sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Lino Mendes (Antonio Aleixo: O poeta da Gente)


Foi, sem dúvida, e como alguém afirmou, “um olhar irreverente sobre a sociedade portuguesa. Sendo incontornável que“sob o «ler, escrever e contar» da sua modesta escolaridade, escondia-se o vulto notável de um poeta insigne que, na profundidade filosófica dos seus versos, ditou ao mundo um conceito muito pessoal da própria vida”Mas é de forma modesta que ele próprio se define ao afirmar que

Não sou esperto nem bruto,
nem bem nem mal educado,
sou simplesmente um produto
do meio em que fui criado

Quase analfabeto, teve no entanto quem lhe reconhecesse o mérito, destacando-se nesse campo o Dr. Joaquim Magalhães, que recolheu e publicou parte da sua obra. Por isso Aleixo dizia que:

Não há nenhum milionário
Que seja feliz como eu:
Tenho como secretário
Um professor do liceu.

Não sei se por cá terá havido, quem por palavras simples tanto tenha dito , e ele até considerava que não tinha vistas largas nem grande sabedoria, mas que nas horas más recebera, lições de filosofia.

Ora, quem não compreende as suas mensagens?

À guerra não ligues meia,
porque alguns grandes da terra,
vendo a guerra em terra alheia,
não querem que acabe a guerra.

Sei que pareço um ladrão...
mas há muitos que eu conheço
que, não parecendo o que são,
são aquilo que eu pareço.

Enquanto o homem pensar
que vale mais que outro homem,
são como os cães a ladrar,
não deixam comer, nem comem.

O mundo só pode ser
melhor do que até aqui,
quando consigas fazer
mais p'los outros que por ti!

Mentiu com habilidade,
fez quantas mentiras quis;
agora fala verdade
ninguém crê no que ele diz.

Sei que umas quadras são conselhos
que vos dou de boa fé;
outras são finos espelhos
onde o leitor vê quem é.

Nasceu em 1889 e quando morre em 1949, leva consigo o grande desgosto de ver morrer uma filha por carência de tratamento. Homem de grandes vivências --soldado, polícia, tecelão, pastor, cauteleiro,”cantador e tocador por feiras e mercados”—alargou os seus horizontes ao emigrar.

Sobre António Aleixo escreveu-se:

A sua produção poética é um manancial de sabedoria empírica que o poeta manuseia magistralmente e que o povo repete, saboreando, verso a verso, o gosto da palavra.

Subjacente à sua criação, está toda uma sociedade povoada de vícios e mascarada de virtudes. Nos seus versos, encimados pela ironia, está sempre presente a crítica social mordaz, mas autêntica.

Atento à realidade circundante, alude a todos os seus aspectos menos paradigmáticos e incongruentes, com uma perspicácia e argúcia únicas. A época em que viveu foi «radiografada» pelo talentoso poeta. Nos seus versos, focou todas as «mazelas» de que enfermava (e ainda enferma) a sociedade.


«Este livro que vos deixo», «O Auto do Curandeiro», «O Auto da vida e da Morte», o incompleto «O Auto do Ti Joaquim» e «Inéditos», são os títulos publicados, mas o seu espólio será muito mais vasto encontrando-se fragmentado por todo o Algarve, acontecendo ainda que quando da sua morte, por tuberculose,“vários cadernos seus foram cremados como meio de defesa contra o vírus infeccioso da doença que o vitimou, sem dúvida, um «sacrifício» impensado, levado a cabo no holocausto do medo. Foi esta uma perda irreparável de um património insubstituível no vasto mundo da literatura portuguesa.

Constituem a sua produção poética. A biografia de António Aleixo é sinónimo fiel da polivalência de um homem: soldado, polícia, tecelão e pastor. Tendo emigrado, afastando-se do acanhado universo do seu Algarve, Aleixo adquire uma visão mais ampla do Mundo. A sua conhecida obra poética é uma parte mínima de um vasto repertório literário. Estudiosos do poeta conjugam esforços no sentido de reunir, no mais curto espaço de tempo, o seu espólio, que ainda se encontra fragmentado por vários pontos do Algarve, algum dele já localizado. Sabe-se também que vários cadernos seus foram cremados como meio de defesa contra o vírus infeccioso da doença que o vitimou, sem dúvida, um «sacrifício» impensado, levado a cabo no holocausto do medo. Foi esta uma perda irreparável de um património insubstituível no vasto mundo da literatura portuguesa.

Como espelho de uma autobiografia, registamos uma das mais populares quadras da sua autoria, que traduz bem a multiplicidade das suas vivências.

Fui polícia, fui soldado,
Estive fora da nação;
Vendo jogo, guardei gado,
Só me falta ser ladrão.

Faleceu em Loulé, sua terra adotiva e solo materno de seus pais e seus filhos, aos 50 anos.

De sua profissão, António Aleixo era apenas cauteleiro. Nos seus versos, refere-se não raras vezes, a esse facto e à contradição que existe em vender aos outros a sorte grande, tendo ele a «sorte pequena».

Fonte:
Lino Mendes (Portugal)

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