1
Andorinha que vais alta,
porque não me vens trazer
qualquer coisa que me falta
e que te não sei dizer?
2
Ao dobrar o guardanapo
para o meteres na argola,
disseste-me conhecer
como um coração se enrola.
3
Baila o trigo quando há vento,
baila porque o vento o toca.
Também baila o pensamento
quando o coração provoca.
4
Caiu no chão a laranja
e rolou pelo chão afora.
Vamos apanhá-la juntos,
e o melhor é ser agora.
5
Dá-me um sorriso a brincar,
dá-me uma palavra a rir,
eu me tenho por feliz
só de te ver e te ouvir.
6
«Das flores que há pelo campo,
o rosmaninho é rei…»
É uma velha cantiga...
Bem sei, meu Deus, bem o sei.
7
Deixaste cair no chão
o embrulho das queijadas.
Ris-te disso — e porque não?
A vida é feita de nadas.
8
Deste-me um cordel comprido
para atar bem um papel.
Fiquei tão agradecido
que inda tenho esse cordel.
9
Duas horas vão passadas
sem que te veja passar.
Que coisas mal combinadas
que são amor e esperar!
10
É limpo o adro da igreja.
É grande o largo da praça.
Não há ninguém que te veja
que te não encontre graça.
11
Esse xale que arranjaste,
com que pareces mais alta
dá ao teu corpo esse brio
que à minha coragem falta.
12
Fazes renda de manhã
e fazes renda ao serão.
Se não fazes senão renda,
que fazes do coração?
13
Fizeste molhos de flores
para não dar a ninguém.
São como os molhos de amores
que foras fazer a alguém.
14
Fui passear no jardim
sem saber se tinha flores.
Assim passeia na vida
quem tem ou não tem amores.
15
Lá por olhar para ti
não julgues que é por gostar.
Eu gosto muito do sol,
e nem o posso fitar.
16
Manjerico, manjerico,
manjerico que te dei,
a tristeza com que fico
inda amanhã a terei.
17
Meia volta, toda a volta,
muitas voltas de dançar...
Quem tem sonhos por escolta,
não é capaz de parar.
18
Na quinta que nunca houve,
há um poço que não há,
onde há de ir encontrar água
alguém que te entenderá.
19
No dia em que te casares,
hei de te ir ver à Igreja
para haver o sacramento
de amar-te alguém que ali esteja.
20
O moinho que mói trigo
mexe-o o vento ou a água,
mas o que tenho comigo
mexe-o apenas a mágoa.
21
Por cima da saia azul
há uma blusa encarnada,
e por cima disso os olhos
que nunca me dizem nada.
22
São já onze horas da noite.
Porque te não vais deitar?
Se de nada serve ver-te,
mais vale não te fitar.
23
Toda a noite ouvi os cães,
p'ra manhã ouvi os galos.
Tristeza — vem ter conosco.
Prazeres — é ir achá-los.
24
Vai alta sobre a montanha
uma nuvem sem razão.
Meu coração acompanha
o não teres coração.
25
Voam débeis e enganadas
as folhas que o vento toma.
Bem sei: deitamos os dados,
mas Deus é que deita a soma.
Fonte:
PESSOA, Fernando, Quadras ao gosto popular, Lisboa, Ática, 1994.
porque não me vens trazer
qualquer coisa que me falta
e que te não sei dizer?
2
Ao dobrar o guardanapo
para o meteres na argola,
disseste-me conhecer
como um coração se enrola.
3
Baila o trigo quando há vento,
baila porque o vento o toca.
Também baila o pensamento
quando o coração provoca.
4
Caiu no chão a laranja
e rolou pelo chão afora.
Vamos apanhá-la juntos,
e o melhor é ser agora.
5
Dá-me um sorriso a brincar,
dá-me uma palavra a rir,
eu me tenho por feliz
só de te ver e te ouvir.
6
«Das flores que há pelo campo,
o rosmaninho é rei…»
É uma velha cantiga...
Bem sei, meu Deus, bem o sei.
7
Deixaste cair no chão
o embrulho das queijadas.
Ris-te disso — e porque não?
A vida é feita de nadas.
8
Deste-me um cordel comprido
para atar bem um papel.
Fiquei tão agradecido
que inda tenho esse cordel.
9
Duas horas vão passadas
sem que te veja passar.
Que coisas mal combinadas
que são amor e esperar!
10
É limpo o adro da igreja.
É grande o largo da praça.
Não há ninguém que te veja
que te não encontre graça.
11
Esse xale que arranjaste,
com que pareces mais alta
dá ao teu corpo esse brio
que à minha coragem falta.
12
Fazes renda de manhã
e fazes renda ao serão.
Se não fazes senão renda,
que fazes do coração?
13
Fizeste molhos de flores
para não dar a ninguém.
São como os molhos de amores
que foras fazer a alguém.
14
Fui passear no jardim
sem saber se tinha flores.
Assim passeia na vida
quem tem ou não tem amores.
15
Lá por olhar para ti
não julgues que é por gostar.
Eu gosto muito do sol,
e nem o posso fitar.
16
Manjerico, manjerico,
manjerico que te dei,
a tristeza com que fico
inda amanhã a terei.
17
Meia volta, toda a volta,
muitas voltas de dançar...
Quem tem sonhos por escolta,
não é capaz de parar.
18
Na quinta que nunca houve,
há um poço que não há,
onde há de ir encontrar água
alguém que te entenderá.
19
No dia em que te casares,
hei de te ir ver à Igreja
para haver o sacramento
de amar-te alguém que ali esteja.
20
O moinho que mói trigo
mexe-o o vento ou a água,
mas o que tenho comigo
mexe-o apenas a mágoa.
21
Por cima da saia azul
há uma blusa encarnada,
e por cima disso os olhos
que nunca me dizem nada.
22
São já onze horas da noite.
Porque te não vais deitar?
Se de nada serve ver-te,
mais vale não te fitar.
23
Toda a noite ouvi os cães,
p'ra manhã ouvi os galos.
Tristeza — vem ter conosco.
Prazeres — é ir achá-los.
24
Vai alta sobre a montanha
uma nuvem sem razão.
Meu coração acompanha
o não teres coração.
25
Voam débeis e enganadas
as folhas que o vento toma.
Bem sei: deitamos os dados,
mas Deus é que deita a soma.
Fonte:
PESSOA, Fernando, Quadras ao gosto popular, Lisboa, Ática, 1994.
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