quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Folclore Latino-americano (Acoitrapa e Chuquilhanto)


Na cordilheira que fica em cima do vale de Yyucay, em Cusco, pode-se ouvir todos os sons. O vento sopra com sua bocarra; a manhã, obrigada a se levantar sempre antes dos outros, boceja morta de sono; os pássaros, seus eternos namorados, acordam cantando ao ouvi-la se espreguiçar.

De repente, silêncio. Acaba de chegar Acoitrapa, o pastor de lhamas. Ele é jovem e belo. Toca a quena tão docemente, que até as flores mais tímidas se abrem e despontam entre os galhos das árvores para escutá-lo.

Certa vez, as duas filhas do sol passaram perto de seu rebanho. Encantadas com a música, se aproximaram para ver quem tocava tão bem assim aquele instrumento. O pastor ficou deslumbrado ao vê-las. Os três conversaram e riram, sem se preocupar com o correr das horas.

Quando o sol se escondeu, as jovens, com muita pena, precisaram se despedir. O pai permitia que passeassem pelo vale, porém ai delas se não chegassem em casa antes do anoitecer!

Chuquilhanto, a mais velha, se sentiu mais triste que sua irmã. Sem saber como, se apaixonara por Acoitrapa.

Chegando ao palácio, Chuquilhanto não quis comer. Correu para o quarto, a fim de ficar sozinha. Deitou-se, fechou os olhos, ficou se lembrando de seu doce pastor, e então adormeceu. Em sonhos, viu um belo rouxinol que cantava suave e harmoniosamente. Falou-lhe, então, de seu amor e de seu medo: temia que seu pai considerasse um guardador de lhamas muito pouco para uma filha do sol.

O rouxinol, comovido pela aflição da jovem, lembrou-lhe que no palácio havia quatro fontes de água cristalina: se ela se sentasse no meio delas cantando o que o seu coração sentia, e as fontes lhe respondessem com a mesma melodia, significava que poderia fazer sua vontade e que seus desejos seriam atendidos.

Chuquilhanto acordou. Lembrava-se perfeitamente do sonho. Vestiu-se depressa e foi aos jardins do palácio. Ali estavam as fontes, dando de beber à manhã. Seguindo as instruções do passarinho, Chuquilhanto sentou e começou a cantar uma triste melodia. As fontes entenderam a sua angústia e manifestaram isso cantando em uníssono, consentindo, portanto, em ajudá-la. Chamaram a chuva e ordenaram-lhe que transmitisse ao pastor o carinho que Chuquilhanto sentia por ele.

A chuva saiu a cântaros do palácio, em direção à choupana de Acoitrapa. Ao encontrá-lo, banhou-lhe o coração com a imagem da jovem.

O pastor, com o peito traspassado pela saudade da princesa, se pôs a tocar sua quena, com tanta tristeza, que até as frias pedras se comoveram. Desolado, compreendeu que o sol jamais permitiria que a filha se casasse com um pobre guardador de lhamas. Mas, que cansada estava sua alma de tanto sonhar com Chuquilhanto! Assim, adormeceu com a quena apertada entre os dedos.

Ao anoitecer, chegou sua mãe. Vendo os olhos do filho cobertos de lágrimas, pressentiu o que estava acontecendo. Como boa velhinha, sabia que um homem só chora dormindo quando está longe de sua amada. A velhinha não suportava ver o filho sofrer. Pensando num modo de aliviá-lo, lembrou-se de um velho bastão mágico que herdara de seus antepassados e que serviria perfeitamente a esse propósito. Então, arquitetou um plano; ordenou ao filho que fosse para a montanha, que se ocupasse do rebanho.

Enquanto isso, Chuquilhanto despertara com os primeiros raios de sol. Agora sentia o coração otimista, os pés leves e um só desejo: encontrar seu amado. Apostando corrida com o vento, chegou à choupana de Acoitrapa. Ao ver que ele não estava, seus olhos se encheram de lágrimas. Tratou de disfarçar sua tristeza e se dirigiu à velhinha, que a olhava com atenção:

— Boa velhinha, tudo na senhora é belo! Jamais vi um bastão semelhante a esse que está em suas mãos. Suas pedras preciosas nada têm a invejar dos campos de flores e brilham como a lua cheia.

— Minha filha — respondeu-lhe a velha —, os seus olhos sabem apreciar o que é belo. De agora em diante, este bastão é seu, sei que o deixo em boas mãos.

Chuquilhanto agradeceu e, acariciando as alvas tranças da senhora, recebeu o bastão.

— Obrigada, boa senhora!
— Adeus, Chuquilhanto — despediu-se a velhinha. — Que o amor a acompanhe!

Chuquilhanto fez o caminho de volta ao palácio. Quando cruzou a porta, os guardas, notando a tristeza em seus olhos, se perguntaram em voz baixa:

— O que estará acontecendo com a princesa que, mesmo possuindo tantas riquezas, tem tanta melancolia?

Quando, por fim, ficou sozinha em seu quarto, pôs o bastão de lado, se atirou na cama e caiu num pranto desconsolado, pensando em seu pastor.

De súbito, que susto! Que surpresa! Alguém a chamava pelo nome! Acendeu a lamparina, com cuidado para não fazer o menor ruído, e viu que o bastão mudava de cor: do rosa ao prateado, do verde ao vermelho, laranja, azul e mil tons diferentes. A voz que a chamava provinha do bastão, não havia dúvida.

— Não se assuste — disse-lhe. — Sou o bastão mágico do amor. Minha missão é unir e proteger os que se amam e sofrem por estar separados.

Chuquilhanto já não sentia medo. Ao contrário, estava maravilhada. Então, o bastão mágico se abriu como uma flor, no centro da qual apareceu Acoitrapa. Ela se aproximou, abraçaram-se, beijaram-se e, cobrindo-se com finas mantas, dormiram juntos.

Ao alvorecer, temendo o castigo do sol, os jovens amantes fugiram do palácio. Mas um guarda os viu sair e imediatamente avisou o pai de Chuquilhanto. Furioso, o sol se pôs à testa de um grande exército e partiu atrás dos fugitivos. Estes, de longe, escutavam sua voz irada apressando os soldados.

Depois de se distanciarem do sol e de suas tropas, esgotados pela longa corrida, os jovens pararam para descansar. Sentados sob a folhagem de um altíssimo eucalipto, se olharam: havia amor em seus olhos. Sabendo-se perdidos, porque cedo ou tarde o sol os alcançaria, fizeram um último pedido ao bastão mágico:

— Transforme-nos em pedra. Assim, nada nem ninguém poderá nos separar.

O bastão, cuja única missão era unir os que se amam, realizou o último desejo do casal. E ainda hoje, perto do povoado de Calca, existem duas estátuas de pedra, que os habitantes da região chamam Pitu Sirai. São Chuquilhanto e Acoitrapa, amando-se para sempre.

Fontes:
Ana Rosa Abreu et al. Alfabetização : livro do aluno / Brasília : FUNDESCOLA/SEFMEC, 2000.
Imagem = http://elmundodegladiola.blogspot.com/

Nenhum comentário: