domingo, 13 de junho de 2010

Vânia Moreira Diniz (Morte na Solidão)

Solidão (pintura de Celso Felipe Carvache)
Mauro estava pensativo. Em raras ocasiões tinha tempo para se deter pensando em alguma coisa. Agia mais do que pensava. e naquele momento enquanto procurava um ponto de ônibus, cansado e atrasado para o trabalho, sua mente martelava dolorosamente.

Desde pequeno suas dificuldades tinham sido muitas e sua família simples morando no interior não lhe havia dado muitas opções. Estudara num colégio público local e logo tivera que parar para trabalhar em dois horários e ajudar seus pais e irmãos.

Muito pequeno compreendera que a vida não era nenhuma brincadeira, porque nas raras ocasiões em que jogava bola com seus amigos era sempre interrompido para atender

a mãe ou porque realmente as horas de trabalho eram intensivas e desgastantes.

Vendia doces, engraxava sapatos e além disso a partir de certo horário atendia num restaurante levando a domicílio pedido de clientes.

Quando completou 14 anos resolveu sair daquela cidadezinha do interior mineiro e tentar a vida na capital.

Esse passo havia sido difícil. Deixar a família, os irmãos pequenos e chegar sozinho em uma cidade grande, sem emprego ou meios de sobreviver, exigia uma coragem que nem de longe pensou possuir.

Trouxe uma carta de recomendação do pequeno estabelecimento em que trabalhava porque todos gostavam muito dele.

No começo pareceu que esse cuidado não adiantaria muito e algumas noites dormiu ao relento em bancos da praça quando estavam vazios ou ninguém o incomodava.Conheceu alguns meninos de sua idade ou mais velhos e mudava de rumo todas a s vezes que sentia o ar pesado ou notava insistência que fumasse ou cheirasse alguma coisa para ele desconhecida.

Acedeu umas duas vezes, mas sentiu-se tão mal que prometeu jamais repetir a dose.Ademais tinha uma índole pouco afeita a qualquer novidade e não gostava de sair de certos hábitos. Tinha uma cabeça boa e sabia como todo menino de sua idade dos efeitos devastadores no uso de drogas.

Havia trazido uns trocados de sua cidade que sua mãe economizara com muito sacrifício e que valeu alguns pães com manteiga ou qualquer coisa que não lhe deixasse prostrado de fraqueza.

Naquele dia achou perto dali um jornal abandonado e resolveu folheá-lo talvez á procura de emprego.Ali mesmo na Rodoviária começou a carregar malas ou ajudar em alguma coisa e sua índole diferente chamou atenção de certas pessoas que freqüentavam o lugar.

Conseguiu uma caixa de engraxate e como tinha prática arranjou alguns fregueses.

A vida não estava sendo fácil, pois havia garotos que se tornaram hostis à sua presença e foi com dificuldade e uma boa dose de sorte que um rapaz ofereceu-lhe emprego numa firma para entregas de mercadorias ou algum outro serviço da mercearia, em troca de cama e comida. Ele aceitou. E dedicou-se encantando fregueses e até ao próprio patrão que era o pai do rapaz.

Assim foi durante algum tempo e ele conseguiu matricular-se em uma escola pública à noite para acabar o primeiro grau, pois já ganhava metade de um salário mínimo e dormia no porão da lojinha.

Não pensava em outra coisa senão trabalhar e estudar. Queria vencer.

Seu patrão era um bom homem. Viu sua luta e enorme dificuldade e como não pudesse lhe pagar o que merecia arranjou-lhe emprego parte da tarde num escritório como officeboy e deixava que ele continuasse dormindo lá.

Conheceu várias pessoas , fez amizades, arranjou outra colocação num prédio como servente e tinha um quartinho para dormir. Um depósito mas que importava?

Quando conheceu Luiza já tinha passado situações difíceis e jamais namorado à sério. Mas aquela menina bonita que entrava no colégio pontualmente e olhava-o insistentemente atraiu completamente sua atenção.

Saíram juntos, mas o namoro não prosseguiu. Era um rapaz bonito, sem dúvida e isso fazia com que muitas moças o procurassem, porém ele fugia de tudo que pudesse transtornar seus planos. O futuro era sua meta. E ele não queria se afastar dela.

A jovem Luiza, entretanto fascinou-o e cedo entendeu que ela nada queria com um zelador de prédio apesar da atração que o rapaz exerceu. Compreendeu isso e sofreu mais ainda perseverando em suas intenções. Há muitos anos empregado no mesmo lugar, sem pagar aluguel pudera até de vez em quando mandar alguma coisa para ajudar os pais.

Seus estudos eram imprescindíveis e com muito sacrifício acabou o 2º grau.

Quando fez concurso para servente no serviço público e passou, não acreditou. Não era um salário fora do comum, mas para ele era tudo o que queria.

Em todo esse tempo jamais tirou da cabeça a moça por quem tinha tão rápido se apaixonado. Tinha relacionamento com outras, mas seu pensamento estava sempre nela.

Sua vida melhorara, alugara um quarto e começara seu novo emprego com determinação. O tempo passava e ele continuava a estudar, fazendo o curso superior em Administração.

E nesse momento fizera um retrospecto de toda o seu passado. Não era mau. Tivera êxito em muitas coisas e pretendia continuar.

Três Anos depois

Mauro havia se casado e lamentavelmente a jovem morrera num acidente de ônibus a dois anos atrás. Gostara da mulher sem, no entanto ter sido realmente apaixonado por ela. Mas sua morte prematura traumatizara-o de verdade. Não tiveram filhos e a figura de Luiza atravessara seus pensamentos mesmo quando estava casado.

Nunca a perdera de vista e sabia até onde morava. Encontraram-se por acaso a seis meses e o rapaz insistira com ela em nova oportunidade. Casaram-se em dois meses.

Mauro ganhava razoavelmente e tinha galgado desde então passos firmes em direção aos seus ideais. Estudava ainda e muito apaixonado pela mulher não conseguia enxergar o quanto ela desdenhava seu valor e suas conquistas profissionais.

Luiza montara um pequeno salão de beleza mas freqüentemente precisava de ajuda em seus gastos que se tornavam cada vez maiores. Ele tudo procurava entender e muitas vezes fechava os olhos em atitudes estranhas da mulher. Amava-a e era tudo.

Brigavam e a moça em diversas ocasiões sumia deixando o marido transtornado.

Voltavam sempre porque ele a compreendia e ela precisava dele.

Jamais a jovem pensou em ter filhos e ele lamentava essa resistência a alguma coisa que lhe faria tão feliz. Mas, na verdade não queria forçá-la a nada.

Viveram assim uns longos tempos e as brigas eram muitas e freqüentes. O amor de Mauro era quase uma obsessão e quando resolveu deixá-la sabendo que ela lhe enganava,

voltou em dois dias pedindo-lhe perdão. Nada o demovia da vontade de tê-la em seus braços em oportunidades várias. No fundo sabia que ela não o amava. Queria conforto, isso sim.

Conclusão

A vida passou entre choques, separações e até agressões físicas mas jamais Mauro pensou em separar-se dela.

Ultimamente sentia-se mal muitas vezes e imaginava que os aborrecimentos que lhe magoavam a existência contribuíam bastante para isso. Tivera oportunidade de separar-se dela e até tentar outra vida mas não admitia nem conseguia pensar em outra mulher.

Por vezes achava que isso era uma doença. E uma doença fatal e traiçoeira.

Profissionalmente estava muito bem, porém um mal-estar tomava conta dele.

Foi ao médico e submeteu-se a vários exames . Luiza percebeu e perguntou-lhe o que tinha

- Não sei disse-lhe ele. Só que pareço piorar a cada dia.
- E os exames?
- Ainda não tive uma resposta. Tenho uma consulta marcada amanhã. Quer ir comigo?
- Não posso. tenho um compromisso. Você sabe, estou querendo vender o salão.
- Quer ajuda? Poderei ver isso para você.
- Mal consegue cuidar de você mesmo -e essas palavras o magoaram- Ainda amava a mulher-

Luiza estava desconfiada que o marido tinha um problema sério de saúde. Ela resolveu procurar o médico e perguntar-lhe.

Ele era um clínico que muitas vezes os atendera e o médico embora com delicadeza fora muito franco com Luiza. Ela não podia acreditar.

- Câncer, Doutor? E o médico silenciosamente confirmara.

Luiza começou a arrumar sua vida. vendeu o salão e Mauro piorava cada vez mais. teve que ser internado para novos exames, seu pulmão estava quase completamente bloqueado.

Foi naquele dia que já respirava com dificuldade que pode ver em cima da mesa uma carta com a letra de Luiza. Dizia simplesmente

Mauro
Sinto muito mas não posso continuar com você. Isso já era previsto. Passei muitos anos com você mas não nasci para isso. Cuide-se. Espero que melhore e não me procure mais.
Luiza

Ele leu as palavras com a sensação de que já sabia o que estava escrito. Deitou-se entorpecido e pensou que até isso ela conseguira: Deixa-lo morrer na solidão.

Fechou os olhos imaginando que ela ficaria bem. Teria uma pensão razoável.

Ele lhe proporcionara isso na luta insana para chegar até ali.

E a ele restava morrer, morrer na solidão.

Fonte:
Vânia Diniz .

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