A existência é definida:
não por azar, mas por sorte,
quanto mais “cheios” da vida,
mais perto estamos da morte.
A gente jamais esquece
de um bom momento os embalos,
pois se a memória fenece,
fica a saudade a lembrá-los.
Agitando o seu penacho,
da leve brisa aos carinhos,
o coqueiro solta o cacho,
num dilúvio de frutinhos.
A voz na garganta presa,
em meu mutismo sem fim,
eu cedo espaço à tristeza:
ela que fale por mim!
Chego, temendo o vazio,
mas pressinto, na ansiedade,
invadir meu quarto frio,
a presença da saudade.
“Conheço o mar, finalmente”,
diz a menina, a sonhar.
E o velho marujo doente:
“Eu também conheço o mar”.
Da emoção que se desdobra
deste amor posto à franquia,
meu coração não te cobra
nem juros, nem garantia.
Da vida, nessa altitude,
não chore os erros que fez!
Se voltasse à juventude,
faria tudo outra vez.
Ergue o mar a crista altiva,
e eu, transtornada e sem guia,
sou como um barco à deriva,
arriscando a travessia.
Estala o fogo e consome
as ervas da terra chã,
lavrando a seara da fome
num mundo sem amanhã.
Indiferente ao cansaço,
rolo às ondas do meu mar,
como no oceano do espaço,
rola a Terra, sem cessar.
Já não guardo nem resquício
daquela mágoa sem pausa.
Só lamento o desperdício
de tanto choro sem causa.
No museu de nossas vidas,
somos fantasmas errantes,
duas sombras, encolhidas,
a chorar sonhos distantes.
O aroma da flor singela,
a energia do condor,
nessa palavra tão bela:
“Mãe”, sinônimo de amor.
O sol ergue, reverente,
o véu cinza da neblina,
e o morro, altivo, emergente,
é o verde altar da campina.
Os raros troncos poupados
à ruína que o fogo fez,
são hirtos vultos sombreados
do negro véu da viuvez.
Quanto sonho e quanta mágoa
eu fiz rolar no meu rio,
que hoje, apático deságua
de mágoa e sonhos vazio!
Teu retrato na parede,
é o santinho a me guardar;
e eu engancho a minha rede,
bem debaixo desse altar.
Tombam as folhas, sem pressa,
rendando a manhã chuvosa,
como a tristeza inconfessa
que faz fingir-me ditosa.
Triste, a lua apaixonada,
se esconde no céu moreno,
e a branca face marcada
chora gotas de sereno.
Fonte:
Dorothy Jansson Moretti. Chá da tarde: trovas.
Itu/SP: Ottoni Editora, 2006.
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