Desenho por Felipe Corsini
Recebi da autora o livro Recortes de Vida, onde estão reunidos diversos textos em prosa, muitos deles premiados em Concursos. Para o leitor que não conhece seus textos, coloco o texto que me chamou atenção entre os 28 que compõem o livro, o qual obteve Menção honrosa no 7. Concurso de Contos da A.D.L. Boa Esperança,MG, em 2008.
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Liberato não fazia jus ao próprio nome. Era um homem baixo, encolhido, parecendo estar sempre com medo e desconfiado, olhando de esguelha para um lado ou para o outro, às vezes, para trás. Não tinha nada de liberado, extrovertido ou comunicativo.
Sempre sozinho, não tinha amigos. Parecia não se interessar pelo convívio com outras pessoas e, até mesmo, teme-las, preferindo ser sua própria companhia. Em contrapartida, os “outros” também o ignoravam, e ninguém tentava aproximação com aquele homenzinho, que se sentia quase invisível.
Quando na repartição, trabalhava corretamente, cumprindo a sua função de maneira precisa, não deixando de realizar as tarefas que lhe competiam, mas nunca tomando a iniciativa para aumentar, num milímetro, as suas responsabilidades.
Quieto, entrava em sua sala; quieto saía. Tão quietamente, que numa tarde ficou esquecido e a repartição foi fechada com ele lá dentro. Como era uma sexta-feira, só foi encontrado na segunda, quando o homem da limpeza chegou antes do início do expediente. Assustado, deparou com Liberato no momento em que, abrindo todos os cômodos, ia dar início à faxina, animadamente, empunhando uma vassoura.
O homenzinho, sentado à sua mesa, tinha a cabeça apoiada nos braços cruzados. Dormia profundamente numa imobilidade que levou o faxineiro apavorado a pensar que tinha encontrado um defunto. Deixou cair a vassoura, e o barulho acordou Liberato que abriu um olho, depois outro e, sem nada dizer, levantou-se e saiu do recinto.
Acomodado com o que lhe tinha acontecido, Liberato tomou um café preto e, rotineiramente, voltou ao escritório para recomeçar um dia normal de trabalho como se nada tivesse acontecido. Na entrada, cruzou com o faxineiro, mas nao trocaram palavra. Com a fisionomia inalterada, assentou-se à sua mesa de trabalho, acomodando-se na mesma cadeira onde tinha sido encontrado naquela manhã, após as cinquenta horas em que permanecera no escritório.
Os colegas não observaram nada de diferente nele. Continuava silencioso, magro e pálido. Apenas, a barba por fazer trazia-lhe um aspecto descuidado que não lhe era habitual. O homem da limpeza passou o dia encafifado. Não entendia como o "seu" Liberato já se achava no escritório antes do início do expediente; estranhou a sua saída e na sua volta observara que ele parecia mais miúdo, mais branco, quase transparente.
Liberato não comentou com ninguém o que lhe acontecera. O faxineiro, que não queria saber de confusão para o seu lado, também não contou a estranha situação para o pessoal do escritório e nem para seus colegas de limpeza. Afinal, a corda sempre arrebenta para o lado mais fraco, pensou ele, lembrando as sábias palavras de sua falecida mãe. No caso, como a parte mais fraca era ele próprio, melhor não falar nada.
Naquela semana, Liberato parecia mais silencioso do que nunca. Em alguns dias, não saiu do escritório para almoçar e, na sexta-feira, não teve ânimo para voltar à sua casa. Na segunda, o faxineiro tornou a encontrá-lo pela manhã e notou que ele parecia menor, mais branco, quase transparente.
A situação se foi repetindo, ignorada por todos, exceto pelo faxineiro que nada fazia além de observar Liberato, achando que, qualquer dia, ele ia desaparecer de tão magro, tão quieto, tão transparente.
Numa fria manhã de segunda-feira, quando o homem da limpeza chegou, notou apenas uma marca no assento da cadeira giratória da sala de Liberato e um fio de cabelo grisalho sobre os papéis um pouco amassados, talvez, pela pressão de braços cruzados. Liberato não estava lá. O que teria acontecido com ele não chegou a preocupar ninguém exceto, talvez o faxineiro, mas não por muito tempo.
Desaparecera, ignorado por todos e ignorado por um mundo no qual não encontrou o seu lugar.
Fonte:
Cecy Barbosa Campos. Recortes da Vida. Varginha,MG: Alba, 2009.
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Liberato não fazia jus ao próprio nome. Era um homem baixo, encolhido, parecendo estar sempre com medo e desconfiado, olhando de esguelha para um lado ou para o outro, às vezes, para trás. Não tinha nada de liberado, extrovertido ou comunicativo.
Sempre sozinho, não tinha amigos. Parecia não se interessar pelo convívio com outras pessoas e, até mesmo, teme-las, preferindo ser sua própria companhia. Em contrapartida, os “outros” também o ignoravam, e ninguém tentava aproximação com aquele homenzinho, que se sentia quase invisível.
Quando na repartição, trabalhava corretamente, cumprindo a sua função de maneira precisa, não deixando de realizar as tarefas que lhe competiam, mas nunca tomando a iniciativa para aumentar, num milímetro, as suas responsabilidades.
Quieto, entrava em sua sala; quieto saía. Tão quietamente, que numa tarde ficou esquecido e a repartição foi fechada com ele lá dentro. Como era uma sexta-feira, só foi encontrado na segunda, quando o homem da limpeza chegou antes do início do expediente. Assustado, deparou com Liberato no momento em que, abrindo todos os cômodos, ia dar início à faxina, animadamente, empunhando uma vassoura.
O homenzinho, sentado à sua mesa, tinha a cabeça apoiada nos braços cruzados. Dormia profundamente numa imobilidade que levou o faxineiro apavorado a pensar que tinha encontrado um defunto. Deixou cair a vassoura, e o barulho acordou Liberato que abriu um olho, depois outro e, sem nada dizer, levantou-se e saiu do recinto.
Acomodado com o que lhe tinha acontecido, Liberato tomou um café preto e, rotineiramente, voltou ao escritório para recomeçar um dia normal de trabalho como se nada tivesse acontecido. Na entrada, cruzou com o faxineiro, mas nao trocaram palavra. Com a fisionomia inalterada, assentou-se à sua mesa de trabalho, acomodando-se na mesma cadeira onde tinha sido encontrado naquela manhã, após as cinquenta horas em que permanecera no escritório.
Os colegas não observaram nada de diferente nele. Continuava silencioso, magro e pálido. Apenas, a barba por fazer trazia-lhe um aspecto descuidado que não lhe era habitual. O homem da limpeza passou o dia encafifado. Não entendia como o "seu" Liberato já se achava no escritório antes do início do expediente; estranhou a sua saída e na sua volta observara que ele parecia mais miúdo, mais branco, quase transparente.
Liberato não comentou com ninguém o que lhe acontecera. O faxineiro, que não queria saber de confusão para o seu lado, também não contou a estranha situação para o pessoal do escritório e nem para seus colegas de limpeza. Afinal, a corda sempre arrebenta para o lado mais fraco, pensou ele, lembrando as sábias palavras de sua falecida mãe. No caso, como a parte mais fraca era ele próprio, melhor não falar nada.
Naquela semana, Liberato parecia mais silencioso do que nunca. Em alguns dias, não saiu do escritório para almoçar e, na sexta-feira, não teve ânimo para voltar à sua casa. Na segunda, o faxineiro tornou a encontrá-lo pela manhã e notou que ele parecia menor, mais branco, quase transparente.
A situação se foi repetindo, ignorada por todos, exceto pelo faxineiro que nada fazia além de observar Liberato, achando que, qualquer dia, ele ia desaparecer de tão magro, tão quieto, tão transparente.
Numa fria manhã de segunda-feira, quando o homem da limpeza chegou, notou apenas uma marca no assento da cadeira giratória da sala de Liberato e um fio de cabelo grisalho sobre os papéis um pouco amassados, talvez, pela pressão de braços cruzados. Liberato não estava lá. O que teria acontecido com ele não chegou a preocupar ninguém exceto, talvez o faxineiro, mas não por muito tempo.
Desaparecera, ignorado por todos e ignorado por um mundo no qual não encontrou o seu lugar.
Fonte:
Cecy Barbosa Campos. Recortes da Vida. Varginha,MG: Alba, 2009.
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