é chorar, se é sofrer sem ter tormento;
Se é sorrir, se é gozar sem ter motivo;
Beijar as flores, abraçar o vento,

E as aves escutar de ramo em ramo: -
Amada, eu te direi que é assim que vivo...
Mas, se não for amor, é assim que eu amo!

VIAGEM AO EGO

Tu és ente subjetivo, intrínseco,
Íntimo, radical, ínsito, básico,
por diferir dos mais teu ser anímico
e esse teu pensamento idiossincrático...

O pensamento de teu ser congênito
é teu, somente teu, interno e orgânico,
nasceu contigo e com teu sonho ingênito
e há de seguir-te com terror tirânico.

Tua alma segue de esperanças ávidas,
mas esse teu anseio é característico;
nasceu contigo e de tua alma pávida
e enche de crença e fé teu sonho místico.

Estão na realidade de teu ânimo
As tuas ilusões, num doce acúmulo
Tua grande alegria ou teu desânimo
São teus e serão teus até o túmulo…

RIOS

É esta a glória com que mais me exalço!
Do teu afeto ao jugo prisioneiro,
Vejo enfim que ele é firme e verdadeiro
Em meio a tanto sentimento falso!

Se estou longe de ti, no cativeiro
Da saudade, sorrindo, em sonhos alço
Meu ser em busca de teu ser, no encalço
De ver teu vulto alegre e alvissareiro...

Vês estes rios, no aluvião que espargem,
Como se juntam, trêmulos, sombrios,
Ruindo barrancos e alargando a margem!

E o amor que vem de ti, que vai de mim,
São dois imensos, dois profundos rios
Que assim convergem para o mesmo fim!

AUSÊNCIA

Por que demoras tanto? Cada instante
Se arrasta como uma hora vagarosa;
E há tanto que te espero, esbelta rosa,
Rainha e dona do meu peito amante.

O tempo, nessa marcha preguiçosa,
Faz de um minuto um século hesitante,
Que não quer avançar, ir para diante,
Nem dar-me a tua imagem vaporosa...

Chegas, enfim, e pagas a demora
Com um beijo, quase a me dizer: "Perdoa!"
E abres no riso uma esplendente aurora.

Todo me enlevo em tua imagem boa...
E o tempo que parou, meu Deus, agora
Que estás aqui, como ligeiro voa!

O SONHO

Gozar a vida? Só por intermédio
Do sonho. O gozo, no correr dos dias,
Todas as ilusões e as alegrias
Tornam-se tema para um epicédio...

Só o sonho é que serve de remédio
A tão grandes e tantas nostalgias,
Pois em meio de mágoas tão sombrias
Até o próprio amor nos causa tédio.

O sonho, não! O sonho não nos cansa!
Bendita, pois, a mística esperança
E todo aquele que consegue tê-la...

Pois é o sonho que faz, bendito engano!
A gota d'água se julgar oceano
E o pirilampo se julgar estrela!

LUTA


Eu sei compreender a Dor Humana,
A angústia universal, a ânsia terrível
Que une todos os homens e os irmana
Na busca da Ventura inatingível!

Pois a Arte, a Religião, a Ciência insana,
A procura do Bem incognoscível,
Toda a Filosofia que promana
Do homem, é apenas pela Dor possível!

Tudo isto é a luta universal acesa
Do ser Humano contra a Natureza;
É a luta! E pela luta, em toda a parte,

Desvendam-se os segredos e os mistérios,
Surgem a Ciência, a Religião e a Arte,
E crescem as cidades e os impérios!

Fonte
Jornal de Poesia
Antonio Miranda

Nenhum comentário: