O SOLDADOR DE PALAVRAS
Fazer poemas é soldar palavras,
fundir o signo - literal sentido -
do verbo frio, transformado em chama,
aceso verso, pensado e medido
sob a moldura da expressão intensa
fingem palavras um som mais fingido
além, no ocaso, da sintaxe extrema,
fuga do verbo não mais definido.
Criado o texto, com idéia e tinta,
forma e figura na linguagem extinta,
quebrando regras de comuns fonemas.
A idéia é fogo. Fogo... o verbo aquece.
A tinta é solda que remenda e tece
versos, metáforas e, por fim, poemas.
O SILÊNCIO NO AQUÁRIO
em meu silêncio, meu exílio canto
e nele morro e quase sempre habito
se no meu sonho, meu silêncio encanto
é porque nele minha morte evito
guardo a memória desse deuses surdos
transformo em cinzas a feição do mito
e na distância de caminhos tardos
durmo ao relento sobre a terra fria
e nas pupilas desses gatos pardos
vivo mil noites pra sonhar um dia
OS LIMITES DO TEMPO
Meia face de sol - a tarde finda
nos limites do céu e da calçada.
Uma tarde partida, quando ainda
refletida entre cores, desbotada.
Aquarela dispersa - morte linda.
(Colorido de tez avermelhada)
mas o tempo ilusório fez infinda
meia face de sol desfigurada.
Murchas pétalas de horas finge o monte
rente a linha deserta do horizonte
feito rosa pendida... rosa-flores.
Nos limites da sombra projetada
nos contornos da noite aproximada
percebo o tempo farejando as cores.
AS MARCAS DO TEMPO
O último impulso do segundo antes
ao projetar-se no após segundo
risca no tempo cicatrizes, fendas...
(o largo corte invariável, sempre)
que esculpe a forma virtual do instante
no confundível e abstrato mármore,
imagem sólida do momento único.
O PASTOR E SUA ALDEIA
a Altino Caixeta de Castro
Eu creio que a eternidade nasceu na aldeia
Lucian Blaga
O ladrido infinito de um cão morto
nas vozes de outros cães é repetido
muito além, incessante ao nosso ouvido
mais além, muito além da voz de um cão
trago a lua no bolso e o sol na mão
e um rebanho de cabras e de estrelas
no desejo incomum de sempre tê-las
na distante lembrança de uma aldeia
pervagando a memória das areias
onde estrelas e cabras pastam sonhos
trago à sombra de alpendres breve sono
pressentindo o rangido da tramela
despertado ao contorno da janela
no silêncio imortal da noite fria
canta o galo, outra vez, e denuncia
(seu cantar tem a cor da lua cheia)
o prenúncio de um dia em outro dia
da eterna solidão - eterna aldeia.
BANQUETE PARA UM FANTASMA
numa bandeja foi servida a hora
em um castiçal, meio tempo aceso
um sopro magro vinha porta fora
e porta adentro vinha um sopro obeso
na sala, ao canto, tinha um riso torto
em pé junto à porta um vulto ao revesso
todos falavam, ninguém se entendia
nas mãos um aceno em forma de enfeite
na mesa, à testa, um fantasma comia
cantava e sorria atento ao banquete
TINTA SOBRE TELA
pintaria de azul a cor do vento
de vento pintaria a lua cheia
se pudesse pintar esse momento
pintaria de céu e luz que ondeia
colorido eu faria o tempo, sempre
chocolate, vermelho, creme-areia
na mistura de tempos, fim errante
a cor do pensamento se desfaz
com um resto de tinta e meio instante
vou pintar seu nariz de cor lilás
TRATADO SOBRE UM POEMA
quis um poema sem razão nem fim
um canto surdo de areia e noites
bem mais veloz que ilusão do tempo
que fosse a vida muito além da morte
quis um poema que tivesse o fim
de ser apenas um rascunho torto
entre as lembranças de qualquer rascunho
entre os rascunhos de alguém já morto
quis um poema de tempo e de tempos
regado a vinho – se possível tinto –
do instante imune, que não foi instante
do tempo impuro, do mais puro cisco
quis um poema que fosse um poema
de pele clara, de cabelo ruivo
que fosse a pedra fecundando o húmus
e a luz gestante fecundando a luz
quis um poema... se quis um poema
foi assim quase... meio, fim e meio
sangrei a noite, mas fisguei o verbo
quis um poema lacerado ao meio
VERDE PELÚCIA
A semente vislumbra em breve tempo
irromper contra a terra umedecida
no húmus da manhã adormecida...
germinar e crescer e dar-se ao vento.
Fecundar neste chão rijo e sedento,
(ledo aroma de chuva acontecida)
no mormaço da véspera, confluída...
germinar e crescer e dar-se ao vento.
Mas a nômade nuvem rara e única
é que traz embuçada em frágil túnica,
o sagrado segredo derradeiro,
que ao certo, lançará feito neblina
a viçosa semente então germina,
na manhã, a saber, de algum janeiro.
Fontes:
– Jornal de Poesia. http://www.revista.agulha.nom.br/
– Revista Para Mamíferos. n.2. Ano 2. Fortaleza,CE: Expressão Gráfica Editora, 2010.
– http://www.astormentas.com/
Fazer poemas é soldar palavras,
fundir o signo - literal sentido -
do verbo frio, transformado em chama,
aceso verso, pensado e medido
sob a moldura da expressão intensa
fingem palavras um som mais fingido
além, no ocaso, da sintaxe extrema,
fuga do verbo não mais definido.
Criado o texto, com idéia e tinta,
forma e figura na linguagem extinta,
quebrando regras de comuns fonemas.
A idéia é fogo. Fogo... o verbo aquece.
A tinta é solda que remenda e tece
versos, metáforas e, por fim, poemas.
O SILÊNCIO NO AQUÁRIO
em meu silêncio, meu exílio canto
e nele morro e quase sempre habito
se no meu sonho, meu silêncio encanto
é porque nele minha morte evito
guardo a memória desse deuses surdos
transformo em cinzas a feição do mito
e na distância de caminhos tardos
durmo ao relento sobre a terra fria
e nas pupilas desses gatos pardos
vivo mil noites pra sonhar um dia
OS LIMITES DO TEMPO
Meia face de sol - a tarde finda
nos limites do céu e da calçada.
Uma tarde partida, quando ainda
refletida entre cores, desbotada.
Aquarela dispersa - morte linda.
(Colorido de tez avermelhada)
mas o tempo ilusório fez infinda
meia face de sol desfigurada.
Murchas pétalas de horas finge o monte
rente a linha deserta do horizonte
feito rosa pendida... rosa-flores.
Nos limites da sombra projetada
nos contornos da noite aproximada
percebo o tempo farejando as cores.
AS MARCAS DO TEMPO
O último impulso do segundo antes
ao projetar-se no após segundo
risca no tempo cicatrizes, fendas...
(o largo corte invariável, sempre)
que esculpe a forma virtual do instante
no confundível e abstrato mármore,
imagem sólida do momento único.
O PASTOR E SUA ALDEIA
a Altino Caixeta de Castro
Eu creio que a eternidade nasceu na aldeia
Lucian Blaga
O ladrido infinito de um cão morto
nas vozes de outros cães é repetido
muito além, incessante ao nosso ouvido
mais além, muito além da voz de um cão
trago a lua no bolso e o sol na mão
e um rebanho de cabras e de estrelas
no desejo incomum de sempre tê-las
na distante lembrança de uma aldeia
pervagando a memória das areias
onde estrelas e cabras pastam sonhos
trago à sombra de alpendres breve sono
pressentindo o rangido da tramela
despertado ao contorno da janela
no silêncio imortal da noite fria
canta o galo, outra vez, e denuncia
(seu cantar tem a cor da lua cheia)
o prenúncio de um dia em outro dia
da eterna solidão - eterna aldeia.
BANQUETE PARA UM FANTASMA
numa bandeja foi servida a hora
em um castiçal, meio tempo aceso
um sopro magro vinha porta fora
e porta adentro vinha um sopro obeso
na sala, ao canto, tinha um riso torto
em pé junto à porta um vulto ao revesso
todos falavam, ninguém se entendia
nas mãos um aceno em forma de enfeite
na mesa, à testa, um fantasma comia
cantava e sorria atento ao banquete
TINTA SOBRE TELA
pintaria de azul a cor do vento
de vento pintaria a lua cheia
se pudesse pintar esse momento
pintaria de céu e luz que ondeia
colorido eu faria o tempo, sempre
chocolate, vermelho, creme-areia
na mistura de tempos, fim errante
a cor do pensamento se desfaz
com um resto de tinta e meio instante
vou pintar seu nariz de cor lilás
TRATADO SOBRE UM POEMA
quis um poema sem razão nem fim
um canto surdo de areia e noites
bem mais veloz que ilusão do tempo
que fosse a vida muito além da morte
quis um poema que tivesse o fim
de ser apenas um rascunho torto
entre as lembranças de qualquer rascunho
entre os rascunhos de alguém já morto
quis um poema de tempo e de tempos
regado a vinho – se possível tinto –
do instante imune, que não foi instante
do tempo impuro, do mais puro cisco
quis um poema que fosse um poema
de pele clara, de cabelo ruivo
que fosse a pedra fecundando o húmus
e a luz gestante fecundando a luz
quis um poema... se quis um poema
foi assim quase... meio, fim e meio
sangrei a noite, mas fisguei o verbo
quis um poema lacerado ao meio
VERDE PELÚCIA
A semente vislumbra em breve tempo
irromper contra a terra umedecida
no húmus da manhã adormecida...
germinar e crescer e dar-se ao vento.
Fecundar neste chão rijo e sedento,
(ledo aroma de chuva acontecida)
no mormaço da véspera, confluída...
germinar e crescer e dar-se ao vento.
Mas a nômade nuvem rara e única
é que traz embuçada em frágil túnica,
o sagrado segredo derradeiro,
que ao certo, lançará feito neblina
a viçosa semente então germina,
na manhã, a saber, de algum janeiro.
Fontes:
– Jornal de Poesia. http://www.revista.agulha.nom.br/
– Revista Para Mamíferos. n.2. Ano 2. Fortaleza,CE: Expressão Gráfica Editora, 2010.
– http://www.astormentas.com/
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