quinta-feira, 26 de abril de 2018

Cecy Barbosa Campos (Poesias Seletas)


VERDADE 

Não quero ser
da verdade, a dona.
Ela é tão incerta
que sendo minha hoje,
pode ser de outrem
mais tarde.
Aquilo em que acredito
pode transformar-se em mentira
num próximo amanhã.
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PASSADO

Meus fantasmas errantes
buscam 
ilusões perdidas
e sonhos
que ficaram para trás,
perdidos
em tempos idos.
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BUSCA

Virando-me pelo avesso
tento captar todos os espaços
e abraçar o infinito
atingindo recantos escondidos
na descoberta de universos
até então
indecifráveis.
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RETRIBUIÇÃO

Quem faz o mal, tem em troca,
maldades a receber
pois em mão dupla caminha
o mal que ele quer fazer.
Com força retornará
e vai em dobro atingir
a quem com ferro ferir.
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INDIFERENÇA

Colecionamos mortes
em nossas vidas.
Perdemos amigos,
pai, mãe, parentes queridos
e até aqueles que não são tanto.
A morte chega, estendendo os braços,
vai envolvendo com seus tentáculos
a quem quiser, sem perguntar,
sem consultar a nossa vontade
nem dizer quando
estará presente,
se a curto ou a longo prazo.
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PERCURSOS

Lágrimas
dançam 
com estranhas coreografias
percorrendo sulcos
escritos pelo tempo.
Seguindo compassos
inaudíveis,
marcados por atabaques
que esmigalham gemidos
nos lamentos de um soul,
sou o que sou 
com os restos
que habitam em mim.
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CANÇÃO DO MEU EXÍLIO

A casa da minha avó
tinha um extenso quintal,
tinha flores, tinha frutas
e perfume sem igual.
Os passarinhos cantavam
numa árvore frondosa
enfeitada de amarelo
de carambolas maduras
que dançavam suavemente,
ao sabor de doce brisa
que amenizava o calor.
Jabuticabas redondas,
abraçadas, bem juntinhas,
cobriam troncos e galhos
aguardando o seu destino.
Bocas gulosas se abriam
e na suculenta explosão
o doce caldo escorria.
As crianças com alegria
lambiam com sofreguidão
as pontas dos dedos melados
e riam, com satisfação.
Ao relembrar com saudade
a casa da minha avó,
sinto cheiros, tenho sonhos,
com aquilo que eu tinha lá.
Queria voltar no tempo,
a tudo poder retornar,
chupar as jabuticabas
e os pássaros escutar.
Foi-se tudo, só lembranças
trazem de volta os primores
que não mais encontro eu cá.
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SUSSURROS

A brisa
sussurra primaveras
aos meus ouvidos.
Esqueço do outono
e sinto meu corpo
incendiar-se de verão.
Quase não percebo
que o inverno
vem chegando,
de mansinho.
Inexorável.
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IDA E VOLTA

Um bilhete 
de passagem pelo mundo
recebi.
Agora,
na fila de espera
aguardo a entrega
da minha passagem de volta.

Fonte:
Cecy Barbosa Campos. In...versos. 
Rio de Janeiro/RJ: ZMF, 2015.

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