sábado, 28 de abril de 2018

Antonio Florêncio Ferreira (Livro D’Ouro da Poesia Portuguesa vol.1) II

IX

Deixa-me num frágil barco
Nas vagas de iroso mar,
Uma vez que nelas ouça,
Mesmo ao longe, o teu cantar!

Lancem-me na horrenda chama
Da cratera d'um vulcão,
Uma vez que assim o indique
Tua nivea, linda mão!

O morrer por ti é vida;
Que importa viver sem ti?...
Nem sequer um ai sonhaste,
Quando em tantos me exaurí!

X

Qual viajante nos desertos,
Que nunca a sede perdeu,
Encontrar em vão procuro
Amor que se iguale ao meu!

XI

Dize que seja ao sol-posto
Que me devem enterrar,
Para do sol e das aves
A despedida aceitar.

Quero guardar bem guardados
Esses mimos de ternura,
E dar-t'os quando gelada
Baixares á sepultura.

XII

Em horas tristes minh'alma
Vai ao encontro da tua,
Qual noturno caminhante
Ansioso da luz da lua.

E fico não sei que tempos
A teu lado, sem saber
Se nessa vida é que existo,
Se na que torno a volver!

XIII

O que for da nossa índole
Não se pode aniquilar;
Digam às rolas que matem,
Aos lobos que vão rolar...

Consegue-se por semanas
Á inexperiência mentir,
Mas, ou mais cedo, ou mais tarde,
Bom, ou mau, tem de surgir.

XIV

Tlim, tlim, tlim, tlim, tlim! – Quem bate?
-«O Amor.» -Que pretende? -«Entrar.»
– Vá-se embora! – «Então é gelo
O que a tantos vai queimar?...»

XV

Ai Coimbra, ó minha terra,
Não me encantas! Salgueiral,
Estas veias do Mondego,
Tempos idos, nada val'...

Meu coração está longe,
Oh! muito longe d'aqui!
Ela, tão distante, vejo-a!
Olho, e sempre a vejo a si!

XVI

Meu Amor, estás dormindo,
Não te quero despertar...
Ha de ser devagarinho
Que trovas te vou soltar.

De musgo, lírios e rosas
Uma cama irei fazer;
De jasmins e de saudades
O travesseiro há de ser.

Quero que vejas nos sonhos,
Lindos, belos, perfumados,
Os meus olhos, da vigília,
Tristes, lânguidos, magoados...

XVII

Como são belos os campos
Com esta luz verde e ouro!
Que namorados gorjeios!
E de frutos, que tesouro!

O que me trouxe indeciso,
O que me faz vacilar,
É se do sol se douraram,
Se tu que os foste enfeitar!

XVIII

Sinto por vezes morderem-me
Remorsos...– visão pungente!
Ditoso de quem for justo!
Feliz do que não os sente!

Mas nunca tive nem ódios,
Nem invejas, nem rancores!
Remorso é de arrependidos,
Do inferno aqueles horrores!

XIX

Teus beijos são diferentes
Dos que costumo trocar:
Falam, suspiram, seduzem,
Querem minh'alma arrancar!

São demorados, contínuos;
Encerram tanta doçura,
Que me parece abrangerem
Dos anjos toda a ternura!

XX

Quando, saído o meu catre,
Fui contemplar o portal
Da residência que logras,
Supus ver lá um rival.

Antes das feras as garras,
Condenado, morto, emfim,
Que imaginar que te roubam,
Que te separam de mim!

XXI

A noite! a noite!... as estrelas!...
Foi o sol que se escondeu,
Ou teu corpo, exceto os olhos,
Que num manto se envolveu?

XXII

Afirmas ser meu amigo;
D'aquele, que não és tal...
Achas bem o que pratico,
Do que faz me dizes mal.

Reunidos, todos o bajulas,
Pelas mãos metes os pés...
Leve o "demo" tais amigos,
Amigos como tu és!

XXIII

Olha aquela pobrezinha;
Coitada! chorosa vem!
Pede esmola... dão-lh'a, alegra-se,
Talvez pensando n'alguém!

Se me faltasses, não via
Nenhuma esp'rança luzir!
Tinha inveja da mendiga,
Não mais tornava a sorrir!

XXIV

Leva o amor ao sacrifício,
Mas – firmeza – é de amizade;
Não gostava d'este acerto
No vigor da mocidade...

XXV

Já reparaste que entramos,
Todos, no mundo a chorar?
D'ele também não saimos
Sem um suspiro exalar!

Choramos o apartamento
Do ventre de nossa mãe...
Suspiramos pelas glórias
Que outra vida em si contem!

Fonte:
Antonio Florencio Ferreira. Trovas: canções de amor. 
Lisboa: Imprensa de Libanio Silva, 1906

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