segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

J. G. De Araujo Jorge (Livro de Sonetos I)


A DOR MAIOR

Não quis julgar-te fútil nem banal
e chamei-te de criança tão-somente,
- reconheço, no entanto, infelizmente,
que, porque te quis bem, julguei-te mal.

Pensei até, ( e o fiz ingenuamente...)
ter encontrado a companheira ideal...
Quis julgar-te das outras diferente,
e és como as outras todas afinal...

Hoje, uma dor estranha me consome
e um sentimento a que não sei dar nome
faz-me sofrer, se lembro o amor perdido...

A dor maior... A maior dor, no entanto,
vem de pensar de Ter-te amado tanto
sem que ao menos tivesses merecido!...

A ESPERA

Ela tarda... E eu me sinto inquieto, quando
julgo vê-la surgir, num vulto, adiante,
- os lábios frios, trêmula e ofegante,
os seus olhos nos meus, linda, fitando...

O céu desfaz-se em luar... Um vento brando
nas folhagens cicia, acariciante,
enquanto com o olhar terno de amante
fico à sombra da noite perscrutando...

E ela não vem...Aumenta-me a ansiedade:
- o segundo que passa e me tortura,
é o segundo sem fim da eternidade...

Mas eis que ela aparece de repente!...
- E eu feliz, chego a crer que igual ventura
bem valia esperar-se eternamente!...

A LUZ

Ela veio...( E a minha alma tinha a porta
aberta, e ela entrou...Casa vazia
e estranha, esta que em plena luz do dia
lembrava a tumba de uma noite morta...)

Que ela havia chegado, eu nem sabia...
Mas, pouco a pouco, e a data não importa,
minha alma, por encanto, se conforta,
e há risos pela casa...E há alegria...

Quem abrira as janelas? Quem levara
o fantasma da dor sempre ao meu lado?
Os antigos retratos, quem rasgara?

E acabei por fazer a descoberta:
- ela espantara as sombras do passado
e a luz entrara pela porta aberta!

A VIDA

I
"...Mudarás, todos mudam, e os espinhos
com surpresa verás por todo lado,
- são assim nesta vida os seus caminhos
desde que o homem no mundo tem andado...

Não hás de ser o eterno namorado
com as mãos e os lábios cheios de carinho,
- hoje, juntos os dois... tudo encantado!
- amanhã, tudo triste... os dois sozinhos!...

E sentindo o teu braço então vazio,
abatido verás que não resistes
à inclemência do tempo úmido e frio!

Rolarás por escarpas e barrancos:
sobre o epitáfio dos teus olhos tristes
trazendo a campa dos cabelos brancos!"

I I

" . . Tem sido assim e assim será... Mais tarde
o que hoje pensas chamarás: - quimera!
E esse esplendor que nos teus olhos arde,
será a visão de extinta primavera...

Escondido à .traição, como uma fera,
bem em silêncio, e sem fazer alarde,
o Destino que é mau e que é covarde,
naquela sombra adiante já te espera!

E num requinte de perversidade
faz de cada ilusão, de cada sonho,
a ruína de uma dor... e uma saudade...

E se voltares, notarás então
desesperado, ao teu olhar tristonho
que em vão sonhaste... e que viveste em vão!..."

I I I
"... A vida é assim, segue e verás, - a vida
é um dia de esperança, um longo poente
de incertezas cruéis, e finalmente
a grande noite estranha e dolorida...

Hoje o sol, hoje a luz, hoje contente
a estrada a percorrer suave e florida...
- amanhã, pela sombra, inutilmente
outra sombra a vagar, triste e perdida...

A vida é assim, é um dia de esperança
uma réstia de luz entre dois ramos
que a noite envolve cedo, sem tardança...

E enquanto as sombras chegam, nós, ao vê-las,
ainda somos felizes e encontramos
a saudade infinita das estrelas!..."

IV
"...A vida é assim, uma ânsia... feito a vaga
que se ergue e rola a espumejar na areia,
- apor esse bem que a tua mão semeia
espera o mal que ainda terás por paga!

A essa hora boa que te agrada e enleia
sucede uma outra torturante e aziaga,
- a vida é assim... um canto de sereia
que à morte nos convida, e nos afaga...

O teu sonho melhor bem pouco dura,
e há sempre "um amanhã" cheio de dor
para "um hoje" nem sempre de ventura...

Toma entre as mãos o búzio da alegria
e surpreso verás que no interior
canta profunda e imensa nostalgia!..."

V
Isso tudo nos dizem, - entretanto
nós dois seguimos braços dados,
creio que se tu sabes que te adore tanto
do que ouviste talvez não tens receio...

A vida, - é o nosso amor, o nosso encanto!
Nem a podemos mais parar no meio...
Chorar? - bem sei que choras, mas teu pranto
é a alegria que canta no teu seio...

O mundo é bom e nós o cremos, basta!
E se um amor tão grande nos enleva
e pela vida unidos nos arrasta,

- que eu te abrace e te apoies sempre em mim,
e desafiando o mundo envolto em treva
sigamos juntos para um mesmo fim !

ALVORADA ETERNA

Quando formos os dois já bem velhinhos,
já bem cansados, trôpegos, vencidos,
um ao outro apoiados, nos caminhos,
depois de tantos sonhos percorridos...

Quando formos os dois já bem velhinhos
a lembrar tempos idos e vividos,
sem mais nada colher, nem mesmo espinhos
nos gestos desfolhados e pendidos...

Quando formos só os dois, já bem velhinhos,
lá onde findam todos os caminhos
e onde a saudade, o chão, de folhas junca...

Olha amor, os meus olhos, bem no fundo,
e hás de ver que este amor em que me inundo
é uma alvorada que não morre nunca!

AMARGURA

Só podes me ofertar o silêncio e a amargura,
- meu pobre amor de ti só espera a indiferença...
Perdoa o meu amor... perdoa-me a loucura
que quem tem, como eu tenho, um coração, não pensa...

Há muito pela vida eu seguia à procura
de alguém que viesse encher de luz minha descrença...
Foi então que te vi... e julguei que a ventura
pudesse ainda encontrar nesta jornada imensa...

E foi assim que um dia eu fui sentimental...
Acreditei no amor... E, talvez por castigo
fizeste-me sofrer - mas não te quero mal...

Quem amou, fui eu só... Eu nunca fui amado!...
Mereço a minha dor, e este sofrer bendigo
na amargura cruel de me julgar culpado!

Fonte:
JORGE, J. G. De Araújo. "Meus Sonetos de Amor. RJ. 1a edição, 1961.

Imagem = montagem por José Feldman com imagens obtidas na internet

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