sexta-feira, 25 de junho de 2010

Maria Adélia (O Conto e Suas Implicaturas)


Histórico

No que se refere às origens, o conto remonta aos tempos antigos, representado pelas narrativas orais dos povos, passando pelos gregos e romanos, lendas orientais, parábolas bíblicas, novelas medievais, pelas fábulas francesas de Esopo e La Fontaine.

A origem do conto está na transmissão oral dos fatos, no ato de contar histórias, que antecede a escrita e nos remete aos citados tempos remotos.

No Ocidente, século XIV, Canterbury Tales (As mil e uma noites), e Giovanni Bocaccio (O Decamerão), são considerados precursores deste gênero.

O ato de narrar um acontecimento oralmente evoluiu para o registro escrito desta narrativa. E o narrador também evoluiu de um simples contador de histórias para a figura de um narrador estudioso e preocupado com os aspectos-normas da língua escrita, criativos e estéticos.

O conto é um texto narrativo centrado em um relato referente a um fato ou determinado acontecimento. Sendo que este pode ser real ou fictício, ou seja, resultante da imaginação do autor.

É nos conjuntos das Revoluções Burguesas- meados da Idade Moderna [século XVIII] que o conto se consolida como literatura, nos primórdios da revolução industrial ou capitalismo industrial [iniciado na Inglaterra],quando se deu a substituição da ferramenta pelas máquinas , resultando também na criação e expansão das gráficas e tipografias.

O conto foi identificado pela primeira vez nos EUA, por volta de 1880, e denominado como Short Story.

As formas atuais do conto foram diretamente influenciadas pelos contistas clássicos, Edgar Allan Poe, Guy de Maupassant e Anton Tchekóv.

Araripe Junior assim caracterizara o conto:

“O conto é sintético e monocrômico, diverso do romance que é analítico e sincrônico; desenvolve-se em tempo pretérito, como feito consumado, onde os fatos filiam-se e percorrem uma direção linear, em forma de narrativa. É uma espécie de começos de romances abortados”

Araripe destaca com rara precisão as feições primordiais do conto:- exigência de um só ambiente, sequência linear e temporalidade.

Pautando-nos nas assertivas de Araripe sobre a tríplice fundamentação do conto procede demonstrar tal argumento em um dos contos mais perfeitos de Machado de Assis:

–Um homem célere [em Várias Histórias], focando a figura de Pestana- o polquista.

A temática básica desse conto é a oposição entre vocação e ambição. Sua personagem principal, Pestana, é um famoso compositor de polcas, um estilo bastante popular de música, conhecido e louvado por todos que o cercam, mas ele vive um dilema pessoal:- odeia suas composições e toda a popularidade que elas lhe proporcionam. Seu grande sonho é produzir música erudita no nível dos grandes mestres, como Chopin, Mozart, Haydn, é “compor uma peça erudita de alta qualidade, uma sonata, uma missa, como as que admira em Beethoven ou Mozart”. A busca pela perfeição estética marca a trajetória de Pestana, que vê todas as alternativas lhe serem negadas no decorrer da vida, “aspira ao ato completo, à obra total”. No entanto, eram as polcas, sempre as polcas, que lhe vinham à cabeça durante os momentos de composição. Machado narra de forma impecável a ânsia da personagem, sua alma impotente, seu ímpeto de alçar vôos mais altos, ao desejar ser um gênio da música, mas seus sonhos não sobem, porque ele possui apenas cotos.

Ao se estudar Um Homem Célebre, a focalização, o tempo e o espaço, três importantes componentes do discurso narrativo, muito mais do que identificar os elementos desses processos, pode-se levantar sua importância na narrativa, ou seja, o efeito que as escolhas feitas pelo narrador, sobre esse três aspectos, surtiu no leitor.

Nos contos Machadianos, a brevidade, dá, por tradição, forte atenção aos elementos narrativos. Não há espaço, pois, para digressões, tudo é rápido e econômico. No entanto, no grande autor em questão o mais importante é o psicológico, o que permite caminho para características marcantes do escritor, como intertextualidade, metalinguagem e até a digressão, entre tantas, tornando a leitura muito mais saborosa.

Segundo José Oiticica:- “os caracteres do conto, foram de certa forma firmados, porém discriminados por Araripe”, convém, portanto à bem da clareza, completá-los, visto que o conto, não é uma escritura menor se comparado ao romance ou a novela.

Assim vejamos:
1. Conceito
1.1. Narração falada ou escrita de um acontecimento.
1.2. Narração de uma história ou historieta imaginadas.
1.3. Fábula

Etimologicamente, sobre a origem do termo podemos citar:

- conto vem de contar, do latim computare – inicialmente a enumeração de objetos, passou a significar metaforicamente, enumeração de acontecimentos;

-conto deriva de contu (Latim), ou do grego kóntos (extremidade da lança);

-conto tem sua origem no termo commentum (Latim), significando "invenção", "ficção".

A ambiguidade presente nas diferentes hipóteses etimológicas indica alguns dos aspectos que mencionamos como a própria abrangência do conto, sua antiguidade, sua ficcionalidade e transformações históricas.

O escritor e contista Júlio Cortázar afirma que o conto é "um gênero de difícil definição, nos seus múltiplos e antagônicos aspectos".

Segundo Nádia Battella Gotlib in “Teoria do conto”, obra pautada na impressão de vários autores, podemos afirmar que:

- o segredo do conto é promover a captura do leitor, prendendo-o num efeito que lhe permite a visão em conjunto da obra, desde que todos os elementos do conto são incorporados no texto.

Nesta apreensão ocorre entre o conto e o leitor uma força de tensão, com os elementos do conto, em que cada detalhe é significativo.

No conto o conflito dramático é teatralizado pelo narrador, em cada gesto, em cada ambiência, dentro de uma construção simétrica de um episódio, num espaço determinado.

A narrativa contempla um acidente de vida, cercado sistematicamente de um antes e de um depois, como enuncia Oiticica. O que se dá de tal forma que a ação descrita somente adaptável a este gênero e não a outro, por seu caráter de contração.

2. Brevidade

Considerando que o conto é o gênero de menor tamanho, a questão da brevidade é fundamental na sua construção.

Nas palavras de Anton Tcheckov "é preferível não dizer o suficiente a dizer demais".

Portanto, é importante limitar o número de personagens e episódios, eleger os detalhes primordiais e evitar explicações em demasia.

Economicidade nos meios narrativos: - uma fórmula para a brevidade é a máxima onde o menos é mais. Tudo que não for essencial para alcançar o efeito desejado – toda informação que não convergir para o desfecho, deve ser suprimida.

3. Intensidade

Este, outro, aspecto fundamental do conto.

Existem duas metáforas criadas por Júlio Cortázar, que definem bem o elemento intensidade:

“O conto está para a fotografia como o romance está para o cinema.”

“No conto o autor vence o leitor por nocaute, enquanto no romance a luta é vencida por pontos.”

4. Efeito

Uma narrativa só é suficientemente intensa a ponto de causar impacto no leitor se tiver unidade de efeito. Para alcançar esta unidade é preciso que o autor tenha em mente durante a construção do conto o efeito deseja causar no leitor.

5. Significante x Significado

Como na fotografia o conto necessita selecionar o significativo. Uma narrativa só se torna significativa quando transcende a história que conta abrindo-se para algo maior.

6. Tensão

A tensão é uma forma diferente de imprimir densidade à narrativa. Em vez de os fatos se desenrolarem de forma abrupta, o autor vai desvendando aos poucos o que conta, usa a técnica do suspense, adia a resolução da ação e instiga a curiosidade do leitor.

7. Temática

Pode se dizer que a temática do conto é praticamente ilimitada. Quase tudo pode ser objeto para um conto. Mas em princípio a idéia de conto está ligada aos acontecimentos. É preciso que algo aconteça, mesmo que o acontecimento seja o nada acontecer.

8. Ápice

É importante que exista algo especial na representação do recorte da vida que gera o conto, o flagrante de um determinado instante que de alguma forma interesse ao leitor. Seja pela novidade, pela surpresa, pelo inusitado, pelo cômico ou pelo trágico de uma situação.

9. Combinação

Aliar os recursos tradicionais com aqueles que vão surgindo é uma boa forma de combinar tradição e modernidade. A narrativa ganha qualidade quando mistura os acontecimentos à investigação psicológica das personagens que os vivenciam ou presenciam.

10. Desfecho

Todo o enredo deve ser elaborado para o desfecho, cada palavra deve confluir para o desenlace. Só com o desfecho sempre à vista é possível conferir a um enredo o ar de conseqüência e causalidade.

"Sem “conflito não há teatro” é uma idéia bastante difundida em dramaturgia”.

A semelhança entre a estrutura do conto e do teatro é exatamente esta, o conflito dramático, fundamental em ambas as formas. Assim como o conflito é a alma de um texto teatral, a crise é primordial na construção do conto.

Conclusão:

Concluímos, considerando que o estudo do conto é um debate sem fim, que a grande explosão criativa do conto moderno em inúmeras vertentes e autores não dilui a significância das unidades constantes. Os clássicos são clássicos porque, relidos, sempre nos oferecem bases de sustentação para o ato da escrita, e para o enriquecimento de idéias. Toda arte se alimenta da história, porém, para que o novo surja é necessário saber criar e recontar o que já foi contado, usando a alquimia infinita das ferramentas da linguagem.

Resumindo este estudo, elencamos aqui uma síntese dos elementos do conto, no que tange a sua estrutura básica.

Analiticamente, podemos considerar como implicaturas fundamentais do conto:

1. Enredo:

Circunscrito, rejeita digressões e extrapolações, exige objetividade na descrição dos fatos, ou de um enigma, onde as palavras sejam usadas de modo a suprir o estritamente necessário para se dizer dos fatos, não mais nem menos.

2. Espaço:

Restrito, palco estreito em que ocorre a ação dramática [sem nenhum ou grandes deslocamentos, prejudiciais à intensidade dramática].

3. Tempo

Curto, breve e limitado, apresentados sinteticamente, o suficiente para 'posicionar' o drama ou conflito

4. Tom

Harmonia estrutural entre as partes da narrativa, por sua unidade de objetivo rumo à unidade de impressão.

5. Personagem

Número reduzido de personagens, de caráter simples e pouco evolutivas.

6. Linguagem

Direta, admitidas metáforas de curto espectro, a linguagem, no conto, deve ser despida de abstração, de prolixidade, garantindo assim a concisão.

7. Diálogo

O dialogo é base expressiva do conto, fala direta das personagens, representada, na escrita.

8. Narração

A narração relata acontecimentos ou fatos, a ação, o movimento e o transcorrer do tempo.

9. Descrição

Caracteriza, tipifica um objeto ou personagem, no tempo e no espaço, ligeiramente.

10. Dissertação

Como exposição de idéias e pensamentos no conto a dissertação, deve ser minimizada.

11. Focos Narrativos

O escritor–narrador "vê" e "sabe" tudo; mas deve manter distância ao extremo, visto que no conto ele é apenas um figurante ou observador, não faz parte do núcleo dramático, é um espectador da trama.

Para escrever um conto, o autor além de um leitor assíduo, um estudioso das normas e cânones lingüísticos, deve ser um observador atento dos fatos e ocorrências do cotidiano, pois o conto tem seu nascedouro nas ocorrências do viver, oriundas dos fatos reais, ou imaginários, que o olhar sobre a vida propicia.
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Maria Adélia é mineira de Juiz de Fora, orientadora educacional, concluíu diversos cursos de extensão em Teoria Literária , livre pensadora, articulista de jornais estudantis, e ensaista da Teologia da Libertação em vários grupos da Renovação Carismática.

Fonte:
http://literaciacentrodeestudos.blogspot.com/

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