LIRA DA MOCIDADE
Os versos na mocidade
Todos fazem, e a razão
É serem necessidade
Aos risos do coração.
O futuro cor de rosa,
O mundo cheio de encantos;
A nossa alma jubilosa
Não chorou amargos prantos.
Desde o ar que se respira,
Ao céu da cor de safira,
Tudo ri e diz – Amar!
E contemplando a beleza,
O sorrir da natureza,
Sabemos todos cantar.
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ELA
O busto escultural e primoroso,
O braço torneado, a linda mão,
O rosto aveludado e tão mimoso
Que da rosa assemelha-se ao botão.
O cabelo d'um negro tão lustroso,
A boquinha vermelha, ó perfeição!
O olhar d'um fulgor tão radioso,
Que beleza e ternura d'expressão!
Ao vê–la devaneio, fico louco,
Creio que o meu amor todo inda é pouco
Lembrei-me, e se deixasse de a adorar?
Pode deixar d'amar-se os astros lindos,
Do céu e terra os dons os bens infindos,
A luz doce e tão pura do luar?
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O MAR
Gigante irrequieto, imenso mar,
Inspira-me tão funda nostalgia
O teu sonoro e doce murmurar!
Quando ao sol posto a areia luzidia
Tu vens tranquilamente rebeijar
N'alma despertas maga poesia.
O teu esverdeado transparente
Fala-nos meigamente d'esperança
A ondular poético, dolente,
Beijado pelas auras da bonança;
Parece-me o brincar puro, inocente,
Inofensivo e meigo da criança!
* * * * *
Mas quando agitas o teu seio imenso
No voltear das vagas alterosas
Rugindo com fragor enorme, intenso,
Já não tem expressões harmoniosas
Teu palpitar e n'essa hora eu penso
Em coisas bem sinistras, pavorosas.
Ó monstro, no teu seio tens sumido
Vitimas aos milhões, causas terror,
Tens navios, cidades engolido.
Será um coro de vingança e dor
Das vítimas, ó mar, o teu rugido,
Ou do remorso o pávido clamor?
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31 DE JANEIRO DE 1891
Aos Revolucionários do Porto
Foi há um ano já! Leais, ardentes
Filhos do nosso querido Portugal,
Viva, viva a Republica! Valentes,
Bradaram em hosana triunfal,
Ao som da Portugueza revoltados,
Hastearam ao sol nosso pendão,
E pelo Justo Ideal, rudes soldados,
Lutaram sempre até morder o chão!
Os cérberos fiéis da monarquia
Afogaram, porém, a rebeldia
Em ondas de bom sangue, carniceiros!
E os bravos que lutavam com esperança
Caíram a bradar: Ódio! Vingança!
É tempo já! Vingar os Companheiros!
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PORQUE TE AMO
Amo-te porque és tão linda
Como é linda a luz do sol,
Tens o frescor da alvorada,
Tens a cor afogueada
Como os tons d'um arrebol.
Amo-te porque és tão bela
Como é bela a flor mimosa
Que viceja n'um jardim,
A açucena ou o jasmim,
O lírio, o cravo, uma rosa.
Amo-te porque fascinas
Com esse olhar fulgurante
Que asseteia os corações,
D'esses olhos dois carvões,
A graça do teu semblante.
Amo-te porque és bonita
Com esse preto cabelo,
Em anéis fulvos, sedosos,
Cobrindo os ombros formosos
Fulgurante, crespo, belo.
Amo-te enfim porque és meiga
Qual pomba que arrulha mansa,
Porque és boa e carinhosa,
E esta alma angustiosa
Precisa d'amor, criança.
Precisa d'amor! Não sabes
Que é lutar o viver?
O homem sofre amarguras
Por isso busca ternuras
No seio d'uma mulher.
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A SAUDADE
Era de tarde ao pôr do sol, a brisa
Vinha fagueira a remexer as flores,
Iam velozes sobre a fronte lisa
Do Tejo d'ouro de ideais amores,
Ligeiros barcos, avezinhas mansas.
Desferidos em harpas geniais,
Por virgens d'olhar meigo e loiras tranças,
Vinham trenós sublimes, ideais.
O mundo todo pleno d'harmonia.
Eu, só, fitava a solidão do mar
Dominado d'ideal melancolia.
E que buscava então na imensidade?
É que me vinha fundo cruciar*
O acerado** espinho da saudade!
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NOTA:
* Cruciar: Afligir, atormentar, torturar.
** Acerado: Diz-se do que se assemelha ao aço.
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ESPERANÇA
Fitei o teu retrato tristemente
Cansado do trabalho, sem alento,
O espirito meu n'esse momento
Sofria acerbadamente, amargamente.
Contemplei-o e dei-lhe um beijo ardente
Para desafogar o sofrimento,
Pareceu-me que sorrias, pensamento
Que me passou no cérebro latente.
E fui abandonado p’la tristeza,
Recobrei para a luta mais vigor
Trabalharei tenaz e com firmeza.
Vou-me tornar estóico contra a dor.
Eu vi n'esse sorrir de tal beleza
A firme esp’rança d'um eterno amor!
Poemas de Faustino Fonseca Júnior. Lyra da mocidade Primeiros versos. Angra do Heroísmo/Portugal, 1892
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Faustino da Fonseca Júnior nasceu em Angra do Heroísmo, filho de um militar liberal que havia ficado nos Açores após a Guerra Civil. Concluiu o ensino secundário no Liceu Nacional de Angra do Heroísmo, preparando-se para seguir a vida militar. Na sua cidade natal iniciou-se no jornalismo, dirigindo o Noticiarista e revelando-se adepto das ideias republicanas. Partiu para Lisboa com o objetivo de frequentar o curso preparatório da Escola do Exército, onde se matriculou. As suas convicções republicanas, acirradas pela Revolta de 31 de Janeiro, levaram-no a não prosseguir a vida militar, dedicando-se ao jornalismo, colaborando com jornais como O Século, Correio da Manhã, Mundo e Luta. Em 1895 dirigiu o periódico Vanguarda.
Manteve intensa atividade política, especialmente a partir do ultimato britânico de 1890, distinguiu-se como agitador e membro do Batalhão de Voluntários que se ofereceu para ir defender Lourenço Marques, sendo em consequência preso em diversas ocasiões.
Com a implantação da República Portuguesa foi eleito deputado na Assembleia Constituinte pelo círculo eleitoral de Angra do Heroísmo. Com a aprovação da Constituição da República Portuguesa de 1911 passou a ocupar o cargo de senador, integrando o primeiro Senado da República. Em 1915 voltou a ser eleito senador pelo mesmo círculo.
Em Março de 1911 foi nomeado diretor da Biblioteca Nacional de Lisboa, substituindo no cargo Xavier da Cunha. Dirigiu aquela biblioteca até à sua morte, levando a cabo diversas iniciativas visando a democratização cultural.
Pertenceu à maçonaria, tendo sido iniciado em 1895. na Loja Renascença, em Lisboa, adotando o nome simbólico de Vasco da Gama.
Para além de uma extensa obra jornalística, é autor de uma volumosa e diversificada obra literária, abrangendo áreas tão diferentes como a teoria política, a historiografia, o romance histórico e as peças para teatro.
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