UM GRÃO DE INCENSO
A Lourenço Cayolla
Entraste com ar cansado
Numa igreja fria e triste.
Ajoelhei-me ao teu lado
– E nem ao menos me viste...
Ficaste a rezar ali,
Naquela imensa tristeza.
Rezei também, mas a ti,
– Que aos anjos também se reza...
Ficaste a rezar até
Manhã dentro, manhã alta.
Como é que tens tanta fé
– E a caridade te falta?...
A MÁSCARA
A Santos Tavares
Por acaso, parou na minha frente,
De "loup" e dominó de seda negra,
Uma mulher d'olhar resplandecente
E mento breve de figura grega.
Tomei-lhe as mãos esguias entre as minhas...
E os seus olhos doirados reluziram
Como os punhais ao sol, quando se tiram,
Aguçados e frios, das bainhas.
– Máscara, quem és tu?
– E tu quem és?...
– Um homem que te viu e te deseja...
E um riso vago, de desdem talvez,
Floriu na sua boca de cereja.
Ergui-lhe as mãos ascéticas. Beijei-as.
Em vibrações entrecortadas, secas,
Tiniam taças irisadas, cheias.
E uma frase d'amor, toda em colcheias,
Vibrava nas arcadas das rebecas.
Levei-a para o vão duma janela.
– Máscara, quem és tu?
– Para que insistes?...
Outro riso subiu da boca dela
Aos olhos enigmáticos e tristes.
E descobriu a face. No capuz
Emoldurou-se um rosto lindo e sério.
Que diferente porém do que eu supus!
A gente nunca deve entrar com luz
Nos divinos recantos do mistério...
IN PROMPTUM PASTORAL
A Amadeu de Freitas
«Muito vence quem se vence
Muito diz quem não diz tudo,
Porque a um discreto pertence
A tempo fazer-se mudo.»
("Copla do Infante D. Luiz")
Sob este céu criador
De manhã vergiliana,
Apetece ser pastor
E tocar frauta de cana;
Não, pastor d'autos d'amor,
D'éclogas frias e velhas,
Mas verdadeiro pastor
De verdadeiras ovelhas...
Não conhecer o talento
Nem nada do que se ensina.
Esta dor do entendimento
É pior do que se imagina...
Guiar o meu coração
Num ingênuo cristianismo.
Esta civilização
É cheia de pessimismo...
Comer pão negro, pão duro,
Beber o leite das pearas.
Pão de centeio é escuro,
– Mas põe as almas às claras...
Amar alguma pastora
Com palavras e com obras.
Estas senhoras d'agora
São mais falsas do que as cobras...
E ver criar com carinho,
Com cuidados infinitos,
À companheira, um filhinho...
E às ovelhas, borreguitos...
A CANÇÃO DAS PERDIDAS
A Vianna da Motta
I
Quem por amor se perdeu
Não chore, não tenha pena.
Uma das santas do céu
– É Maria Magdalena...
II
Minha mãe foi o que eu sou.
Eu sou o que tantas são.
Que triste herança te dou,
Filha do meu coração!
III
Meu pai foi para o degredo
Era eu inda pequena.
Se não morresse tão cedo,
Morria agora de pena...
IV
E há no mundo quem afronte
Uma mulher quando cai!
Nasce água limpa na fonte,
Quem a suja é quem lá vai...
V
Aquele que me roubou
A virtude de donzela
Se outra honra lhe não dou,
– É porque só tive aquela!...
VI
Nós temos o mesmo fado,
Oh fonte d'água cantante,
Quem te quer, para um bocado.
Quem não quer, passa adiante...
VII
O meu amor, por ama-lo,
Pôs-me o peito numa chaga:
Deu-me facadas. Deixa-lo.
Mas ao menos não me paga!
VIII
Nem toda a água do mar
Por estes olhos chorada
Daria bem a mostrar
O que eu sou de desgraçada!
IX
Como querem ver contente
Este país desgraçado,
Se dão só livros à gente
Nas escolas do pecado...
X
Dormia o meu coração
Cansado de fingimento.
Bateste-me, e vai então
Acordou nesse momento.
XI
Se aquilo que a gente sente,
Cá dentro, tivesse voz,
Muita gente... toda a gente
Teria pena de nós!
Fonte:
Augusto Gil. Luar de Janeiro.
Lisboa/Portugal: A Lanterna, 1909
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