O livro Cães da província, escrito por Assis Brasil, narra várias histórias que são ambientadas na cidade de Porto Alegre, Província de São Pedro do RS, durante o reinado do imperador D.Pedro II .
O destaque maior é dado ao personagem Joaquim de Campos Leão, Qorpo-Santo que representa a intelectualidade em choque com a mediocridade dos parâmetros de sua sociedade.
A falta de compreensão da população leva Qorpo-Santo a ser considerado louco, devido a sua audácia em burlar os costumes da época.
O narrador deixa claro, durante o desenrolar dos acontecimentos, a superioridade do personagem Qorpo-Santo em relação aos demais.
A forma que seu comportamento tomou é tida como conseqüência de sua imensa inteligência, conhecimento e seus conflitos internos e sentimentais.
Fora abandonados por sua esposa, Inácia, que visava interditá-lo. Passa a viver só com seu criado Inesperto.
Porém, por baixo de toda a aparência de uma sociedade normal, existe um mundo marginal onde prevalecem a violência, o adultério, a crueldade e as mentiras.
Entre as histórias paralelas que, porém, não se desvinculam de Qorpo-Santo, temos a do importante comerciante Eusébio.
Este só se preocupava com sua posição social, o que tornava um homem digno e respeitável.
Mas o seu maior problema foi o adultério cometido pela mulher, o que levou a uma grande mentira perante toda a cidade, ameaçando abalar sua integridade.
Junto com essa história, temos os crimes que abalaram a calma população, cometidos pelo açougueiro e sua mulher, Pelsen. Esses dilaceravam corpos de pessoas atraídas para sua casa, a fim de fazer lingüiça.
Assim, vemos transparecer a mesquinhez, a falta de valores reais da sociedade, que se mostra mais preocupada com a interdição ou não de Qorpo-Santo do que com os crimes hediondos ocorridos.
Qorpo-Santo é realmente, um personagem extraordinário. Suas idéias seus pensamentos o levam muito além dessa época.
Contudo, seu comportamento não é completamente normal, porque o personagem conversa, diversas vezes, com pessoas irreais, como Napoleão III.
A sua condição psíquica é levada a julgamento, havendo divergências entre os alienistas a respeito da mesma. Acaba por ser interditado, mas seus bens não são entregues á esposa. É extraditado, e a sociedade sente-se apaziguada.
A narração é em 3ª pessoa - narrador onisciente. A realidade choca-se com a ficção nesse livro. O fato de Qorpo -Santo fantasiar um mundo só seu, à revelia dos costumes e regras tradicionais, eleva-o ainda mais.
Independente da exata localização espacial, o livro extrapola, indo muito além de suas fronteiras.
A denúncia é feita constantemente, mostrando a mediocridade de espírito da sociedade que é, facilmente, igualada a um cão, o cães da província.
Isto porque essa população é, realmente, domada e obediente às normas e costumes impostos pela época.
Assim atingindo o universal, a obra de Assis Brasil pode ser entendida por várias pessoas em diversas épocas, sem perder, de maneira alguma, seu valor real.
A própria personagem, na sua loucura, oscila entre momentos de lucidez e o mais completo desvario: " Ora sou um, ora sou outro".
Assim, a ocultação e o desvelamento da vida assumem representação concreta no confronto entre as patologias individuais e coletivas, de que são ilustrativos os episódios dos cadáveres escondidos, o falso enterro de Lucrécia e sua reclusão em vida, a ambigüidade velada e ardorosa de Inácia e, principalmente, a hipocrisia das eprícias médicas e dos laudos judiciais.
O trecho abaixo evidencia uma visão de exaltação à "loucura" (conversa entre Landel e Joaquim Pedro):"Amigo, no imaginário do nosso mundo a loucura é uma coisa aquática, os loucos têm um espírito profundo e turbulento com as correntezas, jamais poderemos adivinhar-lhe o fundo; daí por que escapam a qualquer compreensão, é como se você quisesse adivinhar o que acontece a dois palmos de baixo do casco da nossa canoa; a mente enlouquecida é pior que este rio barrento."
Neste outro trecho percebe-se a tortura de Qorpo-Santo, em sua indefinição entre a razão e a loucura (pensamento dele lido por Joaquim Pedro para Luísa):
"Se sinais naturais me inclinam algumas vezes á cópula, em outras me fazem desaparecer tal inclinação. Assim é que saio às vezes com mais forte atenção, e volto com mais contrária disposição.
Logo, se a natureza agora exige e determina e passados alguns minutos reprime e impossibilita, faz desaparecer o desejo e a lembrança, pergunto: o que é o homem?"
Fonte:
Passeiweb
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