UMA HISTÓRIA
A brisa dizia à rosa:
- “Dá, formosa,
Dá-me, linda, o teu amor;
Deixa eu dormir no teu seio
Sem receio,
Sem receio, minha flor!
De tarde virei da selva
Sobre a relva
Os meus suspiros te dar;
E de noite na corrente
Mansamente,
Mansamente me embalar!”
E a rosa dizia à brisa:
- “Não precisa
Meu seio dos beijos teus;
Não te adoro... és inconstante...
Outro amante,
Outro amante aos sonhos meus!
Tu passas de noite e dia
Sem poesia
A repetir-me os teus ais;
Não te adoro... quero o Norte
Que é mais forte,
Que é mais forte e eu o amo mais!”
No outro dia a pobre rosa
Tão vaidosa
No hastil se debruçou;
Pobre dela! - Teve a morte
Porque o Norte,
Porque o Norte a desfolhou!...
Novembro - 1858
NO LEITO
M***
I
Eu sofro; - o corpo padece
E minh’alma estremece
Ouvindo o dobrar dum sino!
Quem sabe? - a vida fenece
Como a lâmpada no templo
Ou como a nota dum hino!
A febre me queima a fronte
E dos túmulos a aragem
Roçou-me a pálida face;
Mas no delírio e na febre
Sempre teu rosto contemplo,
E serena a tua imagem
Vela à minha cabeceira,
Rodeada de poesia,
Tão bela como no dia
Em que vi-te a vez primeira!
Teu riso a febre me acalma;
- Ergue-se viva a minh’alma
Sorvendo a vida em teus beijos
Como o saibo dos licores,
E na voz, que é toda amores,
Como um bálsamo bendito,
Ouvindo-a, eu pobre palpito,
Sou feliz e esqueço as dores.
II
Se a morte colher-me em breve,
Pede ao vento que te leve
O meu suspiro final;
- Será queixoso e sentido,
Como da rola o gemido
Nas moitas do laranjal.
Quisera a vida mais longa
Se mais longa Deus me dera,
Porque é linda a primavera,
Porque é doce este arrebol,
Porque é linda a flor dos anos
Banhada da luz do sol!
Mas se Deus cortar-me os dias
No meio das melodias,
Dos sonhos da mocidade,
Minh’alma tranqüila e pura
A beira da sepultura
Sorrirá à eternidade.
Tenho pena... sou tão moço!
A vida tem tanto enlevo!
Oh! que saudades que levo
De tudo que eu tanto amei!
- Adeus, oh! sonhos dourados,
Adeus, oh! noites formosas,
Adeus, futuro de rosas
Que nos meus sonhos criei!
Ao menos, nesse momento
Em que o letargo nos vem
Na hora do passatempo,
No suspirar da agonia
Terei a fronte já fria
No colo de minha mãe!
III
Mas eu bendigo estas dores,
Mas eu abençôo o leito
Que tantas mágoas me dá,
Se me jurares, querida,
Que meu nome no teu peito
Morto embora - viverá!
- Que às vezes na cruz singela
Tu irás pálida e bela
Desfolhar uma saudade!
- Que de noite, ao teu piano,
Na voz que a paixão desata,
Chorarás a - Traviata
Que eu dantes amava tanto
Na ânsia do meu amor!
- E darás compassiva
Uma gota do teu pranto
À memória morta ou viva
Do teu pobre sonhador!
Bendita, bendita sejas,
Se nas notas benfazejas
Tua alma falar co’a minha
Nessa linguagem do céu
Que o pensamento adivinha!
Eu - o filho da poesia -
Dormirei no meu sepulcro,
Embalado em harmonia
Ao som do piano teu!
IV
Que tem a morte de feia?!
- Branca virgem dos amores,
Toucada de murchas flores,
Um longo sono nos traz;
E o triste que em dor anseia
- Talvez morto de cansaço -
Vai dormir no seu regaço
Como num claustro de paz!
Oh! virgem das sepulturas,
Teu beijo mata as venturas
Da terra, mas rega o véu
Que a eternidade nos vela;
E nós - os filhos do erro -
Libertos deste desterro,
Vamos contigo, donzela,
No branco leito de pedra,
Onde a música não medra,
Sonhar os sonhos do céu!...
Há tantas rosas nas campas!
Tanta rama nos ciprestes!
Tanta dor nas brancas vestes!
Tanta doçura ao luar!
- Que ali o morto poeta
No seus íntimos segredos,
À sombra dos arvoredos
Pode viver e sonhar!
V
Assim, - se amanhã, se logo,
Sentires na face amada
Passar um sopro de fogo
Que te queime o coração,
E uma mão fria e gelada
Comprimir tua mão
Frisando os cabelos teus;
- Não tenhas tu vãos temores,
Pois é minh’alma, querida,
Que os desprender-se da vida,
- Toda saudades e amores -
Vai dizer-te o extremo - adeus!...
Agosto - 1858
POIS NÃO É?!
Ver cair o cedro anoso
Que campeava na serra,
Ver frio baixar à terra
O pobre velho bondoso
Que procurando repouso
Tropeçou na sepultura;
É triste, sim é verdade,
Mas não tão grande a saudade
Nem a dor tão funda e dura,
Pois que ao velho e ao cedro altivo
Partindo a voz da procela,
No mundo, - jardim lascivo -
A vida foi longa e bela.
Mas ver a rosa do prado
Que a aurora deu cor e vida,
De manhã - flor do valado,
De tarde - rosa pendida!...
Mas ver a pobre mangueira
Na primavera primeira
Crescendo toda enfeitada
De folhas, perfume e flor,
Ouvindo o canto do amor,
No sopro da viração;
Mas vê-la depois lascada
Em duas cair ao chão!...
Mas ver o pobre mancebo
Em que a seiva reluz,
No sonho cândido e puro,
Nas glórias do seu futuro
Dourando a vida de luz;
Mas vê-lo quando a sua alma
Ao som d’ignota harmonia
Se derramava em poesia;
Quando junto da donzela
- Cativo dos olhos dela -
Na voz que balbuciava
De amores falava a medo;
Quando o peito transbordava
De crenças, de amor, de fé,
Vê-lo finar-se tão cedo,
Como as vozes dum segredo...
É dor de mais - pois não é?
Indaiaçu - 1857
NA ESTRADA
CENA CONTEMPORÂNEA
Eu vi o pobre velho esfarrapado
- Cabeça branca - sentado pensativo
Dum carvalho ao pé;
Esmolava na pedra dum caminho,
Sem família, sem pão, sem lar, sem ninho,
E rico só na fé!
Era tarde; ao toque do mosteiro
Seu lábio a murmurar rezava baixo,
- Ao lado o seu bordão;
E o sol, no raio extremo, lhe dourava
Sobre a fronte senil a dupla c’roa
De pobre e de ancião!
E o homem de metal vinha sorrindo
Contando ao companheiro os gordos lucros
Na usura de judeus;
O mendigo estendeu a mão mirrada,
E pediu-lhe na voz entrecortada:
- Uma esmola, por Deus!
O homem de metal, embevecido
Em sonhos de milhões, por junto à pedra,
Sem responder, passou!
O pobre recolheu a mão vazia...
O anjo tutelar velou seu rosto
Mas - Satanás folgou!
Rio - 1858
NO JARDIM
CENA DOMÉSTICA
Ela estava sentada em meus joelhos
E brincava comigo - o anjo louro,
E passando as mãozinhas no meu rosto
Sacudia rindo os seus cabelos d’ouro.
E eu, fitando-a, abençoava a vida!
Feliz sorvia nesse olhar suave
Todo o perfume dessa flor da infância,
Ouvia alegre o gazear dessa ave!
Depois, a borboleta na campina
Toda azul - como os olhos grandes dela -
A doucejar gentil passou bem junto
E beijou-lhe da face a rosa bela.
- Oh! como é linda! disse o louro anjinho
No doce acento da virgínia fala -
Mamãe me ralha se eu ficar cansada
Mas - dizia a correr - hei de apanhá-la! -
Eu segui-a chamando-a, e ela rindo
Mais corria gentil por entre as flores,
E a - flor dos ares - abaixando o vôo
Mostrava as asas de brilhantes cores.
Iam, vinham, à roda das acácias,
Brincavam no rosal, nas violetas,
E eu de longe dizia: - Que doidinhas!
Meu Deus! meu Deus! são duas borboletas!...-
Dezembro - 1858
RISOS
Ri, criança, a vida é curta,
O sonho dura um instante.
Depois... o cipreste esguio
Mostra a cova ao viandante!
A vida é triste - quem nega?
- Nem vale a pena dize-lo .
Deus a parte entre seus dedos
Qual um fio de cabelo!
Como o dia, a nossa vida
Na aurora é - toda venturas,
De tarde - doce tristeza,
De noite - sombras escuras!
A velhice tem gemidos,
- A dor das visões passadas -
A mocidade - queixumes,
Só a infância tem risadas!
Ri, criança, a vida é curta,
O sonho dura um instante.
Depois o cipreste esguio
Mostra a cova ao viandante!
Rio - 1858
Fonte:
ABREU, Casimiro de. As Primaveras. São Paulo: Livraria Editora Martins S/A co-edição Instituto Nacional do Livro, 1972. Texto-base digitalizado por Raquel Sallaberry Brião.
ABREU, Casimiro de. As Primaveras. São Paulo: Livraria Editora Martins S/A co-edição Instituto Nacional do Livro, 1972. Texto-base digitalizado por Raquel Sallaberry Brião.
Nenhum comentário:
Postar um comentário