terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

J. G. De Araujo Jorge (Livro de Poemas I)


A Casa Abandonada

Abro a janela da minha alma e espio:
- tudo é negro é completa a escuridão...
Nesse estranho lugar, triste e vazio,
hoje habita somente a solidão

Há teias de saudade em cada canto,
e a poeira de um amor cobre o seu chão...
São sombrias as salas, - velho encanto
há nesse feio e escuro casarão

Uma ruína em meu peito, abandonada,
com muros desbotados... cheios de hera...
-como um túmulo à beira de uma estrada ,
que nada mais desta existência espera...

O tempo, pouco a pouco, já a consome,
- outrora, por exemplo - havia um nome
de mulher, no portal, mas se apagou...

Quantos homens como eu, na alma fechada,
vão levando uma casa abandonada
de onde alguém que partiu não mais voltou!..

A Cruz de Ninguém

Era uma cruz... pequena... de madeira...
em meio às outras cruzes, desprezada,
sobre um monte de terra, abandonada,
sem uma flor sequer por companheira...

Pendendo sobre o chão, tosca, bem feia,
cobria o corpo de um, que foi fadado
a ser talvez, na vida, um desgraçado,
hoje feliz sob um montão de areia...

Vendo-a tão só, nublou-se o meu olhar,
e orei por esse irmão que ali dormia,
pois morto eu fosse, e a minha cruz seria
tal como aquela, ao tempo, a se inclinar...
.......................................................................

Ao partir... junto à cruz triste e sozinha
escrevi sobre a terra uma inscrição
que é bem possível que ainda seja a minha:

"Aqui se encontra alguém desconhecido,
um que nasceu talvez por irrisão
e que morreu, sem nunca ter nascido..."

A Ilusão de Ser Feliz

Silêncio... A Noite pesa sobre tudo,
e eu, quedo, triste, retraído e mudo
vou traduzindo a dor que me consola...

Deixo falar meu coração tristonho,
e assim, vou despertando um pobre sonho
que alguém me deu por derradeira esmola...

Relembro o doce amor que tanto adoro
e sinto que ao lembrá-lo, quase choro
talvez porque não sei me compreender...

Partiste...e nem sequer adeus te disse
só por temer que desse adeus surgisse
a triste confissão de meu sofrer.

Prefiro esse meu sonho por ventura
uma vaga esperança por tortura
e um porvir de quiméricas visões...

Feliz, eu me contento com a incerteza,
sentindo a vida, embora com tristeza,
uma linda cadeia de ilusões...

E é tudo que me resta. O coração
ainda tenho a pulsar, nesta visão
que, por que tive medo, não desfiz...

A Última Estrela

Voltaste as folhas, uma a uma, e agora
vais fechar este livro: a noite é finda...
O "meu céu interior..." já se descora
à luz de um dia que não vive ainda...

Não sei se achaste a minha noite linda,
se sentiste, como eu, o vir da aurora...
Vai a luz aumentando...A noite é finda
O "meu céu interior..." já se descora!...

Cada folha voltada, foi assim
como um raio de luz, a mais, brilhando...
- como uma estrela que encontrou seu fim...

Esta folha - é da noite, o último véu...
E este verso que lês, e vai findando,
a última estrela a se apagar no céu!...

A Vida Que Eu Sonhei...

Eu sonhei para mim, uma vida discreta
num lugar bem distante, a sós, tendo-te ao lado
- num castelo que fiz lá num reino encantado,
nesse reino que eu chamo o coração de um poeta...

Sonhei... Vi-me feliz na solidão de asceta,
bem longe deste mundo, a rir, despreocupado...
- acordando a escutar no arvoredo o trinado
das aves, e a dormir fitando a lua inquieta...

Vivia na ilusão daquele que ainda crê,
na vida, e o meu amor, eu o tinha idealizado
no romance de um lar coberto de sapê...

- Mentiras que eu sonhei!... No entanto hoje me ponho
muita vez a pensar no tal reino encantado
e sinto uma saudade imensa do meu sonho!...

Adormecer...

Muita vez, no silêncio, enquanto a noite desce
e pousa sobre a terra o seu manto dourado
de estrelas, no meu quarto, a sós, abandonado,
não tenho pelo mundo o mínimo interesse...

Mas, não sei bem dizer... dentro em meu peito cresce
um sonho, e, de repente, eu sinto, consolado
que alguém vem para mim, que alguém vem ao meu lado,
e me diz bem baixinho alguma estranha prece...

Então, tomo da pena, e espero calmamente...
Uma noite, porém, me lembro, adormeci
sentindo esse esplendor de um céu que está contente,

e não pus no papel mais que um nome sequer...
E só quando acordei, na folha branca, eu vi
que apenas tinha escrito um nome de mulher...

As Estações do Amor...

Eu tinha para mim que eras pura e sincera,
e por isso, talvez acreditei em ti...
Nesse tempo, em meu ser, fazia a primavera
e as flores do meu sonho em minha alma colhi...
Depois... Foi de repente... Ao passar da estação,
tornou-se o meu amor maior... e mais ardente...
Havia no meu peito o calor do verão,
- e julguei que eras minha, minha inteiramente...
E o tempo foi passando... E tudo, pouco a pouco
mudou - e me senti num completo abandono...
Caíram para sempre as ilusões - e eu, louco,
as vi secar no chão como folhas de outono...
E um dia... Veio o inverno insípido e tristonho,
- fazia muito frio... e em minha alma nevou...
E a neve foi caindo, e sepultou meu sonho
..........................................................................

As estações do tempo... As estações do amor...
Parecem muito iguais... e diferem no entanto,
- naquelas há o voltar da alegria e da côr
ao de novo surgir, da primavera , o encanto...
Mas nas outras, depois do inverno, nada existe...
Tudo é branco... tristonho... frio e desolado,
- recorda-se a chorar - e vê-se o como é triste
lembrar a primavera antiga do passado !...

Canteiro de Opalas

Céu azul... céu lilás... Noite azul, tropical
que através da janela eu fito deslumbrado,
como o sapo infeliz, de olhar quieto e parado
que mora sem ninguém no fundo do quintal...

Abóbada que encima a imensa catedral
do Universo, onde o poeta, um Deus por Deus deixado
na terra, vai abrir seus olhos, consolado
na extática visão de uma obra magistral...

Quando o vejo a pulsar numa noite bonita,
Parece, nem sei bem - um "canteiro" de opalas
cujo pólen é a luz que nos astros palpita...

Opalas que eu adoro! Em vão tento colhê-las!
- Quisera na minha alma azul também plantá-las
para ter no meu peito um punhado de estrelas!...

Fonte:
JORGE, J. G. De Araújo. Meu Céu Interior. 1ª edição, setembro,1934
Imagem = montagem por José Feldman (poema de Jorge; retrato; bandeiras do Acre (nascimento) e do Rio de Janeiro (radicou-se))

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