quinta-feira, 10 de junho de 2010

A. A. de Assis (A Língua da Gente) Parte 21


20. Defeitos de estilo (III)

CACOFONIA (cacófato) – Nem mesmo os grandes escritores estão livres de cochilos desse gênero. É famosa, por exemplo, a “alma minha” de Camões, o poeta máximo. O primoroso Bilac desafinou no “só quem ama...” E o genial Vieira deixou escapulir o célebre “busca pão”. Mas não será por isso que vamos abusar. Encontros sonoros “impudicos”, ou simplesmente “engraçados”, podem comprometer a seriedade de um texto. Com a devida moderação (para não cair na cacofatomania), anote alguns que podem muito bem ser evitados:
acerca dela,
álbum da moça,
a lei teria,
amo ela,
a roupa daria,
a rota,
chegou ao auge (ao-au?...),
cinco cada,
começou a cavá-lo,
como a concebo,
confisca gado,
conforme já,
da nação,
ela tinha,
ela trina,
eles o são (ossão?...),
embarca nela,
em busca dela,
escapa nela,
estoca brita,
estraga linha,
fé demais,
fica nisso,
haja manta,
havia dado,
intrínseca validade,
levanta manco,
má madeira,
marca dela,
marca gol,
mas ela,
mesma mão,
nunca ganha,
o café deu,
o time já,
paraninfo da turma,
por cada,
por razões,
prima minha,
reclama mais,
só sobraram,
tarefa fácil,
toca a gansa,
triunfo da equipe,
uma mata,
um barco meu,
vez passada (vespa assada?...),
vi a dona...

PALAVRAS “DIFÍCEIS” (eruditismo, sofomania) – Escrever ou falar “difícil” não significa escrever ou falar bem. Ao contrário, porque o leitor/ouvinte acaba não entendendo coisa alguma. Imagine a reação da moça que recebesse do namorado um bilhete assim: “As tessituras traumáticas dos invólucros cardíacos de minha caixa torácica palpitam por ti”... Vale lembrar o sábio conselho de Paul Valéry: “Entre duas palavras, escolha sempre a mais simples; entre duas palavras simples, escolha a mais curta”.

TERMOS TÉCNICOS (economês, gramatiquês etc.) – O problema é semelhante ao que vimos no item anterior. Claro: de advogado para advogado, de economista para economista, de gramático para gramático, de médico para médico, o emprego de termos técnicos é natural; às vezes é até indispensável. Mas, no relacionamento com o público geral, quanto mais simples o vocabulário, tanto mais eficiente a comunicação. Sempre há de ser possível “trocar em miúdos” os adimplementos, os fluxogramas, as antonomásias, as esplenomegalias... Em vez de oftalmotorrinolaringologia, é muito mais fácil dizer “clínica de olhos, ouvidos, nariz e garganta”. E veja se você entende que coisa é isto: dinâmica estrutural totalizada; flexibilidade logística inusitada; mobilidade opcional balanceada; retroação dimensional sistemática... Numa de suas deliciosas crônicas, Fernando Sabino brinca com essa história de falar difícil. Diz ele, dando uma caprichada receita de como não se deve escrever: “Para direcionar o questionamento dos problemas que afetam determinado segmento da sociedade, acionando o dispositivo de uma logística que atinja os estratos sociais emergentes, faz-se mister equacioná-los em módulos abrangentes, que otimizem a operacionalização, segundo parâmetros impostos pela cooptação da proposta contida no discurso de nossa casuística”.
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Fonte:
A. A. de Assis. A Língua da Gente. Maringá: Edição do Autor, 2010

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