segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

João Batista de Oliveira Gomes (Poesia Gauchesca)


MEU JEITO DE SER

Num entreveiro de versos
Com entreveiro de danças,
Ás vezes a idéia balança
Mas o verso vem brotando,
E quando estou declamando
Ou mesmo fazendo pajadas,
Sai um verso e mais outro
E a rima toda encordoada.

E o verso é bem mais bonito
Quando é feito num repente,
Vai abrindo a nossa mente
Bem como se abre uma armada,
Pouco antes de ser jogada
Por quem tem força no braço,
Admiro aqueles que fazem
Mas valorizo o que eu faço.

E se me perguntam o porquê
Deste meu jeito de ser,
Nem preciso responder
Pois olhem a minha estampa,
Sou um filho deste pampa
Aqui no garrão do país,
E sendo um peão do Rio Grande
Me basta pra ser feliz.

Pois nasci lá na campanha
E me criei a lo largo,
Ás vezes metendo um trago
Juntamente co'a peonada,
Na sombra de uma ramada
Quando alguém me convidava,
Pra uma carteada de truco
Era ali que me encontrava.

Saía junto com a noite
A estrela D'alva me guiava,
Quando o dia começava
Cumprir ordens de patrão,
Este é o dever de um peão
Que largado se criou,
Se sei, aprendi com meu pai
E ele aprendeu com meu avô.

Sempre gostei do que é bom
respeito e sou respeitado,
E se uso o chapéu tapeado
Meio de encontro ao vento,
E a cara bem ao relento
Que nem árvore que desfolha,
Assim eu olho direto
No olho de quem me olha.

Sei que sou meio sem jeito
Muito pouco falquejado
Mas gosto de estar ao lado
Daquele que é mais fraco,
Se for preciso me atraco
Pra defender meus direitos,
Depois que eu entro não saio
Sem deixar serviço feito.

Gosto da lida campeira
Da marcação campo afora,
Do tilintar das esporas
Que a peonada se prepara,
E quando uma novilha dispara
É que o cuera mostra a raça,
Botando uma armada certa
Num pealo que sai fumaça.

E desta vida que levo
Te digo que não me queixo,
É claro que teve trecho
Que foi um pouco complicada,
E por china mal domada
Já enfrentei muito perigo,
Mas sempre que posso atendo
A um pedido de amigo.

RECADO A MEU VELHO PAI

A você meu velho pai,
Que me escuta lá das alturas
Excelente criatura
Nos anos que aqui viveu
Quantos conselhos me deu
E disto eu não esqueci,
Pois seguindo teus conselhos
Muito de bom aprendi.

E te mando esta mensagem
Escrita por minha mão,
É um recado deste peão
Que pra você vou mandar,
Pois me criou desde piá
E me deu educação
Eu te conheci como pai
E sou teu filho de criação.

E ao te chamar de meu pai
Até me sinto orgulhoso,
E também o pai poderoso
Que o mundo inteiro criou,
Só que tão cedo te chamou
Mas não te armaste mundéu,
É que ele te precisava
Na estância grande do céu.

E se o Patrão quis assim
O que nós vamos fazer,
É que temos que obedecer
As leis do patrão divino,
E não vamos perder o tino
Quando um de nós for chamado,
É que pra os filhos de Deus
No céu, há lugar reservado.

E quase todas as manhãs
Ao cevar meu chimarrão,
Pois te faço uma oração
E até falo com São Pedro,
Que não me guarda segredo
Porque as vezes sou desconfiado,
Quero saber se no céu
Ele está sempre a teu lado.

E se é São Pedro o capataz
Aí da estância celestial,
Tu terás um bom lugar
Por ser gaúcho de talento
Pois nunca frouxaste um tento,
Em toda a hora precisa,
Para servir um semelhante
Tu dava até a camisa.

Neste recado que eu mando
Quero explicar pra você,
Que nunca vou esquecer
Do que contigo aprendi,
E vou vivendo por aqui
E pra Deus eu peço auxílio,
O que eu aprendi com você
Quero ensinar ao meu filho.

SENTIMENTO DE UM PEÃO

Sou gaudério meio xucro
Fui criado ao Deus dará.
Na brincadeira sou piá
Porque tive pouca infância,
Sou brinquedo de criança
Que nada entende da vida,
Sou encontro da peonada
Depois de um dia de lida.

Sou galpão de pau-a-pique
Sou velho fogo de chão,
Sou a cuia de chimarrão
Do porongo casco grosso,
Sou o lenço de pescoço
Seja branco ou colorado,
Que todo o gaúcho usa
Em seu pescoço amarrado.

Na campanha sou peão
Pra qualquer lida campeira,
Sou apartador na mangueira
Em dia de marcação,
Sou o potro redomão
Que recém foi enfrenado,
Sou o laço de doze braças
De quatro tentos trançados.

Sou o forte vento Minuano
Que sopra lá na coxilha,
Sou o sentinela farroupilha
Que tem o ferrão na asa,
Quando voa sobre a casa
Está anunciando visita.
Sou a velha superstição,
Que muita gente acredita.

Eu sou aquele tropeiro
Que levava a tropa por terra,
Sou a saudade que encerra
O velho tempo passado.
Da carreta sou o rodado
Da espora sou a roseta,
Sou a água sempre chiando
Na velha cambona preta.

Sou o tição guarda fogo
Que mantém acesa a brasa,
Sou a sombra de oitão de casa
Cozinha de chão batido,
Um velho sovéu torcido
O palanque falquejado,
Ficando em frente do rancho
Tira teima de aporreado.

Sou semente de tudo isso,
Que a tempo alguém semeou
E nasceu, se enraizou
E muito fruto tem dado,
Eu sou aquele soldado
Que muito lutou na guerra,
Sou o tinido das espadas
Dos defensores da terra.

Sou festa, sou rodeio
Sou fandango de galpão,
Sou a pura tradição
Que se cultua nesse pago,
Por isso tomo o meu trago
Sem precisar que me mande,
Sou gaúcho, e me orgulho
Ser crioulo do Rio Grande.

Fontes:
http://www.guapos.com.br/

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