Vencido pela fadiga, o pobre pastorzinho deitou-se à sombra de uma grande árvore, à margem da estrada, e dormiu placidamente.
Que idade poderia ter aquele pequenino de feições tão delicadas? Quinze ou dezesseis anos, talvez... Era um adolescente.
Passou pela grande estrada o rei com sua rutilante guarda de nobres e cavaleiros. O poderoso monarca não tinha filhos e procurava ansioso pelo mundo um herdeiro digno de sua invejável coroa. Ao avistar, pois, o jovem zagal (pastor), o Rei parou e dirigindo-se ao oficial que o acompanhava, disse-lhe.
— Que belo menino vejo ali, a dormir, sob aquela árvore! Se a boa-sorte o colocou no meu caminho, para que contrariar o Destino? Tenho o pressentimento de que poderei realizar agora o sonho admirável de minha vida! Vou levar aquele jovem para o meu palácio e fazê-lo herdeiro do meu trono e de meus tesouros.
E o rei desceu de sua bela carruagem e aproximou-se cuidadoso do pastorzinho adormecido.
Mas... como é incerto e caprichoso o destino das criaturas! O pastorzinho dormia tão sereno, tão tranquilo, que o poderoso monarca ficou com pena de acordá-lo.
— Não, não o despertarei agora — exclamou afinal — Seria uma crueldade arrancá-lo às delícias do sono. Voltarei depois.
E, deixando o pastorzinho adormecido, seguiu a jornada, pela estrada longa, para nunca mais voltar...
Momentos depois, pela estrada silenciosa, passou uma formosa princesa, com suas aias e damas de companhia. Acentuadamente romântica não hesitava em satisfazer as fantasias mais extravagantes que lhe ditava o arrebatado coração. Ao pousar os olhos no pastorzinho adormecido, encheu-se de súbita alegria e exclamou:
— Que lindo rapaz, vejo ali, a dormir, descuidado, sob aquela árvore! Tem, precisamente as feições admiráveis do noivo que sonhei para mim. Vou levá-lo agora mesmo para o palácio de meus pais e elegê-lo meu futuro esposo. Sinto-me, desde já, loucamente apaixonada por esse louro pastorzinho!
E a sentimental princesa aproximou-se leve e delicadamente do eleito de seu coração.
Mas... como é incerto e caprichoso o destino das criaturas! O jovem dormia tão plácido, tão tranquilo, que a princesinha romântica ficou com pena de acordá-lo.
— Não! Seria impiedade despertá-lo agora! Ê bem possível que esteja até a sonhar comigo! Voltarei depois, ao cair da tarde!
E a encantadora filha de reis, deixando o pastorzinho adormecido, seguiu jornada, pela longa estrada, para nunca mais voltar.
Continuava, ainda, o pastor a dormir sob a árvore, quando cruzou a estrada um dos bandidos mais perigosos da região. Pesavam-lhe sobre os ombros os crimes mais cruéis e revoltantes.
Ao deparar-se-lhe o pastorzinho adormecido, o assassino encheu-se de ódio e furor. Em seus olhos brilhava a perversidade dos loucos furiosos.
— Olá! Que vejo! Um menino a dormir como um ébrio no caminho! Vou matá-lo, e é para já. Assim me vingo das perseguições que tenho sofrido nesta maldita terra.
E, arrancando de um afiado punhal, o facínora aproximou-se, pé ante pé, do pobre pastorzinho.
Mas... como é incerto e caprichoso o destino das criaturas! O jovem dormia tão sereno, tão tranquilo, que o bandido hesitou em sacrificá-lo.
— Não —- resmungou afinal. — Não o matarei agora! O sono não permitiria, por certo, que ele sentisse a morte. Voltarei mais tarde, e, então, liquidaremos as nossas contas.
E o impiedoso assassino, deixando em paz o pastorzinho, seguiu jornada, pela longa estrada, para nunca mais voltar!
Meus amigos, reparai bem. Quantas vezes, em meio do turbilhão de vossa existência, não ficastes, como o pastorzinho da lenda, adormecido à margem da grande estrada da Vida? E de vós também se aproximaram, em certos momentos, sem que pudésseis perceber a Fortuna, o Amor e a Morte...
Fonte:
Malba Tahan. Minha Vida Querida.
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