Andei sozinho na praia.
Andei na praia a pensar
no jeito da tua saia
quando lá estiveste a andar.
A vida é um hospital
onde quase tudo falta.
Por isso ninguém te cura
e morrer é que é ter alta.
Baila em teu pulso delgado
uma pulseira que herdaste...
Se amar alguém é pecado,
és santa, nunca pecaste.
Boca de romã perfeita
quando a abres p’ra comer,
que feitiço é que me espreita
quando ris só de me ver?
Linda noite a desta lua,
lindo luar o que está
a fazer sombra na rua,
por onde ela não virá.
«Mau, Maria!» — tu disseste,
quando a trança te caía.
Qual «Mau, Maria», Maria!
«Má Maria!» «Má Maria!»
Menina de saia preta
e de blusa de outra cor,
Que é feito daquela seta
que atirei ao meu amor?
Na praia de Monte Gordo,
meu amor, te conheci.
Por ter estado em Monte Gordo
e que assim emagreci.
O guardanapo dobrado
quer dizer que se não volta.
Tenho o coração atado:
– vê se a tua mão mo solta.
O papagaio do paço
não falava — assobiava.
Sabia bem que a verdade
não é coisa de palavra.
O pescador do mar alto
vem contente de pescar.
Se prometo, sempre falto:
receio não agradar.
O teu carrinho de linha
rolou pelo chão caído.
Apanhei-o e dei-o e tinha
só em ti o meu sentido.
Santo Antônio de Lisboa
era um grande pregador,
mas é por ser Santo Antônio
que as moças lhe têm amor.
Teu olhar não tem remorsos,
não é por não ter que os ter.
É porque hoje não é ontem
e viver é só esquecer.
Trazes a bilha à cabeça
como se ela não houvesse.
Andas sem pressa depressa
como se eu lá não estivesse.
Trazes um manto comprido
que não é xale a valer.
Eu trago em ti o sentido
e não sei que hei de dizer.
Velha cadeira deixada
no canto da casa antiga,
quem dera ver lá sentada
qualquer alma minha amiga.
Fonte:
PESSOA, Fernando, Quadras ao gosto popular, Lisboa, Ática, 1994.
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