sábado, 5 de junho de 2010

Joaquim Moncks (Poemas Escolhidos)


ZELO DE AMAR O DOLOROSO

“O poeta é um fingidor...”
Fernando Pessoa.

Cantar o amor é decantar
o espelho das ausências...

Quando o poema tem
esse ar distraído de que
é possível superar
a falta do que amamos,
percebe-se o poeta
(e sua aura de espinhos)
na ótica rasa do terceiro
destrambelhado.
O outro só olha o feito
e não o teor do escrito.

E dentro de nós somente o fetiche
de sermos inteiros, imolados
no exemplar bíblico
das dores do Homem..
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HOMENAGEM AO POETA - O MAGO DOS AFETOS

para Nelson da Lenita Fachinelli, in memoriam.
Há pessoas que são fachos de luz
roçando o capinzal da ignorância.
Figuras luminares em sua época.
Há imagens de amor sem posse,
que se escondem nestas amorosas
lanternas de rumos e vertentes.

Espíritos benfazejos,
deixam uma lacuna de ausências,
quando a hora do trespasse chega.
E temos certeza: a mínima entrega
a ser feita ao mistério do outro
é repetir pra todo o sempre o seu legado.

Na comunidade construída, repousa
a esperança do reencontro, e se aponta
aos homens a acesa chama da Poesia.
A rosa-dos-ventos demonstra o norte,
aponta caminhos: novas trajetórias.
Estes remos do Belo falam de pátria,
de amor e zelo aos excluídos.
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PIPAS AO VENTO

Deixai que o tempo se mova
com seus cordéis de prata.
A vida, ampulheta da morte,
jamais dará resposta.

Olhai o mar encapelado
e vede como é forte
a ira dos elementos.

Cantai, ó bardo triste;
O canto é a torre das auroras.
Morre a noite e, presto,
levanta-se a pálpebra do dia.

Cantai, humanos.
É para isto que nascestes!
Viestes ao mundo para vencer!

Renova-se, a cada noite,
o reconstruir das lembranças.
É de sonhos o futuro,
e de Ciclope o olho em que me vejo.

Ainda assim, manejo
ventos e esperanças,
com o segredo das pipas,
os longos rabos ao vento.
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O BARQUEIRO DA VIDA

Morreu o poeta com sua carga de relatos.
Por certo a humanidade ficará menos fantasiosa,
menos sonhadora,
mais pobre de estímulos.

Corre vida sob pés cansados.
Vento e chuva retratam o espírito triste.
O que se perde em meio à água que corre debaixo
dos pés andarilhos?

É líquido o silêncio nos olhos,
e os passos se fazem permanentes nos trajetos.
Caminha-se em nome de quem e de quê?
De nosso próprio pré-traçado destino?

Margearão a estrada dos acontecimentos
aqueles que ficaram nas veredas do Rio Escuro.
No retorno da poeira ao pó, a luz solitária
vem na hora bíblica.

A amizade antiga produz o último recado:
o poema com o gosto de lágrima.
É preciso conter o choro,
coragem para o coração pulsar vivo.
A vereda ficou pequena, esvaiu-se aos poucos.

Fiandeiras do fio da vida,
é incerto e dúbio o destino traçado
entre o nascer e o morrer.

Haverá lutas, adiante?
Quais desafios nos restam
além da barcarola de Caronte?

É chegada a hora da transposição do Rio Profundo.
Desta para a outra margem, aquela da qual jamais voltou alguém.
A morte é a primeira parada na estrada longa do Eterno.

— É preciso guardar a moeda para pagar o barqueiro da vida!

Fontes:
AURORA DE POEMAS, 2009/10.
BULA DE REMÉDIO, 2004/2009.
O POÇO DAS ALMAS. 2000.

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