terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Anis Murad (Caderno de Trovas)


Debaixo da nossa cama,
que tu deixaste vazia,
o meu chinelo reclama
o teu chinelo - Maria.

Não, saudade, não açoite
o carro de bois, dolente,
gemendo dentro da noite...
chorando dentro da gente...

Estes teus olhos brejeiros!
- ah! se eu pudesse, meu Deus!
por noites, dias inteiros,
ver meus olhos nos teus!

Saudade - rede vazia
a balançar tristemente...
ninando a melancolia
que dorme dentro da gente.

Manhã de sol, que alegria!
De pés descalço, meu ser,
é um garoto que assovia,
na alegria de viver.

Quando eu partir - não sei quando,
não ponhas, minha querida,
teus olhos, lindos, chorando,
sobre os meus olhos, sem vida.

Saudade - tristeza imensa,
por meu amor que não vem.
Saudade - tristeza imensa,
de alguém ausente... de alguém!

Disseste não, fiquei triste,
mas disseste sim, depois.
Maldito "sim", que persisti,
no eterno "não", de nós dois.

Na noite triste, vazia,
ouvi a voz de meu bem.
Corri louco de alegria,
abri a porta - ninguém!

Mandei a saudade, um dia,
à procura de meu bem,
desse meu bem - que é Maria,
mas que é saudade - também...

Vendo-a passar, ficou triste,
quando alguém lhe perguntou:
- E aquele amor... inda existe?
- Não! - respondeu... Já passou!...

Com a luz, pai, que me deste,
do teu meigo olhar profundo,
eu vejo - no mundo agreste,
toda a beleza do mundo.

Saudade - doce maldade,
que a gente sente e não vê,
mas eu vejo esta saudade,
esta saudade é você!...

Saudade - sonho, desejo,
lembrança, recordação......
Um beijo - que já foi beijo,
um amor - que foi paixão...

Olho o boi, de olhar parado,
que me fica amargamente
Parece que o desgraçado
tem piedade da gente.

Bebida da mesma adega,
serás igual a teu pai...
Tu, Anis novo - que chega,
- "Quem é?" – Eu, Anis velho - que vai...

No meu ermo - "Soledade",
alguém bateu, certo dia.
"Sou eu, a Saudade!"
- "Meu Deus! A voz de Maria!"

Amo no amor a ternura,
a meiguice, a suavidade;
o amor - que é todo doçura,
o amor - que é todo amizade.

Guardo esta crença comigo,
com carinho e devoção:
todo mundo é meu amigo,
todo amigo: - meu irmão!

Se todo mundo quisesse,
melhor o mundo seria,.
se todo mundo soubesse,,
do nosso mundo, Maria.

Vem o trem cortando a serra,
no seu grito lancinante
Talvez saudade da terra
que foi ficando distante.

Mente, descaradamente,
o coração da mulher.
Diz que não gosta da gente,
só pra dizer que nos quer..

Não sei se foi por maldade,
não sei se foi por vingança:
mataram minha saudade...
roubaram minha esperança..

Tens o sentido profundo
da fé - que é paz, é perdão!
Braços abertos ao mundo,
portal do céu - redenção!

No teu grande simbolismo,
é um cruzeiro de luz,
de um abismo ao outro abismo,
dos homens até Jesus!...

Mãe que traz uma criança,
nas entranhas de seu ser,
carrega a própria esperança,
no filho que vai nascer.

Esperei-a toda a vida...
Nessa espera envelheci...
Ela - de verde, vestida
passou por mim e não vi...

Na triste quadra da vida,
rima-se a felicidade,
com esta rima querida,
que se rima na amizade.

A minha alma não se cansa,
- embora desiludida,
de acalentar a esperança,
que é o acalanto da vida.

Olhos risonhos, infindos,
que choram de quando em quando:
sorrindo - lindos, tão lindos;
feios, tão feios - chorando...

Esperança!... quem diria,
quem diria - que a esperança
fosse os olhos de Maria,
vagando em minha lembrança.

Não estaria amarrado,
pela igreja e pretoria,
se não tivesse encontrado,
este encanto de Maria!

Achei uma forma nova
de tornar-me trovador:
nossos lábios - uma trova
na doce rima do amor.

Mesmo velhinho e cansado,
não sei que estranha magia,
fico um saci, assanhado,
quando te vejo, Maria.

Deixa a vida do menino
viver a vida, meu bem,
ninguém muda o destino,
nem a vida de ninguém!...

Que medida desmedida
medir as misses, assim.
Com medida ou sem medida
são na medida prá mim.

Nós nos queremos, querida,
com tanta simplicidade,
que o maior bem desta vida,
não vale a nossa amizade!

De sete meses gerado,
vim ao mundo temporão.
Já fui tesouro guardado,
em caixa de papelão.

Só senti a luz da vida,
com mais calor e mais brilho,
quando tu deste, querida,
a luz da vida a meu filho.

O Amor - que tudo redime,
não tem a sublimidade,
do querer bem - que se exprime,
no bem querer da Amizade!

Por um beijo concedido,
ficou desfeito o noivado;
pois o futuro marido,
sentiu-se logo enganado.

Surpreendeu-me o garoto,
em colóquio com meu bem.
E diz, num sorriso maroto:
- Eu quero beijar, também!

Do meu quarto de solteiro
- já cansei de te pedir,
vem buscar teu travesseiro,
que não me deixa dormir!...

Não sei porque a lembrança,
de uma florzinha que cai,
faz-me pensar na criança,
abandonada, sem pai,

Do meu berço pequenino,
fizeram tosca jangada,
que voga ao léu do destino,
para o destino do nada.

Terá, mulher, se quiseres,
o mundo todo a teus pés.!
Porque é todo das mulheres,
que forem como tu és!

Maria - meu sol, meu guia!
Maria - Mãe do Senhor
Minha santa mãe: Maria!
Maria - meu santo amor!

A vida é mesmo engraçada:
correr, correr, para enfim,
tombar, ao fim, para o Nada -
no eterno nada - sem fim...

Simples jardim sobre a cova,
trevos repousando em calma
Em cada trevo uma trova,
em cada trova a minha alma...

Há uma lâmpada encantada,
acesa no coração,
que tem a chama sagrada,
que se chama inspiração.

É, francamente, bobagem,
possuir televisão
se eu posso ver tua imagem,
no vídeo do coração.

Aqui jaz, na quadra imerso,
um vate, vivo e mordaz.
Fez sepulturas, do verso,
e sepultou-se; aqui jaz.

As trovas, quando eu as faço,
faço-as de mim para mim.
Vou dizê-las... que embaraço...
Estremeço... fico assim..

Envelhecer! - que tristeza,
sentir a vida fugir
e ter a triste certeza,
que a morte certa há de vir.

Depois de sua partida,
mais a possuo, porque:
toda a saudade da vida,
ficou em mim - de você!

Não sejas má nem injusta,
nem faças mal a ninguém.
- O querer bem nada custa,
é tão bom fazer o bem.

Eu amo a vida, querida,
com todo o mal que ela tem!
Só pelo bem - que há na vida
de se poder querer bem.

Morre o dia, tristemente,
na tarde crepuscular...
Dá uma saudade, na gente,
ao ver a noite chegar..

Esses teus olhos tão lindos,
misteriosos, profundos,
são dois abismos infindos
dois precipícios - dois mundos!..

Olhas pra mim, na verdade,
mas não me vês - este olhar
perdido está, na saudade,
que ficou noutro lugar...

Eu só, tu só, nós dois sozinhos...
O amor chegou certa vez,
misturou nossos trapinhos,
somos um mundo: - nós três!

Tudo passa - na verdade,
passa tudo - sem parar.
Só não passa esta saudade,
que ficou no teu lugar.

A vida é noite fechada,
num coração sem amor.
Amor é Luz - madrugada!
Raio de Sol - Esplendor!

Essa Maria - que existe,
chorando nos versos meus,
foi a saudade mais triste,
que alguém deixou num adeus!

Saudade - dor repartida
entre o que fica e o que vai.
Uma esperança perdida
num sonho azul que se esvai.

Menina - pobre, perdida,
que a vida jogou ao chão,
descendo a rampa da vida
rolando de mão em mão...

Também nas flores existe
uma saudade de amor...
Orvalho - saudade triste,
lacrimejando na flor...

Nas trilhas de Deus, teremos,
o caminho justo e certo,
para esse Deus, que não vemos,
mas que nos vê tão de perto.

Só a saudade é que explica
por que foi que ele chorou:
esse vazio - que fica,
no vazio - que ficou...

Cansado estou da esperança,
cansado do meu ser,
da própria vida - que cansa,
vivendo, assim, sem viver...

A minha alma - agradecida,
elevo a Deus com fervor,
pelo amor - maior da vida!
Que nasceu do nosso amor.

Perdoa, mãe a heresia!
Mas não posso mais rezar:
fui dizer - Ave Maria!
e comecei a chorar...

Tal qual ingênua criança
nas noites de São João,
vou soltando as esperanças,
como quem solta balão!...

As trovas feitas a esmo,
são difíceis de fazer:
conversa contigo mesmo,
que a trova sai sem querer.

Um vagido de criança
sacode todo meu ser:
era o pranto da esperança
que gritava pra viver.

Vejo-te, mãe, todo dia
que a tarde cai pra morrer
e que a voz da Ave Maria
vem minhalma enternecer...

Guarda, meu bem, na lembrança,
esta lembrança do bem:
quem não tiver esperança,
seja a esperança de alguém!...

Sempre que faço uma prece,
não sei que estranha visão,
a minha mãe aparece,
sorrindo em minha oração.

O trovador - simplesmente,
é uma pessoa feliz;
se às vezes diz o que sente,
nem sempre sente o que diz.

Pobre amor - triste saudade!...
Saudade - triste lembrança!..
De um grande amor - na verdade,
que não passou de esperança!...

Ao verme o verme me diz,
depois de me haver provado; e
bonito!... bebi anis...
Vou ficar embriagado...

Dá tantas voltas a vida,
a gente, atrás, a correr...
Que gente doida, varrida!
Correr tanto, pra morrer!

O destino predestina,
destinos da nossa vida...
A minha invertida sina,
deu-me uma sina invertida...

Tens no coração fecundo,
um patrimônio seguro;
essa riqueza do mundo:
ser bom, ser justo, ser puro.

Que será dessas crianças,
sem luz, sem teto, sem pão...
Uns farrapos de esperanças,
de uma triste geração!

Esses balões e as fogueiras,
trazem à minha lembrança,
as esperanças fagueiras,
dos meus tempos de criança!...

Tenho pena das crianças,
andrajosas, semi-nuas,
malbaratando esperanças,
pelas sarjetas das ruas!...

Eu seria bem feliz,
das mágoas que já sofri,
se pudesse, sendo anis,
ser somente para ti...

Meu coração desconhece,
a raiva, o ódio, o rancor,
Quanto mais vive e padece,
mais vida tem para o amor.

"É bebida apetecida,
- de gostosura sem fim...
Se bebo desta bebida,
eu fico cheio de mim...

Eu nada tenho de meu,
por isso vivo a cantar -
a graça que Deus me deu:
mulher, um filho - meu lar!

Alô!... Quem fala?... Esperança?....
– Um momento!... Vou chamar!...
Esperei... - pobre criança
que envelheceu a esperar!...

Hei de esperar, querida,
nessa esperança, sem fim,
de esperar-te toda a vida,
se a vida esperar por mim!

Pode ir! Tem liberdade,
de levar o que quiser!
Só não me leve a saudade,
que é seu retrato, mulher!

Que pobre vida - vivida
de muitos amigos meus;
desencantadas da vida
sem crença, sem fé, sem Deus.

Maria, só por maldade,
deixou-me a casa vazia...
Dentro da casa: saudade!
E na saudade: Maria!

Não desespere, querida,
que a vida foi sempre assim:
uma esperança perdida
que só se encontra no fim...

Fonte:
Luiz Otávio e J. G. De Araújo Jorge (organizadores). 100 Trovas de Anis Murad. Coleção “Trovadores Brasileiros”. RJ: Editora Vecchi – 1959

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