sexta-feira, 25 de junho de 2010

Antonio Augusto de Assis (Tábua de Trovas)


1.
Sorria, amigo, sorria!
Pois, neste tempo de tédio,
qualquer sinal de alegria
é sempre um santo remédio!
2.
Sorriso não paga imposto;
esbanja, portanto, o teu.
Sorrindo com graça e gosto,
acendes também o meu!
3.
Irmanemos nossas vidas
em comunhão generosa,
tal como vivem unidas
as pétalas de uma rosa!
4.
Sonho um mundo redimido,
que, movido a coração,
lance flechas de Cupido,
não petardos de canhão!
5.
Eu tenho fé nas pessoas,
em todas, sem exceção,
que todas elas são boas,
quando lhes damos a mão!
06.
De quantas bênçãos se tecem
as vidas fortes, sofridas,
que de si mesmas se esquecem
para cuidar de outras vidas!
07.
Criado por Deus, o rio
nasce limpo e, como nós,
traz consigo o desafio
de limpo chegar à foz.
08.
Jardineiro, que me encantas,
que bonito é o teu labor!
Tens o dom de com mãos santas
do esterco extrair a flor!
09.
Bem-te-vi que bem me vês,
bem-visto sejas também,
hoje e sempre e toda vez
que bem me vires… Amém!
10.
Eu sei por que o passarinho
canta gostoso e se inflama:
é que ele tem no seu ninho
uma família que o ama!
11.
Valente, o verde resiste
à foice, ao fogo, ao trator.
– É a vida que, dedo em riste,
enfrenta o seu matador!
12.
Quem ama não mata a mata;
quem ama planta, recria.
Quem ama protege e acata
o verde, a vida, a alegria!
13.
Dói muito ver um canário
cantando humilhado e triste
em troca do vil salário
de um punhadinho de alpiste!
14.
Treme o mundo e se consome
ao som de um terrível brado:
– o grito que sai com fome
da boca do injustiçado!
15
Jogado no mundo, ao léu,
rezava o orfãozinho assim:
– Cuida bem, Papai do Céu,
dos que não cuidam de mim!
16.
Matam crianças na rua,
hoje ainda, que que é isto?
– É que Herodes continua
caçando o Menino-Cristo!
17.
“Bem-vinda à vida, criança!”,
diz o parteiro sorrindo.
E a frase é um hino à esperança,
no seu momento mais lindo!
18.
É mais que um beijo, é uma prece,
aquele beijo miudinho
com que a mãe afaga e aquece
os seus filhotes no ninho!
19.
Ouvi um menino uma vez
mandar aos pais um recado:
– Eu sou o amor de vocês
que se fez carne… Obrigado!
20.
Cuide bem do seu bebê;
forme-o forte, sábio e puro.
Ele é a porção de você
que vai viver no futuro!
21.
Brincam na praça os pequenos:
castelos, canções, corrida…
São seus primeiros acenos
aos grandes sonhos da vida!
22.
Nas costas, leva a criança
seus livros numa sacola;
nos olhos, leva a esperança
como colega de escola!
23.
O agricultor que semeia
o arroz, o milho, o feijão
trabalha com Deus à meia
na Obra da Criação.
24.
O sol engravida a chuva,
e a terra se faz seu ninho;
no ninho se faz a uva,
e a uva desfaz-se em vinho!
25.
O fruto é um santo produto
do mais generoso amor.
Por isso é que antes de fruto
quis Deus que ele fosse flor.
26.
Numa harmonia perfeita,
completam-se o fruto e a flor:
ele alimenta, ela enfeita;
ele dá força, ela o amor!
27.
Deus fez a Terra… e, ao fazê-la,
deu-lhe o toque comovente:
fez o céu para envolvê-la
num pacote de presente!
28.
Belo sonho o que aproxima
estrelas e pirilampos…
– Elas são eles lá em cima;
eles são elas nos campos!
29.
Mesmo soltas e espalhadas,
as pétalas são formosas;
porém somente abraçadas
é que elas se tornam rosas!
30.
Ó Deus, que nos deste a flor,
e as crianças e as estrelas,
dá-nos agora, Senhor,
a graça de merecê-las!
31.
De dia caleja a palma
o irmão que cultiva o chão.
De noite alivia a alma
nas cordas de um violão!
32.
A vida jamais se encerra…
e é bom sermos imortais.
– Amar você só na Terra
seria pouco demais!
33.
– Quantas águas, canoeiro,
o senhor já canoou?…
– Talvez menos, seresteiro,
que as que o senhor já chorou!
34.
As almas, se generosas,
percorrem árduos caminhos…
Só no céu elas e as rosas
ficam livres dos espinhos!
35.
É quando a ofensa mais dói
que o perdão tem mais encanto:
– nele há a nobreza do herói
e a fortaleza do santo!
36.
Feliz o idoso que, esperto,
se ampara nesta verdade:
quanto mais velho, mais perto
das bênçãos da eternidade!
37.
Trate o velho com respeito;
dê-lhe o amor que possa dar.
Mas não lhe roube o direito
de a si mesmo governar!
38.
Todo idoso é um professor;
curvo-me e beijo-lhe a mão.
No mínimo, ensina amor,
hoje máxima lição!
39.
Certeza só têm os rios
sobre aonde vão chegar…
Por mais que sofram desvios,
seu destino é sempre o mar!
40.
Ismo, ismo, ismo, ismo…
e o medo está sempre em alta…
– Experimentem lirismo,
que talvez seja o que falta!
41.
O lírio, a lira, o lirismo;
o amor, a festa, a canção…
Que pena que o consumismo
transforma tudo em cifrão!
42.
Anoitece… Bela e nua,
a rosa põe-se a orvalhar-se…
– Um raiozinho de lua
virá com ela deitar-se!
43.
Astronauta, não destrua
meu direito de sonhar…
Deite e role sobre a Lua,
porém me deixe o luar!
44.
Tem muito mais graça a vida
quando a gente tem com quem
repartir bem repartida
a graça que a vida tem!
45.
De barro se faz o homem,
e de luz principalmente.
O barro, os anos consomem;
a luz eterniza a gente!
46.
Na porta da eternidade,
documento não tem vez.
– O cartão de identidade
é o bem que em vida se fez!
47.
O livro mudou o enredo
da história da humanidade:
– Antes dele, a treva e o medo;
depois dele a liberdade.
48.
Na biblioteca há mil sábios
a nosso inteiro dispor.
– Sem sequer abrir os lábios,
cada livro é um professor!
49.
Vai, riozinho, sem pressa…
lembra ao mar, sem raiva ou mágoa,
que ele é grande, mas começa
num modesto olhinho d’água!
50.
Acaso fizeste a Lua?
Acaso fizeste a rosa?
Então que ciência é a tua,
tão solene e presunçosa…
51.
Milhões e milhões de estrelas…
Que utilidade terão?
– Só sei, meu irmão, que ao vê-las
sinto Deus no coração!
52.
Olhem a rosa os que ainda
costumam dizer-se ateus.
– Ela é a resposta mais linda
quanto à existência de Deus!
53.
Quem tem amigos leais
tem muito o que agradecer:
bons amigos valem mais
que o mais que se possa ter.
54.
Coragem de gente grande
é aquela em que se distingue
alguém assim como Gandhi,
São Francisco, Luther King!
55.
Ave-Maria, uma prece
tão gostosa de rezar,
que às vezes mais me parece
cantiguinha de ninar!
56.
Ouço ainda, ao longe, o canto
de um velho carro de boi…
– Lembrança de um tempo e tanto,
que há tanto tempo se foi!
57.
Vestem-se as águas de prata,
saltam no espaço vazio.
Findo o show da catarata,
sereno refaz-se o rio…
58.
Olha lá o ipê florindo,
ele sozinho, na praça…
Florindo, lindo, se rindo
para a cidade que passa!
59.
Leves, ao longe, ora em bando,
ora dispersas, esparsas,
parecem anjos brincando
de lenços brancos – as garças!
60.
Curvada ao peso da idade,
a vovó, serena e bela,
distrai o tempo e a saudade
entre o novelo e a novela…
61.
Ah, meu rio, de repente,
o que foi feito de nós?
Ficou tão longe a nascente…
vemos tão próxima a foz!
62.
Como é bom saber que o filho
vida afora alegre vai,
dando forma, força e brilho
aos sonhos do velho pai!
63.
A bênção, queridos pais,
que às vezes sois mães também.
Em nome de Deus cuidais
dos filhos que d’Ele vêm!
64.
Quanto mais rápido passa
o tempo a mim concedido,
mais grato eu sou pela graça
de cada instante vivido!
65.
Vem, vem, onda bela, vem
nossas lágrimas lavar…
Leva-as todas, lava-as bem,
faz delas um novo mar!
66.
Em resposta à ofensa e à intriga,
ensina o amor: “Faça o bem!”
– O amor é sábio: não briga,
perdoa cem vezes cem!
67.
Num lugar pequenininho,
fez o amor uma capela.
Veio a fé e fez um ninho
de esperanças dentro dela!
68.
Se aos heróis e aos grandes sábios
devemos tão bela herança,
muito mais a quem nos lábios
traz o canto da esperança!
69.
O grande tenor se cala
ante o pássaro silvestre.
– É o discípulo de gala
querendo escutar o mestre!
70.
Quantas bênçãos traz a chuva
quando rega a plantação:
benze o trigo, benze a uva,
benze a vida em cada grão!
71.
Importa pouco a mobília,
importa pouco a fachada…
O amor que envolve a família
é só o que importa, e mais nada!
72.
Não “Pai meu”; “Pai nosso” eu digo,
e ao próximo estendo a mão.
Lembro assim que, mais que amigo,
o próximo é amigo e irmão!
73.
Morre o sábio… enorme bem
perde o mundo em tal momento.
O que ele tinha, herda alguém;
não no entanto o seu talento!
74.
Palavras produzem fartas
e tão belas construções:
com elas fez Paulo as Cartas,
fez os seus versos Camões!
75.
A palavra acalma e instiga;
a palavra adoça e inflama.
– Com ela é que a gente briga;
com ela é que a gente ama!
76.
Há de chegar o momento
da correção dos papéis:
mais valor terá o talento
do que as pedras dos anéis!
77.
Trabalhas tanto, formiga,
enquanto, ó cigarra, cantas.
No entanto, basta de intriga:
– são duas tarefas santas!
78.
Se alguém se torna importante,
por certo alguém o ajudou.
Mesmo o Amazonas, gigante,
de afluentes precisou!
79.
Ninguém se julgue o primeiro
a fazer seja o que for.
Bem antes do jardineiro,
já havia no mundo a flor!
80.
Hoje é simples ir à Lua,
fica ali… basta um voozinho…
Proeza é cruzar a rua
para abraçar o vizinho!
81.
Cidadania é civismo,
sobretudo é comunhão;
é ajuda mútua, é altruísmo,
partilha justa do pão.
82.
Grande mesmo é quem descobre
que ser grande é ser alguém
que abre espaço para o pobre
tornar-se grande também.
83.
Que alegre alívio provoca,
na alma e no coração,
o abraço que a gente troca
numa troca de perdão!
84.
Um vaga-lume, isolado,
é só uma pobre luzinha;
no entanto, aos outros somado,
clareia a roça inteirinha!
85.
Deus não vem na grande nave;
Deus não vem no furacão.
Deus vem qual brisa suave,
e entra em nosso coração!
86.
Terno, amigo e generoso,
quis Deus se configurar
no abraço do pai saudoso
no filho que volta ao lar!
87.
Deus não põe ponto final
na biografia da gente.
– Quer nossa alma, imortal,
junto à d’Ele, eternamente!
88.
A vida no mundo é um treino,
a etapa em que o Treinador
nos prepara para o reino
definitivo do amor!
90.
Quando criança eu queria
ser piloto de avião…
Fiz-me poeta, e hoje em dia
meus vôos bem mais alto vão!
90.
Olhe os poetas e as aves…
Veja que, embora não plantem,
Deus lhes retira os entraves
e apenas pede-lhes: – Cantem!
91.
Tão bela, tão generosa,
símbolo eterno da paz,
pede desculpas a rosa
pelos espinhos que traz!
92.
Se lhe derem mais apoio;
se ele vir que o bem faz bem,
tenha certeza: há de o joio
tornar-se trigo também!
93.
Com que suave ternura
tece a canária o seu ninho!
– Mãe é assim, dengosa e pura…
a nossa e a do passarinho.
94.
Hoje eu sei qual a razão
de a planta gerar a flor:
É a sua retribuição
a quantos lhe dão amor!
95.
O verbo se faz beleza:
faz-se estrela e chuva e flor;
faz chamar-se Natureza,
e nela se faz expor!
96.
Quem preza a vida divide-a,
como o cedro acolhedor
que adota por filha a orquídea,
e dá-lhe suporte e amor!
97.
Benditas sejam as vidas
que, alegres, serenas, santas,
vivem a vida envolvidas
em levar vida a outras tantas!
98.
Todos vós que estais cansados,
vinde a mim – diz o Senhor.
Vinde e vede, irmãos amados,
como é grande o meu amor!
99.
Vem vindo um tempo sem bombas,
sem tanques e sem canhões.
Falcões darão vez às pombas,
e os fuzis aos violões!
100.
Dirá Deus: “Faça-se a paz,
e todos dêem-se as mãos!”
E então, meu filho, verás
que lindo é um mundo de irmãos!

Fonte:
ASSIS, Antonio Augusto de. Tábua de trovas. Maringá – 2004.

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