terça-feira, 24 de abril de 2018

Arnaldo Forte (Livro D'Ouro da Poesia Portuguesa vol. 2) I

A VIDA É UMA VALSA...

Naquela valsa que dançamos, lenta e linda,
Num baile onde, ao acaso, um dia te encontrei,
Sem qu'rer, fiz-te chorar. Eu lembro-me ainda!
Foi toda a minha vida... a valsa que dancei!

Senti a tua alma entrar dentro da minha;
E ouvi teu coração falar muito baixinho.
E ainda pressenti que a tua alma tinha
Anseios de contar soluços de carinho.

Sentindo as tuas mãos nas minhas a queimar,
Eu disse-te orações... e ouvi-te murmurar
Palavras que de cor meu peito diz ainda!

Vejo-te assim; juntinha a mim, d'olhos fechados...
Eu sinto que nós dois andamos abraçados,
Dançando devagar, aquela valsa linda!

FRIA

Qu'importa o teu olhar seja tão lindo,
E tenha a cor da luz que tem o dia?
Qu'importa o teu sorriso doce, infindo,
Se és fria, como a pedra, fria, fria!

Qu'importa esse teu corpo, se não sente!?
A alvura do teu colo sempre a arfar,
Se não tem o calor que dá á gente,
A força p'ra viver e para amar?!

Amor, no teu olhar eu tenho lido aos poucos,
Anseios esquisitos, sonhos loucos...
E és fria como a lousa em cemitério!

Envolta nesse manto de Beleza,
Quando olho dos teus olhos a frieza,
Eu quedo-me a cismar nesse mistério!

TEUS OLHOS FALAM MÁGOAS...

Os teus olhos magoados dizem tanto!
Aos meus olhos, sem qu'rer, têm contado
As mágoas, os sorrisos, mais o pranto,
Que teus olhos magoados tem chorado.

Teus olhos magoados vão no berço
Do meu peito, e dormem de mansinho.
Teus olhos,-Padre-Nossos– são d'um terço,
Contas d'Amor, que eu rezo tão baixinho...

Teus olhos magoados são dois beijos.
São promessas, sonhos, são desejos...
E eu trago os olhos teus no coração.

São a luz da minh'alma entristecida;
Teus olhos magoados são a Vida,
E o sol da minha vida também são!

VIOLETAS ROXAS

Inda tenho as florzinhas inquietas,
Que beijaram teus seios pequeninos,
Através d'essas rendas indiscretas,
Sob entremeios brancos e tão finos!

Flor's que dos teus lábios coralinos
Ouviram confidências tão secretas,
E que teus dedos brancos, peregrinos,
Deitaram fora... Pobres Violetas!

Perdidas pela sala e desatadas,
Encontrei-as, as pobres, requeimadas,
Ainda cheias desse teu encanto!

Mas lá 'stão inquietas e viçosas,
As que olharam teus seios vergonhosas...
Reviveram nas águas do meu pranto.

A MINHA ALMA JÁ MORREU...

Eu não te disse, Amor? Minh'alma já morreu
Cansada de esperar teus olhos num anseio!
Cansada de rezar baixinho o nome teu.
A noite era tão linda! E o teu olhar não veio!

E o teu olhar não trouxe a sombra dum carinho
Á minha pobre alma exausta de sofrer!
Luar! Tanto Luar havia no caminho...
E a luz do teu olhar não quis vê-la morrer!

O teu olhar matou-a! E não quiseste vir
Trazer-lhe uma grinalda branca do teu rir.
Ao menos murmurar baixinho uma oração!

Amor, sempre julguei que as tuas mãos pequenas,
Branquinhas como duas açucenas,
Viessem ajeitar minh'alma no caixão!

VENDIDA

Vendeste a tua boca, aquela que beijara
Purinha e a sorrir, meus versos a chorar.
Vendeste as tuas mãos, febris que eu apertara,
E outr'ora já por mim se ergueram a rezar.

Vendeste o teu olhar, e o corpo airoso e lindo,
Enlevo do meu sonho, a luz do meu viver.
Vendeste o teu sorrir, sorriso doce, infindo...
Que fora para mim alívio de sofrer!

E nem sequer tens pena! És d'el' que te comprou!
Vender's a tua boca, aquela que beijou
Meus versos a chorar por ti n'uma paixão!

És minha? És d'ele? És minha á luz do sentimento!
Tu vives d'este amor. É meu teu pensamento.
És minha! Não vendeste ainda o coração.

UM PECADO

Silhuete do Amor, corpinho d'anfora, esguia!
Olhar sonhando a rir, promessas e desejos.
Brasa a queimar, a arder, acesa á luz do dia...
Boca tão linda... e boca virgem dos meus beijos!

És a esfinge da Graça! O sonho do Noivado!
Uma oração trazida á Terra, pela Virgem!
E és também ainda um misto do Pecado...
A figura do Amor na tela da Vertigem!

Tu sabes quem eu sou; e crê, quando te vejo,
Eu tenho a impressão do que seria um beijo,
Em frente do Senhor, á luz do coração!

Mas tu, sorris, e ris... e eu quedo-me a cismar,
Como seria bela a vida a recordar,
Um longo beijo teu – Pecado, e Oração!

Fonte:
Arnaldo Forte. 13 Sonetos. Lisboa: Edição do Autor, 1921

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