quarta-feira, 2 de junho de 2010

A. A. de Assis (A Língua da Gente) Parte 14



13. Polissemia (I)

Há uma brincadeira assim: é prêmio ao valor; é tom de cor; dá forte sabor; é um ser falador... O que é o que é ?... Isso mesmo. A resposta é louro – prêmio ao valor (os louros da vitória, láurea, laurel); tom de cor (cabelos louros = amarelos); dá forte sabor (folhas de louro, usadas como tempero); um ser falador (louro, o papagaio).

A isso se chama polissemia (poli = muitos + sema = significado): muitos significados para um mesmo significante. Vejamos, por exemplo, a palavra ponto (do latim punctum), que significava originariamente “furo”. Era costume fazer-se um buraco, um furo (punctum) para marcar algum lugar, disso resultando que ponto, em pouco tempo, virasse sinônimo de marca. Daí por diante, de metáfora em metáfora, o verbete ponto, com seus múltiplos significados, foi ocupando espaço cada vez maior nos dicionários. Confira: ponto a ponto, ponto culminante, ponto de apoio, ponto de bala, ponto de chegada, ponto de cruz, ponto de ebulição, ponto de honra, ponto de interrogação, ponto de ônibus, ponto de saturação, ponto de táxi, ponto de vista, ponto facultativo, ponto final, ponto morto, pontos cardeais, chegar a tal hora em ponto, entregar os pontos, estar a ponto de explodir, fazer ponto no bar, fazer tantos pontos na loteria, levar tantos pontos na cabeça, não dar ponto sem nó, o doce está no ponto, o ponto que caiu na prova, tocar no ponto fraco, vender o ponto...

A polissemia pode dar origem a comunicados ambíguos, por isso exige especial cuidado em textos que exijam máxima clareza e exatidão. Trabalhada, porém, com engenho e arte, permite interessantes jogos de palavras, e tem sido utilizada com frequência, sobretudo, na poesia, na publicidade e no humorismo.

Observe estes versos de Manuel Bandeira: No Nordeste faz calor também, / mas lá tem brisa: / Vamos viver de brisa, Anarina! – A chave do poema está justamente no duplo sentido da palavra brisa, ainda mais se considerarmos o nome da personagem – Anarina.

Veja também estes versos de Geir Campos: Se eu lhes desse agora fragmentos do meu passado, / seria como dar-lhes um presente usado. – Observe a habilidade com que o poeta tirou proveito do jogo semântico passado-presente, explorando a ambiguidade da palavra presente.

A polissemia foi sempre grande aliada dos criadores de textos publicitários, mestres na arte de tirar o melhor proveito da ambiguidade das palavras. Veja estes exemplos, em que marcamos com itálico as palavras-chave:

* Uncle Ben’s é o arroz que pegou porque não gruda.
* Papel – uma indústria de fibra.
* Dumont – o primeiro a cada segundo.
* Delta AirLines – Você se sente lá em cima.
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Fonte:
A. A. de Assis. A Língua da Gente. Maringá: Edição do Autor, 2010

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